Filmes dos anos 1990 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *

POR TRÁS DAQUELE BEIJO * * ½
[Prelude to a Kiss, EUA, 1992]
Romance - 105 min
É fácil se apaixonar por Meg Ryan. Sobretudo em 1992, quando ela, no início dos 30, mantinha [mantém] uma beleza jovial e um jeito de menina sapeca. Mas e se sua alma fosse parar no corpo de um velho decrépito com feição ranzinza? É justamente por essa descoberta – a de que o amor não é apenas a atração física – que o personagem de Alec Baldwin passa. Após gastar um bom tempo mostrando a evolução do casal feito por Baldwin e Ryan, o filme introduz o Velho [Sydney Walker] que nos levará ao verdadeiro incidente incitante do roteiro: o beijo na noiva, quando magicamente trocam de corpo. O tema sem dúvida não é novo. Adaptado da peça de Craig Lucas, pelo próprio, a narrativa é curiosa por investir na relação entre os personagens de Baldwin e Walker, ambos reprisando seus papéis no palco da Broadway. Já Meg Ryan substituiu a intérprete original, Mary-Louise Parker, por imposição do estúdio, que queria uma estrela no papel feminino. A então senhora Dennis Quaid estava no auge da carreira. A regular direção é assinada por Norman René, que fez poucos filmes e todos com roteiros escritos por Lucas. Em geral, trata-se de uma experiência bem intencionada, mas cheia de altos e baixos. René até cria uma boa atmosfera e tenta equilibrar drama e humor, característica do gênero romântico dos anos 1990. Infelizmente, erra o tom em algumas cenas. O elenco ainda traz participações de Kathy Bates, Ned Beatty, Patty Duke, Richard Riehle e Stanley Tucci com cabelo. Contudo, o destaque é a interpretação equilibradíssima de Sydney Walker, falecido dois anos depois. [1995/20.10.14 – madrugada]

BEM AMADA * * *
[Beloved, EUA, 1998]
Drama - 171 min
Uma casa assombrada pelo espírito de um bebê morto; uma mulher atormentada por um passado doloroso, até o dia em que chega uma jovem moça chamada Beloved para atenuar ainda mais conflitos não-enterrados pelo tempo. Um roteiro esticado e personagens complexos, num filme denso, do diretor de O Silêncio dos Inocentes. A direção segura de Demme nos conduz à história de uma família marcada pela crueldade de sua época, tendo como pano de fundo o sobrenatural. Atuações primordiais num elenco encabeçado por Oprah Winfrey e Danny Glover. Por vezes chocante, chegamos a conclusão de que o passado realmente não morre.

O ÓDIO * * * *
[La Haine, FRA, 1995]
Drama - 95 min
Num bairro de Paris marcado pela violência, rapaz encontra uma arma perdida e resolve se vingar, matando um tira, caso o amigo, em coma depois de uma ofensiva policial na noite anterior, morra. Interessante filme europeu sobre o caminho do ódio e suas terríveis conseqüências. Há, claro, o personagem pacifista, metáforas sobre o assunto - por sinal, bem boladas - e um final imprevisível e impactante. Obrigatório para fãs do cinema independente europeu.

O REI DA ÁGUA * * ½
[The Waterboy, EUA, 1998]
Comédia - 89 min
Adam Sandler é o Waterboy - ou Garoto da Água - idiota que da noite para o dia vira mania do futebol americano. Filho de uma mãe repressora, interpretada por uma inspiradíssima Kathy Bates, seu estrondoso sucesso se dá por suas explosões emocionais na hora certa. Roteiro leve e besta, que acaba se tornando uma diversão de muitas risadas. O tipo de filme que é bom enquanto dura, porém fácil de se esquecer.

ROMANCE * * *
[Romance X, FRA, 1998]
Drama - 99 min
Professora insatisfeita com a negação de fogo do marido se dispõe a traí-lo para encontrar o prazer que está faltando. Porém, o amor por ele a persegue. Mesmo que esta síntese não seja tão interessante, vale a pena dar uma espiada nesta densa história sobre uma mulher confusa a procura de si mesma, tentando se conciliar com seu corpo. A intimidade das cenas torna o filme um tanto erótico - o sexo é realmente explícito - mas de uma naturalidade tão natural e bem encenada que nem de longe é nojento. A narrativa lenta dá espaço para reflexões muito íntimas e nos faz explorar bem de perto os mistérios da sedução e do prazer.

