FILMES
2017
FRANCISCO
MONTEIRO JÚNIOR
Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *
Janeiro
O SAMURAI * * * * *
Le Samouraï, FRA/ITA,
1967
Suspense | 101 min
É mais a merencória
atmosfera que envolve o personagem-persona de Alain Delon do que o design
entranhado de minúcias do enredo de Jean-Pierre Melville. Ou o inverso,
dependendo da sua inclinação. De qualquer forma e estado de espírito, trata-se
de um noir-estudo-da-solidão que ainda serve de inspiração/influência para se
contar histórias melhores. Mesmo as de gênero. Ou, nesse caso, as que o
transcendem. [01.01.17 | Salvador-BA/resort IberoStar]
O
CLUBE * * *
El Club, CHI, 2015
Drama | 97 min
A narrativa de Larraín ultrapassa o
mero incômodo quando a câmera, ao enquadrar os personagens [e seus crimes] no
centro, pede para sermos juízes – e hesitamos ao nos condoer graças às
performances e à sinceridade do texto. [01.01.17 |
Salvador-BA/resort IberoStar]
ASSASSINO A PREÇO FIXO * * ½
The Mechanic, EUA, 1972
Suspense/Ação | 100 min
Sob a direção correta de
Michael Winner, o “mecânico” feito por Charles Bronson treina um playboy para
substitui-lo. Literalmente. Segunda parceria entre diretor e ator [a dupla
faria ainda a série “Desejo de Matar”], com roteiro de Lewis John Carlino
ecoando “O Samurai” [1967] aqui e ali. Inclusive no próprio personagem de
Bronson, que só profere a primeira fala com 16 minutos transcorridos de filme.
Mas depois consegue seguir seu rumo, com alguns elementos – óbvios – bem
colocados. Carlino afirmava que seu roteiro fora deturpado para um genérico
James Bond. A narrativa teria mais camadas na relação mentor-aprendiz. O
simplismo puritano de Hollywood, como de hábito, prevaleceu. [03.01.17 –
madrugada | Brasília - DF/Base Concept Hotel]
ANIMAIS
NOTURNOS * * *
Nocturnal Animals, EUA, 2016
Drama | 116 min
O diretor/roteirista [também fashion
designer, em outra vida] Tom Ford usa o processo literário da ficção para
desfiar a culpa passivo-agressivo dos personagens – em ambos os níveis
narrativos. O livro dentro do filme, para ser mais preciso: a trama neo-noir e
violenta expressa o universo compartilhado entre autor [Jake Gyllenhaal] e
leitora [Amy Adams], que não por acaso o projeta no protagonista. A adaptação
da obra de Austin Wright resulta num banho elegante de sombrias metáforas [a
começar logo nos créditos iniciais] e rimas visuais para embaralhar ficção e
verdade, ou a verdade sob o véu libertador da ficção. Ford elabora um exercício
no qual o mistério é compreender o comportamento e a motivação por trás da
concepção do enredo. Entender como a dinâmica das personalidades envolvidas
termina por construir aquilo o que ela lê e nós assistimos. O trabalho criativo
do escritor ferido. Desliza na repetição estrutural, oriunda da fonte, das
transições crepusculares. O desfecho em aberto, por sua vez, apenas aponta as
pistas para resolver o insuspeito quebra-cabeça. [03.01.17 | Cinemas Teresina]
INVASÃO
ZUMBI * * * ½
Busanhaeng, KOR , 2016
Terror | 118 min
Yeon Sang-ho usa os mortos-vivos para
tecer um comentário incisivo sobre a natureza humana. O lado podre dela. Como
pede a tradição do tema desde George A. Romero e sua crítica social. No
percurso – a maior parte do filme se passa num trem – consegue misturar tensão,
humor e drama. Nem sempre de forma homogênea ou pelo menos sem recursos
esquemáticos. A direção do sul-coreano, que veio da animação e também é autor
do roteiro, consegue explorar cinematicamente as possibilidades da premissa e ainda
encontra espaço para desenvolver personagens fáceis de criar empatia. Além
disso, não parece interessado em “jump scares”, algo que admiro e agradeço. O
terror é construído na dialética interna, nos colocando à frente dos
personagens. Quando os zumbis, em “frame rate” acelerado, conseguem trabalhar
no coletivo, ao contrário dos seres humanos e sua mesquinharia aflorada pelo
instinto de individualismo, é porque falhamos enquanto espécie. Várias deixas
para reflexão provam que, vez por outra, o filão ainda pode trazer surpresas. E
essa é uma delas. [04.01.17 | Cinemas Teresina]
PASSAGEIROS * *
Passengers, EUA, 2016
Ficção | 116 min
O pavor humano de ficar sozinho pelo
resto da vida rende uma boa sci fi até a narrativa relativizar o drama moral
num genérico terceiro ato. Quando as fraquezas lógicas e todo o machismo do
roteiro de Jon Sphaits [“Prometheus”, 2012] ficam expostos sem qualquer tentativa
mais inteligente da direção de Morten Tyldum [“O Jogo da Imitação”, 2014] em
dar-lhes um cobertor. O que sobra é a premissa promissora, que até caminha para
uma dinâmica sombria dos personagens e levanta questões ético-morais da
carência humana, esvaziar-se em prol da ação à la Hollywood carregada de
efeitos visuais que já não rendem os superlativos de outrora. Nem mesmo o
carisma de Jennifer Lawrence, Chris Pratt e Michael Sheen, como um barman
androide, ou as influências kubrickianas salvam o filme de um desfecho que
perde a oportunidade de extrapolar a mera sessão de cinema. Se pelo menos o
texto sustentasse melhor suas escolhas, o romantismo forçado [stalker?] não
seria apenas um velho truque para agradar o espectador. [05.01.17 | Cinemas
Teresina]
MOANA
– UM MAR DE AVENTURAS * * *
Moana, EUA, 2016
Animação |
107 min
É a aguardada transição/expansão do conceito
de princesa Disney para aventureira e todo o empoderamento feminino que traz
consigo. Os realizadores Ron Clements e John Musker [“A Pequena Sereia”, 1989] continuam