IT - UMA OBRA PRIMA DO MEDO * * ½
[It, EUA, 1990]
Terror - 157 min
Um grupo de amigos traumatizados por um passado em comum tornam a se reunir depois de trinta anos na cidade de Derry para caçar o palhaço Pennywise, um terrível ser monstruoso que mutila crianças. Baseado em mais uma obra de Stephen King, It exercita muito bem o terror psicológico, raro em filmes do gênero. Apesar de esticado, tem um bom ritmo e consegue manter a tensão. O roteiro promete desde o começo, mas possui vários “buracos” visíveis e decepciona bastante depois da metade, levando o expectador para uma conclusão terrivelmente fraca. Mesmo sendo um bom filme de terror à moda antiga, It não é uma obra-prima. Passa longe disso, provando apenas a superficialidade das obras de King. Mas é uma boa oportunidade para ficar intrigado e sentir medo. Um bom medo.

O SUCESSO A QUALQUER PREÇO * * * * 
[Glengarry Glen Ross, EUA, 1992]
Drama - 100 min
Quatro vendedores imobiliários são pressionados pelo arrogante supervisor a efetuar a venda de terrenos ordinários a qualquer custo. Detalhe: quem conseguir mais vendas ganha um prêmio, já quem vender menos é demitido. Os brilhantes diálogos de David Mamet são o ponto mais alto desta trama moral, além do elenco estelar e da direção segura e calculada. Um filme intrigante. [jan/1999]

SEGREDO DE SANGUE *
[Hush, EUA, 1998]
Suspense - 91 min
Mãe possessiva tenta destruir a vida da nora após o nascimento de seu neto, não sem antes atormentar o seu casamento com o filho que se sente culpado pela morte do pai. Péssimo roteiro, do próprio diretor estreante, e atuações piores ainda fazem desta uma fita vazia e besta que não consegue sequer chegar a um bom clímax. Jessica Lan-ge se perde entre a excentricidade e a loucura ao fazer a mãe ciumenta. Final terrivelmente previsível e que beira ao ridículo. [jan/1999]

O HOMEM QUE SABIA DE MENOS * * *
[The Man Who Knew Too Little, EUA, 1997]
Comédia - 94 min
Turista é confundido com um agente secreto contratado para impedir um atentado e se envolve em uma trama de espionagem em Londres. O problema é que ele pensa que tudo faz parte de um teatro interativo. O diretor de "Copycat" [1995] se deu bem nesta comédia ágil e bastante criativa, que não tem nada a ver com "O Homem que Sabia Demais", de Hitchcock, mas brinca em cima. Bill Murray está perfeito na pele de um idiota que acha que até os mortos são de mentira. É diversão garantida. [jan/1999]

CRIME EM PALMETTO * *
[Palmetto, EUA, 1998]
Suspense - 114 min
Após sair da cadeia, o jornalista Harry Barber se envolve com a milionária Rhea Malroux, com quem planeja o falso seqüestro da enteada dela. A intenção é tirar dinheiro do marido de Rhea. O plano é infalível, mas, logicamente, dá uma reviravolta, fazendo com que Barber fique desesperado e enfiado nisso até o pescoço. O diretor Volker Schlöndorff parece se preocupar mais em mostrar a sensualidade das atrizes do que em contar a história. No final das contas, o filme não convence. [jan/1999]

CAÇA AO TERRORISTA * * *
[The Assignment, , 1997]
Suspense - 119 min
Depois de presenciar uma explosão ocorrida em Paris em 1974, agente da CIA fica obcecado em capturar o terrível terrorista Carlos, o Chacal, que é incansavelmente perseguido até meados dos anos 80. Ele treina uma sósia, o comandante da marinha Annibal Ramirez, para se passar por Carlos. O plano é fazer com que a KGB, que tem um acordo com o terrorista, acredite que ele tenha passado para o outro lado. O que diferencia esta fita das outras do gênero é a direção concentrada na emoção dos perso-nagens e o roteiro complexo, que mostra de maneira clara a mudança de personalidade de Annibal e suas conseqüências. O filme é baseado em fatos verídicos. [jan/1999]

HALLOWEEN: H20 * * *
[Halloween H20: Twenty Years Later, EUA, 1998]
Terror - 85 min
Vinte anos depois de escapar do assassino mascarado Michael Myers, Laurie Strode reconstruiu sua vida da maneira que pôde, mudando de nome e cidade. Ela agora é diretora de um colégio interno, mas sempre viveu atormentada pelo passado trágico, ocasionando conflitos com seu filho John, de 17 anos. No entanto, Michael - ou alguém que se faz passar por ele - a descobre e passa novamente a atormentar sua vida e a de seu filho. O filme, com direção notável, é inteiramente concentrado em dar sustos, um atrás do outro, e em contar uma história simples, batida, mas terrivelmente assustadora. Um prato cheio para os fãs do gênero. Quem tiver coração fraco, é melhor nem passar por perto. [jan/1999 - cinema]

TODOS DIZEM EU TE AMO * * * *
[Everyone Says I Love You, EUA, 1996]
Comédia Musical - 101 min
Neste saboroso filme, os parentes e amigos de uma família de classe média alta de Nova York se cruzam em encontros e desencontros amorosos, numa ciranda que se estende por Paris e Veneza. Para realizá-lo como havia idealizado, o genial Woody Allen convidou grande atores de Hollywood, como Julia Roberts, Drew Barrymore, Edward Norton, entre outros, que se dispuseram pela primeira vez a cantar e dançar em cena, como faziam antigamente os astros dos musicais da Metro. A fórmula dá mais que certa e diverte que é uma beleza. Palmas para Woody. [jan/1999]

ANATOMIA DE UM ASSASSINO * *
[Body Parts, EUA, 1991]
Suspense - 87 min
Depois de um grave acidente de carro, psiquiatra tem braço transplantado de um possível doador compatível. Recuperado da operação, ele começa a notar que o braço parece estar agindo por conta própria e descobre que o mesmo pertencia a um terrível assassino. A história até que é interessante, se não fossem o péssimo desenvolvimento da trama, totalmente previsível, e o final absurdo. O resultado é um filme mal-estruturado em sua concepção.

COP LAND * * *
[Idem, EUA, 1997]
Policial - 102 min
Jovem policial, numa atitude precipitada, mata dois inocentes. Seus colegas, para acobertá-lo, forjam seu suicídio. O xerife da pequena cidade, habitada só por tiras, não acredita muito na história e resolve fazer justiça. O ritmo lento e a direção pesada de James Mangold comprometem o desenvolvimento da fita, que inova (ou peca) ao mostrar um Stallone gorducho e molenga. Fora esses detalhes, o filme é mais que eficiente.

LOUCOS DE AMOR * *
[She’s so Lovely, EUA, 1997]
Drama - 96 min
Mulher cansada da vida regada a álcool, discussões e pancadaria abandona o marido em um hospício. Dez anos mais tarde, agora casada com outro e mãe de três meninas, sendo uma do ex-marido, ela o recebe de braços abertos. E é só. Nada mais acontece neste filme cujo início mostra um casal decadente, mas com forte e bonito amor um pelo outro, um amor que no fim se revela exagerado e até mesmo imaturo. O casal Sean Penn e Robin Wright Penn se entrega de corpo e alma na tentativa de tornar o roteiro, escrito pelo pai do diretor há mais de duas décadas, mais convincente. John Travolta está quase patético no papel do segundo marido. Algumas pessoas podem achar o filme um pouco esquisito. Outras, porém, podem cultuá-lo.