diversificando as etnias das personagens animadas. Depois de Jasmine, em
“Aladdin” [1992], e a primeira protagonista negra Tiana, em “A Princesa e o
Sapo” [2009], agora é a vez da polinésia Moana ecoar o atual zeitgeist e tomar
as rédeas de sua própria aventura. Sem esperar apenas ser salva por algum herói
– no caso, o semideus Maui – ou sonhar com o parceiro romântico, ela quer é
atender o chamado do mar e restaurar o equilíbrio místico quebrado pelo roubo
do coração da deusa Te Fiti. Mesmo que precise convencer Maui a adentrar o
Reino dos Monstros, recuperar seu anzol mágico e desafia a larva Te Ka. Com um
universo tão atraente, tanto nos mitos que toma emprestado quanto nas
ambientação que recria, o entremeio/percurso talvez pareça mais pálido do que
deveria. A atmosfera evoca maiores desafios durante a jornada, perigos mais
pungentes, gags mais inspiradas do que uma galinha abobalhada como alívio
cômico ou tatuagens com vida própria. Mesmo assim, é de uma beleza técnica,
rítmica e propositiva que quase deixa tais fraquezas estruturais no fundo do
oceano. [06.01.17 | Cinemas Teresina]
DE
AMOR E TREVAS * * ½
A Tale of Love and Darkness, ISR/EUA,
2015
Drama | 95 min
Agora também como realizadora, Natalie
Portman desfia com reverência [demais?] as memórias de Amos Oz, em meio à
semântica do pai e à depressão da mãe. Ambas as coisas entremeadas à criação do
Estado de Israel, em 1947, e todo o sentimento que recai sobre a comunidade
judaica. Da qual a atriz-diretora-roteirista, nascida em Jerusalém, faz parte. Mas
não se trata, a princípio, de uma narrativa política, o intimismo sorumbático
de um menino tendo de amadurecer antes do tempo é o que carrega a atmosfera.
Sobretudo quando a percepção do cotidiano recebe paletas de cárcere da própria
felicidade. Portman assume o risco que corre, usando em hebraico palavras
alheias para contar algo pessoal. [07.01.17 | Telecine Cult]
CERCAS * * *
Fences, EUA, 2016
Drama | 139 min
A intensidade das atuações de Denzel
Washington e Viola Davis e o fôlego do texto de August Wilson, falecido em
2005, não escondem a fonte teatral. Mesmo assim, temos aqui uma poderosa
narrativa humana. Tanto como amostra de uma classe [trabalhadora, negra]
situada num tempo e espaço quanto das relações familiares que expõem suas
rachaduras abaixo da superfície. A premiada peça de Wilson escrita em 1983,
sexta parte de seu “Pittsburgh Cycle” [onde acontece a história], havia ganhado
um revival em 2010, justamente com Washington e Davis. Não à toa ambos abraçam
seus papéis com naturalidade. Nessa transição de forma, ela sai um pouco à
frente no diálogo com a câmera ao internalizar sentimentos e reações. Ele, por
sua vez, ainda está num palco de tonalidade e marcações óbvias. Que não por
isso diminui o tamanho do personagem. Talvez o contrário. De todo modo, é uma
performance que sustenta um filme de longos diálogos e poucas locações. Ainda
mais pelo fato de assumir a direção, realçando a força das palavras de August
Wilson por permanecer, sempre que pode, próximo ao rosto dos atores. [09.01.17]
ALEXANDRE
E O DIA TERRÍVEL, HORRÍVEL, ESPANTOSO E HORROROSO * * ½
Alexander and the Terrible, Horrible,
No Good, Very Bad Day, EUA, 2014
Comédia | 81 min
As situações de azar bem que poderiam
ser mais naturais e menos puídas. Baseada num popular livro infantil escrito
por Judith Viorst, termima sendo uma sessão pró-família inofensiva. [10.01.17 –
Telecine Pipoca]
DESEJO
DE MATAR * * *
Death Wish, EUA, 1974
Policial | 93 min
Para o bem ou para o mal, a narrativa
pró-vigilantismo é um reflexo da violência nos Estados Unidos à época. E com um
anti-herói construído cena a cena, em etapas que nos convidam a imergir na
história. Provavelmente o personagem mais popular de Charles Bronson. Não é um
grande filme, mas as opções tomadas pelo diretor Michael Winner vão do acerto
[mostrar de maneira gráfica o evento motivador] ao estruturalmente ousado [ele
nunca chega a se vingar dos verdadeiros causadores de sua revolta]. Como
sabemos, o sucesso dessa adaptação do livro escrito por Brian Garfield gerou
quatro sequências e um número maior de imitações. Visto mais de 40 anos depois
da estreia, com diretor e ator já falecidos, o espanto mesmo é o sentimento
provocado pela premissa da violência urbana estar tão atual. [10.01.17]
ASSASSIN`S
CREED * *
Idem, EUA, 2016
Ficção | 116 min
Há mesmo uma atmosfera de pompa,
seriedade e pretensão que não reverberam – não de forma positiva – numa
narrativa com tantos elementos frágeis, vitrinais, sem uma cola consistente
entre as várias ideias que joga em cima de nós. Assassinos versus Templários,
Animus e seu acesso nunca explicado a memórias passadas [apenas um enganoso
“acesso” e cujo objetivo resulta bobo], cura para a violência genética, Maçã do
Éden, perda do livre arbítrio... Sem esquecer o le parkou no século XV! São
elementos que não se sustentam além da própria necessidade dramática, de fazer
uma adaptação “cool” do game no qual o filme dirigido por um deslumbrado Justin
Kurzel [“Mcbeth – Ambição e Guerra”, 2015] se baseia. Para selar o trágico
anti-shakesperiano, os movimentos do roteiro são óbvios e levam a uma solução
fraca. Quando bons atores [Fassbender, Cotillard, Irons, Rampling, Gleeson] não
conseguem tornar uma premissa com potencial numa experiência credível, é porque
não há quase nada ali para se segurar. Só vislumbres do que poderia ter sido.