SERIAL KILLER – DESEJO ASSASSINO * * ½
[Serial Killer, EUA, 1995]
Suspense - 93 min
Assassino psicopata serve de cobaia para testar nova droga contra o câncer. Ao escapar de um hospital, começa a fazer novas vítimas e persegue um casal de policiais que foi responsável pela captura dele dois anos antes. Trama surrada, que não apresenta nada novo, explicitamente inspirada em “O Silêncio dos Inocentes”. Mesmo assim, com a competência dos atores e da produção, o filme consegue ser um passatempo razoável.

ANJOS REBELDES * * *
[God’s Arm, EUA, 1994]
Suspense - 94 min
Os anjos rebeldes são aqueles que se rebelaram contra Deus por Ele se importar mais com os seres humanos do que com eles. Vingativos, não deixam que nenhuma alma suba ao céu. É uma verdadeira guerra celestial. Christopher Walken é Gabriel, líder dos anjos rebelados; Eric Stoltz é Simão, o anjo que tenta salvar a humanidade; entre eles está Elias Koteas (de “Crash – Estranhos Prazeres””), que faz um detetive que não conseguiu ser padre. O diretor e roteirista Gregory Widen conseguiu reunir um elenco de primeira e elaborou conceitos interessantes. É uma nova visão do segundo plano.

PSICOSE *
[Psycho, EUA, 1998]
Suspense - 109 min
Jovem foge com dinheiro da imobiliária onde trabalha e planeja encontrar o amante, que mora em outra cidade, mas interrompe a viagem para dormir num velho motel administrado por um estranho rapaz e sua mãe. Recriação do clássico de Alfred Hitchcock, de 1960. O diretor Gus Van Sant usou o mesmo roteiro (mutilado) e até os mesmos ângulos do original. Mas mesmo assim, o filme não tem a graça ou a perfeição técnica concebida por Hitch. O resultado é uma xérox colorida e completamente vazia. Os atores aqui parecem não representar, tentam em vão copiar os antigos atores. O Norman Bates de Vince Vaughn não assusta nem uma criança, e o epílogo não fascina tanto quando o filme original. Nunca o termo psicose será realmente traduzido como no filme de Hitchcock, onde o estudo da mente humana perambula indiscretamente por toda a obra. A lição está dada: não se deve tentar copiar o mestre. Quem não viu o “Psicose” original, porém, pode ainda sentir algum friozinho na barriga.

ECLIPSE DE UMA PAIXÃO * * *
[Total Eclipse,  , 1995]
Drama - 112 min
Essa é a história do polêmico romance entre os poetas Paul Verlaine e Arthur Rimbaud, vividos respectivamente por David Thewlis e Leonardo DiCaprio, em atuações notáveis. O roteiro de Christopher Hampton tem momentos sensíveis e poéticos, aguçado pela boa direção de Agnieszka Holland. Mas também não deixa de mostrar o lado forte da coisa. O desfecho lírico é muito bonito. Um filme para ser levado a sério.

OS IRMÃOS CARA-DE-PAU 2000 * ½
[The Blues Brothers 2000, EUA, 1998]
Comédia Musical - 124 min - dir. John Landis - 1998 -
Continuação de “Os Irmãos Cara-de-Pau”, de 1980, sem o mesmo êxito do primeiro filme. Após sair da cadeia, dezoito anos depois, o brother Elwood Blues tenta novamente reunir a banda The Blues Brothers, mas é perseguido pela polícia e pela máfia russa. O filme é entediante do início ao fim, além de ter alguns exageros sem necessidade. As músicas não agradam tanto, servem apenas para prolongar a trama besta. O alívio vem quando a fita acaba e aí você pode tirá-la do videocassete na maior rapidez. [1999]

AMOR & CIA * * * *
[Idem, BRA, 1998]
Drama - min
No início do século XX, comerciante de vinhos pega a mulher nos braços do sócio no mesmo dia de seu aniversário de casamento. Furioso, ele a expulsa de casa e propõe ao amigo um duelo mortal. Esse filme surpreende pela qualidade do texto e da produção, além das grandes interpretações. Quem se destaca mais é Marco Nanine, dando um show na pele do marido dividido entre a honra e o amor que sente pela esposa, muito bem interpretada por Patrícia Pillar, além da forte amizade que tinha com o sócio, personagem de Alexandre Borges. O diretor conseguiu fazer um filme de época caprichado e gostoso de ver. É quase uma peça teatral encenada pela cidade. Uma obra que deve muito bem ser apreciada. [04.01.01]

O MAPA DO CORAÇÃO * * *
[Map of the Human Heart, EUA, 1993]
Romance - 126 min
Criança esquimó é levada para Montreal para se tratar de tuberculose e lá conhece a jovem Albertine, com quem desenvolve forte amizade. Anos depois, em meio a Segunda Guerra Mundial, reencontra-a casada com outro. Dirigido pelo mesmo Vicent Ward do lacrimoso “Amor Além da Vida”, esse é um filme de imagens apuradas e bastante romantismo. Resulta num belo trabalho, mas com um desfecho desnecessariamente melancólico. [14.01.01]

A BELA E A FERA * * * * *
[Beauty and the Beast, EUA, 1991]
Animação - 91 min
Encare o 3D como apenas uma desculpa para rever em tela grande uma das melhores animações Disney. De fato, o estúdio do rato mais famoso do cinema antes de Remy, de “Ratatouille”, estava em seus melhores dias quando concebeu esse musical animado, que pega as melhores referências do gênero para transformar o conto escrito originalmente por Gabrielle-Suzanne Barbot [em 1870] numa verdadeira obra de arte. Que acerto foi coreografar as músicas da genial dupla Howard Ashman e Alan Menken como se fosse um grande musical dos anos 50. A direção, de outra dupla, Gary Trousdale e Kirk Wise, é impecável, tanto na forma, no ritmo, quanto, sobretudo, nos detalhes. Basta ver com atenção o interior do castelo da Fera, como seus quadros à la Goya, Rembrant, além do modo como a própria criatura impõe medo a princípio, tornando-se simpática ao longo da projeção. Os objetos encantados são outra sacada de mestre [parece que ideia de Ashman], divertidíssimos, originais, com um número musical sem comparação – justamente o da música “Be Our Guest”. A narrativa é primorosa por manter a história na França e prender o espectador até o final. Tudo o que é mostrado acaba tendo uma função dramática orgânica e cada personagem possui uma personalidade muito distinta. O roteiro final é assinado por Linda Woolverton, que recentemente adaptou “Alice no País das Maravilhas” para Tim Burton. Engraçado como a Fera é bem mais presente do que a Bela, e Gaston é um dos antagonistas mais adoravelmente odiosos do cinema de animação. O 3D convertido [odeio quando fazem isso] não faz muito sentido, só o plano no qual a “câmera” desce do lustre na famosa cena da dança – reciclada de outra animação, “A Bela Adormecida” –, que foi feita num 3D experimental. Nunca me deixa feliz ver a Fera virando príncipe, porque nesse ponto da história já estamos gostando da Fera; e então Bela se casa com esse sujeito tão bonito quanto ela, mas que não fazemos ideia de quem seja. Enfim, coisa minha. O filme foi um sucesso tão estrondoso a ponto de fazer história como a primeira animação finalista na categoria de melhor filme no Oscar. Ganhou dois, um póstumo para Howard Ashman [a consagrada canção-título, linda], falecido a oito meses da estreia. Ganhou também o Globo de Ouro de Melhor Comédia/Musical, além de ter sido a primeira animação a papar o Annie Awards. Sem dúvida, um clássico de nossos tempos. [08.02.12 – cinema]