[12.01.17 | Cinemas Teresina]
LA
LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES * * * *
La La Land, EUA, 2016
Musical | 128 min
Parafraseando o verso de uma das
canções, esse musical – sim, eles cantam e dançam num único take! – é para
todos aqueles que sonham, por mais tolos que pareçam ser. O que Damien Chazelle
conseguiu? Fazer os clichês cinematográficos serem mágicos como um dia já
foram. Tudo aqui é de um anacronismo nostálgico: os personagens estão no século
XXI, mas, assim como o filme, se comportam como se habitassem a Los Angeles
cenográfica de 1950. E por que não habitariam? Depois da intensidade de
“Whiplash – Em Busca da Perfeição” [2014], Chazelle acerta o tom com uma obra
mais leve, assumidamente romântica, um ode à procura pela realização
profissional, sobretudo do sonho artístico, e uma homenagem à época de ouro do cinema.
Da janela usada às cores que afirmam sua presença, tudo é referência aos
musicais que ainda hoje inspiram jovens e antigos cinéfilos. Sem esquecer o indefectível
sapateado. Com tudo isso, ainda consegue ser um grito a favor do jazz, paixão
do jovem cineasta. Mas não há nada de improviso na mise-en-scène, da
coreografia de Mandy Moore à trilha sonora de Justin Hurwitz, do ritmo da montagem
de Tom Cross à fotografia de Linus Sandgren. Canções originais se mesclam a
outras conhecidas sem qualquer receio, assim como sequências longas cedem a
“hip-hop montages” com rimas visuais, tudo para contar uma história simples do
começo ao fim. Emma Stone e Ryan Gosling não são Ginger Rogers e Fred Astaire,
mas dão tanto que a tela irradia o mesmo brilho e estado de graça. É o cinema
se alimentando do cinema. É Damien Chazelle alimentando o espectador ingênuo e apaixonado
que ainda vive, tímido, em cada um de nós. [12.01.17 |
Cinemas Teresina, pré-estreia]
UM
CADÁVER PARA SOBREVIVER * * *
Swiss Army Man, EUA, 2016
Comédia | 97 min
Você precisa abraçar toda a poética
escatológica proposta pela dupla Dan Kwan e Daniel Scheinert para esse encontro
surreal entre dois personagens, um vivo [Paul Dano] e o outro morto [Daniel Radcliffe],
e suas “solidões” existenciais/afetivas. A narrativa consegue superar o nonsense
da premissa – deve ser o filme mais “qpée” de 2016 – com uma pegada muito
particular, que faz sua opção pela fantasia. Quase uma fábula da improvável
amizade e da também improvável mensagem em prol do peido não reprimido ou
escondido. Será “Um Morto Muito Louco” [1989] da pós-temporaneidade? [14.01.17
– Netflix]
ESTRANHOS
NO PARAÍSO * * * ½
Stranger Than Paradise, EUA, 1984
Comédia/Drama | 89 min
É Jim Jarmusch transformando o
“american way of life” no niilismo sem escapatória da realidade banal. Ser do
ponto de vista dos imigrantes, no caso os húngaros, talvez deixe o comentário
mais ácido. Talvez não. A fuga, de qualquer maneira, é uma road trip em busca
de uma América a qual nunca se chega a ver, sempre bloqueada pelas coisas que
dão errado, do tempo aos personagens entediados. Um sonho perdido, como muitos
já esmiúçaram nesses 30 e poucos anos da existência do filme, de vivências
estranhas, idiotizadas, estagnadas – o que é pontuado pela própria forma narrativa:
cenas de um único plano, em preto e branco, com lacunas entre elas. O feitiço,
como reforça a canção de Screamin’ Jay Hawkins, termina afetando quem o jogou
no ar. E a terra das oportunidades se dissipa no vento que não encontra caminho
para onde correr. [15.01.17 | Cinemas Teresina, Sessão Cinéfilos]
MOONLIGHT
– SOB A LUZ DO LUAR * * * *
Moonlight, EUA, 2016
Drama | 110 min
Quanta coragem e sensibilidade com as
quais Barry Jenkins aborda o bullying e a construção da própria identidade.
Construção essa que perpassa o tempo e as consequências da infância, da mãe
viciada [Naomi Harris, totalmente entregue], da sexualidade ainda em gestação,
do amigo-pai substituto [Mahershala Ali]. Tendo o texto teatral não produzido
de Tarell Alvin McCraney como fonte, Jenkins acompanha três momentos da vida do
protagonista, a formação da sua personalidade e o isolamento dos afetos. Tudo
numa mistura equilibrada de ousadia temática para o mainstream hollywoodiano
[Brad Pitt é um dos produtores executivos] e delicadeza na forma como quer
cooptar o público, em tese, mais conservador. Poderia ter sido mais seco e
menos poético? Claro, a narrativa poderia seguir caminhos de qualquer pegada. A
escolhida por Barry Jenkins – e esse é um filme de direção de atores – foi ser
honesto com o arco intimista [mesmo
que pareça haver um determinismo comportamental já visto] que Little/Chiron/Black descortinava para ele. Talvez seja o
longa de ficção “made in USA” mais relevante de 2016, enquanto transformação do
olhar do espectador. [17.01.17]
SING
STREET * * * ½
Idem, IRL/GB/EUA, 2016
Comédia/Musical | 106 min
John Carney realiza um musical para
você começar a assistir com o peito pesado e sair com o coração mais leve.