GOSTO DE CEREJA * * *
[T’am e Guilass, IRN/FRA, 1997]
Drama - 95 min
Abbas Kiarostami discute, aqui, o suicídio, a existência [entrelaçada à religião] e o próprio cinema como expressões da liberdade individual. O que é um posicionamento sócio-político compreensível, até hoje o Teerã cerceia seus artistas e pensadores baseado numa religião castradora. O enredo se resume a um homem, aparentemente culto, porém desiludido, à procura de um assistente para enterrá-lo após se matar dentro de um buraco. A maior parte do filme se passa no interior do carro, enquanto o protagonista tenta convencer alguns personagens de ajudá-lo em troca de uma considerável quantia de dinheiro. Uns rejeitam a proposta por medo, outros porque vai contra os ensinamentos do alcorão, mas todos o questionam e o tentam convencer do contrário. Quem chega mais perto disso é justamente o velho taxidermista que concorda em realizar a tarefa. Ele conta a vez na qual havia decidido dar fim à própria vida e mudou de ideia ao sentir o gosto das amoras, justificando o título. No seu cinema-manifesto, Kiarostami não esconde nunca o fato de que estamos vendo um filme e que esse filme existe por uma razão bem específica, ou seja, antes de tudo há algo a ser dito. Antes mesmo da história em si e das emoções? Como podemos notar, não é para todos os públicos, o ritmo é monótono, a direção minimalista; o espectador não é poupado de refletir acerca da experiência enquanto a está assistindo. Faltou à instigante obra nos fazer identificar também com seu protagonista, não apenas com seu realizador. [28.01.13]

CRONOS * * ½
[Idem, MEX, 1993]
Terror - 92 min
Primeiro esforço do mexicano Guillermo del Toro na direção de longas. Um terror eficiente, com problemas pontuais. Com um olhar mais atento, é possível perceber falhas típicas de diretores iniciantes, como o ritmo, os movimentos da história e a caracterização dos personagens. É quase uma reimaginação do mito do vampiro. Frederico Luppi faz o dono de uma loja de antiguidades que descobre, dentro da estátua de um arcanjo, um aparelho dourado com a forma de um inseto que oferece uma vida prolongada ao usuário. No entanto, há mais gente em busca do artefato criado por um alquimista séculos antes, como o milionário interpretado por Claudio Brook, falecido em 1995, e seu sobrinho desajeitado [Ron Perlman]. O mais interessante aqui é o olhar que del Toro exploraria melhor em “O Labirinto do Fauno”, de 2006: o horror visto pelos olhos de uma garotinha. No caso, Aurora [Tamara Shanath], neta do protagonista. A relação dos dois não deixa de ser comovente, embora a maneira como a menina é inserida na ação, sobretudo em momentos aterrorizantes, enfraqueça o filme. Mesmo assim, a ideia, que começou a ser lapidada em 1984, tem forte apelo e antecipa toda a criatividade que o cineasta desenvolveria em seus projetos posteriores. À época, foi o filme mais caro rodado no México, ganhando um prêmio no Festival de Cannes. Na mitologia grega, Cronos foi a principal divindade da primeira geração de titãs, filho de Urano e Gaia [céu e terra] e pai de Zeus, Poseidon e Hades. Perlman e del Toro se tornaram amigos com esse filme, trabalhando juntos na maioria dos trabalhos seguintes do mexicano. [01.09.14 – madrugada]

JOVENS, LOUCOS E REBELDES * * *
[Dazed and Confused, EUA, 1993]
Comédia - 102 min
Richard Linklater versa sobre os velhos, e eternos, questionamentos da juventude com um ótimo soundtrack. Tudo acontece no último dia de aula, em maio de 1976, durante o qual uma caravana de personagens, entre calouros e veteranos da high school, se cruza pela cidade após o cancelamento da festa na casa de um deles. Com um roteiro desestruturado, mas nunca sem foco, Linklater realiza o seu “American Graffiti – Loucuras de Verão” [1973], só que regado a muito álcool e drogas. Assim como George Lucas, ele dá papéis a diversos astros do futuro, como um Ben Affleck quase irreconhecível e uma Milla Jovovich menor de idade. Há também Adam Goldberg como um nerd e uma ponta não creditada de Renée Zellweger. Quem chama mais atenção é Matthew McConaughey, que faz uma figuraça inspirada no irmão mais velho e logo no primeiro minuto em cena lança seu famoso bordão: “Allright, allright, allright!” Embora os diálogos não estejam no nível dos seus três filmes mais cultuados – “Antes do Amanhecer” [1995], “Antes do Pôr-do-Sol” [2004] e “Antes da Meia-Noite” [2013] –, são espontâneos e passam bem as angústias de seus personagens. E sobre o que eles tanto falam? Sobre as mesmas coisas inerentes à juventude, seja em qual for a época. Reclamam do presente e projetam medos para o futuro. Enquanto o núcleo mais jovem foge dos [violentos] trotes e anseia pela adolescência, o mais velho questiona a chegada da vida adulta e as decisões que os marcará talvez para sempre. É o caso do personagem de Jason London, cuja indecisão em assinar um termo de responsabilidade com o técnico do time de futebol, além de servir como uma espinhal dorsal do filme, resume a ópera de Richard Linklater. Os jovens apenas querem ser jovens e irresponsáveis – atordoados e confusos, como diz o título original, também nome de uma canção do Led Zeppelin. O grande trunfo da narrativa aqui é nos colocar no meio desses personagens estereotipados mas, de certa forma, humanizados, reais. Conseguimos entender quem são porque já fomos, ou ainda somos, eles: atordoados e confusos, querendo apenas seguir a estrada para comprar ingressos para o show do Aerosmith. Tudo bem, se for do Paralamas está valendo do mesmo jeito. [15.09.14]