Mesmo sem intenção, a atmosfera de Dublin, Irlanda, termina mesmo trazendo no
ar “The Commitments – Loucos pela Fama” [1991], de Alan Parker. Aqui o jovem
protagonista quer formar uma banda apenas para conquistar a garota. E isso é mais
do que suficiente. [18.01.17 | Netflix]
XXX:
REATIVADO *
XXX: Return of Xander Cage, EUA, 2017
Ação | 107 min
Ainda
que a primeira sequência implore para não levarmos o filme a sério, dói ser
tratado como idiota por quase duas horas. Só após um bom pedaço de “narrativa”
é que fui entender que estava assistindo a uma comédia/pastiche de um filme de
ação. Tinha que ser comédia, a tiração de onda com a nossa cara enquanto D. J.
Caruso, consciente ou não, seguia em frente com um enlatado-feitiche para
adolescentes tardios terem uma sessão catártica da própria imbecilidade. “As
coisas que não faço pelo meu país”, o punchline de Xander Cage após a orgia
elíptica com beldades anoréxicas. Daí não melhora. É piada seguida de piada,
algumas até metalinguísticas, mas sem trazerem qualquer novidade. A proeza das
cenas de ação é alçada ao escracho e o carisma de Vin Diesel se transforma em
canastrice. O mais perto de... algo é a roleta-russa com granadas. O resto é
autoparódia pura. E olha que eu estava leve, sem os pesos mentais que com
frequência me fazem companhia. Em teoria, podia ter gostado de algumas coisas
ali [não da participação do Neymar, isso não], mas tudo me vinha como uma
esquete de humor de outras cenas, outros filmes. A estrutura tão manjada quanto
uma desculpa para faltar ao trabalho, a direção rasa, satisfeita com seus
rampings e em construir tudo para os personagens proferirem frases de efeito
sem graça – embora se revezem entre fazerem a piada e serem uma. Não sei,
talvez tenham sido os orgasmos que o sujeito a duas poltronas da minha estava
tendo a cada tirada da produção e sua testosterona vazante. Quis entrar no
clima, porém era impossível competir com aquilo. Torço apenas para esse não ser
um prenúncio de como será o cinema em 2017. Ou então para que eu não seja o
otário que acha a festa ruim, sem nada que o localize, ao invés de simplesmente
se jogar nela. Mesmo a mais inferninha. [19.01.17 | Cinemas Teresina]
NASCE
UMA ESTRELA * * *
A Star is Born, EUA, 1937
Drama | 111 min
Janet Gaynor personifica a busca por um
sonho na Hollywood dos anos 1930. Mesmo que ao final não saia ilesa. O primeiro
filme colorizado a receber indicação ao Oscar de Melhor Filme possui mais anedotas
fora do que na própria narrativa com argumento e direção de William A. Wellman
– após a desistência de George Cukor ao chamado do produtor Selznick. Cukor
achava a história parecida demais com “Hollywood”, de 1932, mas terminaria
fazendo o remake com Judy Garland 17 anos mais tarde. As curvas do destino. Nessa
primeira das, até agora, três versões [há outra com Lady Gaga anunciada para
2018], o tom não escapa ao melodrama típico da época. A decadência do Norman
Maine de Fredric March cria esse contraponto: enquanto um sonho é alcançado, o
outro se esvai; no meio o amor que, apesar de verdadeiro – as atuações são
claras quanto a isso –, nada pode fazer. Um filme triste envolto por uma beleza
nostálgica. [20.01.17]
SETE
MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE * * * ½
A Monster Calls, EUA/ESP, 2016
Drama | 108 min
Mescla um tom sóbrio com uma atmosfera
de fantasia no aceitar a própria dor diante da perda iminente e inevitável – por
mais que seja negada até o último instante. A ideia original partiu da
escritora e ativista britânica Siobhan Dowd, mas ela morreu em 2007 antes de transformá-la
em narrativa. Incumbência passada a Patrick Ness, que também assina a adaptação
dessa fábula melancólica. O comando é do espanhol J. A. Bayona [“O Impossível”,
2012], que permeia a obra de símbolos, efeitos visuais que servem ao enredo e
até uma animação numa aquarela evocativa, sem nunca esquecer que a nota mais
forte é o aspecto humano. Bayona alcança um equilíbrio entre realidade e
imaginação que extrapola a estrutura quase óbvia de tão certinha. A
representação do Monstro [voz de Liam Neeson] e como relativiza julgamentos
morais possui áurea de “coming to age” apenas para emoldurar a importância das
histórias, de ouvi-las, mergulhar nelas e, quem sabe, voltar com algo a mais. Mesmo
que não esconda ser sobre a negação e o que provoca em volta, a raiva, o medo
de deixar alguém querido ir. Pode até, nas sempre injustas comparações, não ter
todas as faíscas de “O Labirinto do Fauno”, a obra-prima de Guillermo del Toro
realizada dez anos antes. Por outro lado, trata-se de uma experiência emocional
que transita por vias difíceis com sensibilidade e ludismo para que o
personagem Conor O’Malley, feito pelo jovem promissor Lewis MacDougall, reconheça
o próprio pesadelo, a verdade por trás dele, e, dessa forma, esteja apto a
superá-lo. Por mais intensa que seja a dor. [22.01.17]
ATÉ
O ÚLTIMO HOMEM * * * ½
Hacksaw Ridge, AUS/EUA, 2016
Drama | 139 min
É um desses filmes que custamos a
acreditar ter sido inspirado em algo real. Mas que termina nos ganhando mesmo
com os exageros de tom aqui e ali para conquistar o maior público possível.
Grande parte se deve à performance de Andrew Garfield como o objetor de consciência
Desmond Doss [1919-2006], que serviu o exército durante a Segunda Guerra
Mundial sem [quase] tocar numa arma. Mesmo assim, salvou uma média de 75
soldados como socorrista. Até os inimigos japoneses ele, pelo menos no filme,
prestou assistência médica. Mel Gibson retorna à direção após uma década no
ostracismo por conta do seu comportamento, e vem com fôlego para reencenar a
brutalidade do campo de batalha como há muito não se via. Não é nenhum “O
Resgate do Soldado Ryan” [1998], contudo possui sua cota de sequências que
exibem todo o caos do combate num grafismo digno de quem nos torturou junto com
Jesus em “A Paixão de Cristo” [2004]. Um dos êxitos de Gibson é justamente nos
fazer vivenciar a confusão e a desorientação do pelotão em sua primeira investida.
Isso depois de uma hora trabalhando o nosso envolvimento com o protagonista e
os personagens coadjuvantes. Faz uma boa diferença, como se sabe. O que se vê
na tela nos 70 minutos seguintes, com o esmero técnico a favor do emocional, é
a devoção de um homem aos seus valores e à sua crença e como isso o ajuda a
atravessar o horror, salvando vidas que estão ali somente para morrer. Ou serem
salvas. Pelo pacifista que foi para a guerra, como um Alvin C. York [feito por
Gary Cooper no filme “Sargento York”, de 1941], só que voluntário e muito mais
radical em respeitar sua fé, e terminou dando singular contribuição à Batalha
de Okinawa. Não precisou disparar uma única bala naquele infernal cume de serra
para ser um herói. [23.01.17]
MANCHESTER
À BEIRA-MAR * * * * ½
Manchester by the Sea, EUA, 2016
Drama | 137 min
Lonergan só precisa seguir um homem
quebrado lidando com uma situação quebrada. Não há concerto fácil na vida.
Talvez não há concerto. Ponto. Uma tragédia não vai resolver outra. No máximo
mexe no tabuleiro, mas as peças estão coladas na “segurança” da dor de
cada uma. A narrativa parece simples. Não é. Vai desfazendo um novelo amargo e
melancólico sem pressa apenas para revelar outro ainda mais emaranhado. O
interno. A concha na qual o protagonista se tornou. Para sentir alguma coisa
diferente, provoca briga com estranhos. Esse clichê é compensado pelo resto.
Pela maneira como o roteiro passa ao largo do melodrama, o instinto nesse tipo
de enredo. Insere humor em momentos insuspeitos. Funciona. Um crítico acerta ao
falar no inconveniente do luto, é a sensação transmitida pelo comportamento dos
personagens. O de Casey Affleck em particular. Ele já vive um luto em si; a
morte do irmão, a burocracia do enterro e o sobrinho legalmente desamparado vêm
para atrapalhar isso. Também para fazê-lo confrontar o passado fora das
lembranças renitentes. O último diálogo entre ele e Michelle Williams
externaliza a implosão dos sentimentos, rancores, da autopunição. Muito pelo o
que não se consegue dizer. Sem, contudo, resolver coisa alguma. Há tanta
verdade ali. Tanta segurança na direção de Kenneth Lonergan. Ele nos faz olhar
para dentro daquelas pessoas. Pessoas? A ficção é mesmo o melhor refúgio do
real. E essa realidade fragmentada é o mote da montagem de Jennifer Lame, suas
transições abruptas, seja no tempo ou no espaço. A poética do artifício em
estado sóbrio. Não nos força o choro vazio, ele surge por outras vias. Listadas
acima. Affleck segura o tom e é a gente que quer sair quebrando tudo. Não é
fácil o que ele faz. Nada é fácil aqui. Volto ao começo. Tudo sempre volta ao
começo. Outro? Vai depender do ângulo de onde se olha. Se por um lado as peças
ainda estão coladas, por outro alguns centímetros avançados podem ser um
percurso considerável. Um motivo para, quem sabe em algum tempo, recomeçar pra
valer. [23.01.17]
OS
SALTIMBANCOS TRAPALHÕES: RUMO A HOLLYWOOD * * *
Idem, BRA, 2017
Comédia/Musical | 99 min
Para quem cresceu com a trupe
humorística, a força da nostalgia transcende as fragilidades pontuais. Refazer
o que muitos consideram como o melhor filme d’Os Trapalhões, lançado em 1981,
não é algo que passe impune. Ainda mais quando a obra é a versão da tradução
que Chico Buarque fizera da peça musical italiana “I musicante”, da dupla
Sergio Bardotti e Luis Enríquez Bacalov, a qual adapta “Os Músicos de Bremen”,
conto dos irmãos Grimm. Voltada ao público infantil, uma fábula com animais que
falava da sociedade adulta. Chico manteve isso nas letras, a exploração do
trabalho, o sonho de uma vida não subjugada. Para o filme com o quarteto Didi,
Dedé, Mussum e Zacarias, o universo do circo serviu como uma luva para não
perder a essência. As canções deram à produção uma solidez que costura o
roteiro e atravessa o tempo. Tempo que fez o quarteto se quebrar em pedaços
pouco a pouco. Primeiro Zacarias, depois Mussum. Os remanescentes se
desencontraram por anos. Mas voltaram, como bons amigos sempre terminam
fazendo. Uma história que começou ainda nos anos 1960, justamente com os dois.