VELVET GOLDMINE * * *
[Idem, GB/EUA, 1998]
Musical - 119 min
Todd Haynes nos mergulha nas extravagâncias do glam rock inglês, também conhecido como glitter rock, dos anos 1960/70, numa estrutura à la "Cidadão Kane". Christian Bale faz o jornalista que desfia suas lembranças, e as de seus entrevistados, para descobrir que fim teve o cantor Brian Slade [Jonathan Rhys Meyers] após simular o próprio assassinato durante um show dez anos antes. No meio das reminiscências, também vem à tona sua tumultuada relação com outro roqueiro, Curt Wild [Ewan McGregor]. Tendo Michael Stipe, da banda REM, como produtor executivo, Haynes constrói um musical pseudobiográfico do músico David Bowie durante sua fase de Ziggy Stardust, personagem criado para o álbum “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” [1972], assim como o relacionamento dele com Iggy Pop e Lou Reed. Tanto que o filme toma o título emprestado da música homônima de Bowie, que, ao saber do tema da produção, não a liberou para a trilha sonora. A pegada narrativa faz jus ao estilo musical retratado, contando com atuações desapegadas de todo o elenco. A cena de McGregor se apresentado pela primeira vez no palco não me deixa mentir. Os figurinos de Sandy Powell realmente se destacam, com o seu glamour bem peculiar. Termina por ser uma experiência libertária pautada por um soundtrack instigante. [24.09.14]

FRANCIS FORD COPPOLA – O APOCALIPSE DE UM CINEASTA * * * *
[Hearts of Darkness: A Filmmaker's Apocalypse, EUA, 1991]
Documentário - 96 min
Registro de todo o caos e da loucura criativa sofridos por Coppola durante as filmagens de "Apocalipse Now" [1979]. Pegando carona no material feito pela esposa do cineasta, Eleanor Coppola, cuja narração em off estrutura o documentário – e o torna, em vários níveis, pessoal –, os diretores Fax Bahr e George Hickenlooper nos jogam no centro do excruciante processo de realização do épico de guerra psicológico. O que seriam cinco meses de filmagens nas Filipinas se arrastaram por quase um ano, isso sem contar as pausas nos trabalhos provocadas por conflitos locais com rebeldes e temporais devastadores. A saga ainda envolveu estouros no orçamento, o enfarto de Martin Sheen, Marlon Brando acima do peso demorando a encontrar seu personagem, enquanto Coppola fazia o projeto ficar cada vez maior sem saber ao certo qual seria o final. Assim como a adaptação de “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, trata-se de uma experiência fascinante acerca das adversidades do processo cinematográfico e da persistência de um artista consciente do risco corrido. Em pouco mais de uma hora e meia de tirar o fôlego, compreendemos a famosa declaração do padrinho em Cannes, quando ele diz: “Meu filme não é sobre o Vietnã. Meu filme é o Vietnã.” Literalmente. [15.02.15 – madrugada]

 

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