Agora homenageiam não apenas a si próprios; nós também, que os acompanhamos,
somos presenteados. Os saltimbancos são os mesmos e são outros. Como nós, a
cada instante que passa. A nova versão bebe mais do musical de 2014, da dupla
Charles Möeller e Claudio Botelho. Uma reconfiguração cujo leitmotiv reside em
duas vias: o saudosismo da narrativa cinematográfica original e a celebração do
artista enquanto criador de algo além dele. Renato Aragão/Didi agora é o
demiurgo, vai conceber o espetáculo com animais cantando para salvar o circo. Se
antes as músicas empurravam a história, hoje sua necessidade é sentimental. A
direção de João Daniel Tikhomiroff [“Besouro”, 2009] nem sempre sabe o que
fazer com os números musicais. Não sei se por culpa do roteiro de Mauro Lima,
as coreografias ficam presas em espaços pequenos ou deixam de transmitir o que
é cantado. Os arremedos de slapstick comedy, o pastelão ingênuo que se tornou
característica do grupo, geram risadas esparsas e as piadas não trazem nenhuma
inovação. Para tentar compensar o público mais velho, Lima insere referências,
autorreferências e citações cinematográficas. Da Hollywood que fica como ponta
solta no subtítulo a Woody Allen. No entanto, alguma coisa passa por cima disso
tudo e transforma a sessão num momento especial. A alegria e a emoção de Didi
em cada cena. São genuínas, como se ele não acreditasse que está de fato ali
participando daquele filme. Nem a gente acredita. O último título que trazia o
grupo no plural foi “Os Trapalhões e a Árvore da Juventude”, nos idos de 1991.
26 anos, praticamente. E se pensarmos que tudo começou com Didi e Dedé em “Na
Onda do Iê Iê Iê” [1965], parece o fechamento de um círculo. O desfecho reforça
essa atmosfera de despedida ao trazer um vislumbre dos quatro saltimbancos
reunidos mais uma vez. É um flash do tempo a passar por nossa própria
existência. A homenagem à persona criada por Renato Aragão retumba em nós sem
dó. Um clichê, mas fazer o quê? Ao mesmo tempo em que apresenta a premissa
atualizada, as músicas com letras bem construídas na forma e ainda atuais de
Chico Buarque e os Trapalhões a uma geração nova, esse remake-reboot-homenagem
[alguém decida por mim] é uma rara comédia musical brasileira em que são as
lágrimas a nos fazer companhia na saída do cinema. Que não se confirme ser um
encerramento de verdade. Dedé Santana e Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgino
Mufumbo, sem esquecer Roberto Guilherme [o eterno Sargento Pincel], ainda podem
nos dar bons momentos – bobos, que sejam – de suspensão da passagem do tempo. [24.01.17
| Cinemas Teresina]
A
QUALQUER CUSTO * * * ½
Hell or High Walter, EUA, 2016
Policial | 102 min
Quando um filme de gênero, nesse caso o
neo-western, é mais sobre seus personagens, o resultado é quase hipnótico. O
britânico David Mackenzie [“Sentidos do Amor”, 2011] dirige o festejado roteiro
de Taylor Sheridan, que também escreveu “Sicário – Terra de Ninguém” [2015] e
vem se destacando na nova função – ele é ator – com rapidez. Não por menos. Embora
a premissa seja simples, as relações entre seus quatro personagens [cada dupla
numa lado oposto] são o que move e valida a trama que se passa no seco Texas e
resgata a atmosfera do western. Dois irmãos [Chris Pine e Ben Foster] assaltam
bancos para pagar, ao próprio banco, as dívidas com o rancho que pertencia à
mãe e possui poços de petróleo. E dois Texas Rangers, um deles em vias de
aposentadoria e sempre debochado [Jeff Bridges em mais um ótimo momento], vão
ao encalço deles. Mas é a natureza de cada um e, ao final, a ambiguidade do
comportamento que pensávamos já ter decifrado que tornam a experiência além do
que se podia esperar. O ritmo entre o intimismo e o “punch” da perseguição, os
diálogos que não parecem soltos no vazio e a imersão na aridez do cenário
recheiam esse bolo-surpresa com várias camadas. [24.01.17]
FLORENCE
– QUEM É ESSA MULHER? * * ½
Florence Foster Jenkins, GB, 2016
Drama/Comédia | 111 min
Só mesmo Meryl Streep para, como a “pior
cantora lírica do século XX”, equilibrar-se entre o ridículo e o comovente. Bem
ancorada por Hugh Grant, saindo de uma semiaposentadoria anunciada, e Simon
Helberg, a diva da Hollywood contemporânea desafina nas cordas vocais
estridentes da “diva do grito”. Grant, particularmente, consegue uma empatia
genuína como um marido infiel mas devotado à esposa. Sua tentativa de protege-la
da “verdade” sobre si mesma é a espinha dorsal do roteiro de Nicholas Martin,
que não ousa qualquer inventividade estrutural. Assim como a direção do
veterano Stephen Frears deixa os atores fazerem seu “tour de force”. E assim,
Streep reforça que pode lembrada em todas as premiações da categoria mesmo se
fizesse um peso para papel [desculpa Joseph Climber]. Ou discursasse ao vivo
com coragem e consciência contra o recém-eleito presidente do seu país. [24.01.17]
BELEZA
OCULTA * *
Collateral Beauty, EUA, 2016
Drama | 97 min
Se existe um anseio nos diálogos em
serem "profundos", a estrutura artificial escancara o barato
"trompe-l'œil". Eu não diria que a premissa seja ruim, vestir uma
nova roupa em “Um Conto de Natal”, de Dickens, trazê-lo para uma farsa teatral
a fim de quebrar o casulo de dor do personagem de Will Smith, que passa uns
bons 15 minutos [mais?] sem abrir a boca. E no universo da publicidade, a
encenação de como se deve ser feliz no mundo pós-temporâneo. Com o elenco de
peso, então, parecia promissor. Ponto. Bastam uns míseros avanços do roteiro de
Allan Loeb e tudo desaba, todo o esquema se revela um padrão de encontros entre
quatro casais conectados pela dramaturgia óbvia. Nem é preciso ser atencioso
para prever com qual “casal” será a próxima cena e sobre o que se dará a
conversa. As relações entre eles, de tão esquemáticas, flertam com o ridículo e
com a ingenuidade de achar que vamos comprar a “fábula edificante” sobre como
superar a perda que já ocorreu ou a que ainda virá sem perceber que tudo está
superficial demais. O apego à tapeçaria da narrativa transforma qualquer
conceito de desenvolvimento de plot em algo vergonhoso. É uma estrutura fake,
brochante, calculada em demasia para forçar-nos ao choro, do início ao fim. Pelo
menos eu percebi porque tenho dificuldade em escrever histórias: ter um enredo
é andar na corda bamba da manipulação, não é honesto enquanto escrita pura,
daquelas que instigam ideias e coautoria da parte de quem ler-assiste-ouve.
Precisamos mesmo da narrativa para contar algo? Claro que não. Mas o que Loeb
faz, e o diretor David Frankel [“Marley & Eu”, 2008] carimba seu visto, é
ridicularizar os artifícios. É nos mostrar que, enquanto receptores da
mensagem, podemos cair em qualquer conversa fiada. A mensagem, coitada, vira um
joguete-leitmotiv do emissor-manipulador, que conduz sua história revelando o
esqueleto a cada pequeno passo. Um sintoma novo do “colapso das ideias”? Um
processo vanguardista, quem sabe? Somente o distanciamento histórico elucidará
o que é feito nessa melodrama. Por enquanto, o massacre ao filme parece vir de
todos os lados. Nem eu imaginava isso quando deixei o cinema sentindo coisas
estranhas no ar. Nunca mais escrevo uma história, era o eco do meu próprio
pensamento. Os atores se esforçam e a dor está lá, mas foi tratada como um
falsete que não saiu direito. Não com aquela reviravolta final digna de um
Shyamalan em sua pior fase. Se para alguém naquele momento o filme fez sentido,
como ouvi da fileira detrás, para mim deixou de fazer quando deixaram a “charada”
ficar à vista uns 70 minutos antes. [26.01.17
| Cinemas Teresina]
CARLITOS
– O INESQUECÍVEL * * *
Tillie’s Punctured Romance, EUA, 1914
Comédia | 71 min
Antes de ser o adorável vagabundo, Charles
Chaplin foi um vigarista rasteiro no primeiro longa metragem americano. Apesar
de parecer visualmente, a princípio, com o personagem conhecido no Brasil como
Carlitos, e que a tradução do título [uma das] aproveita o apelo, não o é. Nem
mesmo é o protagonista, na verdade. Embora seja responsável por todo o
movimento do enredo saído da peça teatral de A. Baldwin Sloane e Edgar Smith. Tillie
é a verdadeira personagem principal. Grandona e desajeitada, foi tão bem
defenida pela então estreante Marie Dressler que gerou outras duas sequências,
sem Chaplin. Que já estaria voando sozinho, realizando os próprios filmes. Dirigido
por Mack Sennett e Charles Bennett, este último não creditado, segue todos os
padrões dos “slapstick comedies” dos Estúdios Keytone, fundado por Senneck, o
“Rei da Comédia” à época. Conhecido também como “Carlitos Casanova” ou “O Casamento
de Carlitos”, tudo é motivo para gags com comidas, tapas, escorregões e o
desfecho jogando todo mundo no rio para um resgate mais enrolado ainda. No meio
disso tudo, conseguem uma cena metalinguística quando Chaplin e a cúmplice
feita por Mabel Normand entram num cinema e o filme ao qual assistem reflete o
golpe dos dois em cima da pobre Tillie. É curioso, o cinema já abordado como
projetor da crise de consciência moral do homem. De resto, releve o roteiro com
lógica própria para saborear o “romance furado de Tillie” e um estilo de
comédia que tanto inspirou – ainda inspira? – de lá pra cá. [28.01.17 |
Casa da Cultura – Cinema na Casa]
SARGENTO
YORK * * *
Sargeant York, EUA, 1941
Drama/Guerra | 134 min
Gary Cooper precisa encontrar um
meio-termo para servir aos Estados Unidos e a Deus ao mesmo tempo durante a
Primeira Guerra Mundial. E o faz de tal maneira que conquistou o seu primeiro Oscar
de Melhor Ator, levando para o cinema uma figura real, Alvin C. Scott
[1887-1964]. Como objetor consciente, vai para as trincheiras contra a vontade
e protagoniza um daqueles feitos que a gente questiona se foi mesmo verdade. Dirigido
por Howard Hawks num belíssimo p&b do italiano Sol Polito, o filme não está
imune às críticas de ser pró-guerra. Em plena Segunda Guerra, os jovens saíam
do cinema e iam direto se alistar. Fora isso, possui uma metade inicial com
fluidez e atmosfera saborosas. Reforcei em mim mesmo aqui o que já sabia: adoro
os filmes dos anos 1940 a 1950. Antes do assalto definitivo do Technicolor, a
qualidade do p&b e o uso das zonas de contraste tinham chegado ao auge em
favor da história. É como se estivéssemos em casa antes de sermos bombardeados
com uma profusão de cores tão poderosas quanto, muitas vezes, histéricas. [29.01.17]
BANDO
À PARTE * * * *
Bande à Part, FRA, 1964
Comédia | 96 min
Jean-Luc Godard brinca com a própria
narrativa para entregar uma de suas obras mais acessíveis – e influentes.
[30.01.17]
O
APARTAMENTO * * * ½
Forushande, IRI/FRA, 2016
Drama/Suspense | 125 min
Na escalada rumo à tensão moral,
Fahardi nos tira do conforto ao mexer na nossa percepção dos personagens. O que
não é nenhuma novidade para quem acompanha a filmografia do iraniano. E que de
certo ele já fizera melhor. Aqui há um paralelo entre a encenação teatral da
crise de valores de “A Morte do Caixeiro Viajante” e a maneira como o
protagonista se transforma [perde-se de si mesmo, como um reflexo de Willy
Loman?] diante da violência sofrida pela esposa no novo apartamento, do trauma
que a consome. Mas é uma elaboração gradual, sem pressa, demonstrando tanto
domínio de roteiro que consegue ocultar o óbvio até o sufocante terceiro ato. Se
há quem o acusa de cair no maniqueísmo, este nunca é raso ou simples. As
motivações são construídas por detalhes, silêncios, reverberações inquietas no
cotidiano. A erva daninha da violência, no caso, contra a mulher implica num
machismo abrandado do próprio protagonista [Shahab Hosseini, premiado em
Cannes], seja pela cultura de fortes fundamentos religiosos ou algo mais
primitivo como a honra de marido manchada. Ele trilha o caminho de se tornar o
vilão de sua própria teia sem perceber. No que o enredo deságua divide os
críticos, embora seja justamente essa zona cinzenta, ou as lacunas deixadas de
propósito, que, para o bem ou para o mal, a narrativa arrisca nos jogar. Os
julgamentos morais são refeitos a cada cinco minutos perto do fim. Antes de não
sabermos mais quem são aqueles que se maquiam na última cena. Há um over dramático?
Sim. Asghar Fahardi flerta com o limite apenas para mostrar que sabe segurar a
nota, o sobretom. O risco é a mola da verdadeira arte. [30.01.17 | Cinemas
Teresina]
O
MONSTRO DO ÁRTICO * * *
The Thing from Another World, EUA, 1951
Ficção | 82 min
Assim como a caracterização à la
Frankenstein da Coisa do título original, pode soar datado para o público moderninho
e afeito aos CGIs deste início de século XXI. Em contrapartida, a atmosfera
tanto da narrativa inspirada no conto “Who Goes There?”, de John W. Campbell
Jr. [ou Don A. Stuart], quanto do clima onde a história ocorre ainda se
sustentam. Faz parte do ciclo “anticomunismo invade a ficção científica dos
anos 1950”, ao lado de “O Dia em Que a Terra Parou” [1951], “Vampiros de Almas”
[1956], entre outros. Os extraterrestres usados como metáfora do medo da tomada
do capitalismo pelo comunismo, numa era na qual os “ismos” começavam a
reverberar na sociedade estadunidense de forma perigosa. Fossem contra ou a
favor de ideologias. Assistindo ao filme hoje, o que me pega é como a câmera
dirigida pelo até então montador Christian Nyby, sob a controversa supervisão
de Howard Hawks, dá conta de tantos personagens “confinados” na janela 1:37. Costuma-se
adjetivar o remake feito por John Carpenter 31 anos depois de claustrofóbico,
mas aqui a coisa [com c minúsculo] é literal. O roteiro assinado por Charles
Lederer – também com colaborações não creditadas – pesa na interação entre os
humanos, a dinâmica militares-civis-cientistas comum às produções do gênero, para
tornar a presença do alienígena [um contrariado James Arness] mais assustadora
do que é de fato. Até a câmera se mantém afastada o máximo que pode, deixando-o
nas sombras pelo menos antes de ser
incinerado e eletrocutado. Se funcionou à época, hoje é atestado de que boas
decisões ecoam para sempre. [30.01.17]
Curtas
TRABALHO
INTERNO * * *
Inner Workings, EUA, 2016
6 min
O brasileiro Leo Matsuda escaneia o
embate entre cérebro e coração num humano pragmático mas cheio de desejos.
[06.01.17 | Cinemas Teresina]
OS
ÓCULOS DO VOVÔ * * ½
Idem, BRA, 1913
15 min
O curta de ficção mais antigo do Brasil
só podia mesmo trazer um menino traquino pregando uma peça no avô. [21.01.17 |
Casa da Cultura/Cinema na Casa]
THE COOK * * * ½
Idem, EUA, 1918
21 min
Uma das muitas parcerias
entre o realizador-ator Roscoe "Fatty" Arbuckle e Buster Keaton.
"Slapstick comedy" pura. [21.01.17 | Casa da Cultura/Cinema na
Casa]
Séries
LEMONY
SNICKET: DESVENTURAS EM SÉRE – 1a temporada * * ½
A Series of Uufortunate Events – Season
One, EUA, 2017
8 episódios
O tom farsesco é ainda mais escrachado
que o filme de 2004 com Jim Carrey nos disfarces de Conde Olaf. Nessa temporada
boa de atmosfera que engloba os quatro primeiros [dos 13] livros da série de Daniel
Handler – que assina como Lemony Snicket –, Neil Patrick Harris é quem [se es]força
[em] toda a sua versatilidade. E com maquiagem carregada. Há espaço para a
metalinguagem, embora as intromissões do próprio “autor” às vezes pareçam
destacar-se demais sobre as infortunas desventuras dos irmãos Baudelaire após a
morte dos pais. Deve agradar o público-alvo mesmo com os avisos sorumbáticos no
início de cada episódio. [13-15.01.17 | Netflix]
Revistos
ROGUE
ONE – UMA HITÓRIA STAR WARS [2016] * * *
[11.01.17 | Cinépolis Rio Poty]
OS
SALTIMBANCOS TRAPALHÕES [1981] * * *
[24.01.17]
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