Filmes dos anos 1960 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *

O SOL POR TESTEMUNHA * * *
[Plein Soleil, FRA/ITA, 1960]
Suspense - 112 min
Um expert em falsificar assinaturas e imitar vozes é enviado por um milionário até a Itália com a missão de trazer o seu filho, que curte a vida ao lado da belíssima namorada, de volta para os Estados Unidos. Porém, os dois acabam se tornando amigos. Tom Ripley - o falsificador - bola e executa o crime perfeito: matar o riquinho e assumir a sua identidade. Trama engenhosa, adaptada do romance de Patricia Highsmith, com grandes atuações, destacando-se Alain Delon como Ripley. A direção caprichada de René Clement atenua de forma segura as seqüências de suspense. Um filme denso e empolgante, que sempre tem algum truque escondido na manga para a última hora, com personagens complexos que poderiam ter sido muito mais explorados. Possui um certo charme peculiar em relação ao romance entre os protagonistas e um final imprevisível e brilhante. Bem acima da média.

MARNIE, CONFISSÕES DE UMA LADRA * * * *
[Marnie, EUA, 1964]
Suspense - 130 min
São poucos os filmes que conseguem unir, sem se perder no meio, romance e suspense, e Marnie - Confissões de uma Ladra é um exemplo clássico disso. Sean Connery faz seu personagem típico - o charmoso encantador - que se apaixona por sua misteriosa secretária e resolve casar com ela depois que descobre que a mesma é uma ladra convulsiva. Sem o usual humor maneiro de seus filmes, Hitchcock compôs uma obra um tanto “pesada”, mas que carrega sua marca registrada. Ele soube de maneira brilhante fundir um clima romântico - não muito convencional, diga-se de passagem - com aquele suspense psicológico em torno da personagem-título, bem interpretada por Tippi Hedren, mãe de Melanie Griffith. Personagem essa que no decorrer da trama vai se mostrando cada vez mais complexa e traumatizada com o seu passado obscuro. Cativante do início ao fim, com um desfecho exorcizador. 

QUEM TEM MEDO DE VIRGÍNIA WOOLF? * * * *
[Who’s Afraid of Virgínia Woolf?, EUA, 1966]
Drama - 129 min
Uma aparente reunião social entre dois casais no meio da madrugada transforma-se numa noite de retaliações e mágoas, devido ao comportamento dos mais velhos. O filme poderia ser uma câmara de torturas se não fossem a genialidade dos diálogos e o trabalho maduro dos atores, além da excelente direção do então estreante Mike Nichols (“Lobo”). Elizabeth Taylor foi merecidamente agraciada com um Oscar por sua brilhante atuação. A história tem impacto naturalmente reduzido nos dias de hoje, se comparada ao choque que produziu na época. [1999]

BUTCH CASSIDY * * * *
[Butch Cassidy and The Sundance Kid, EUA, 1969]
Western - 110 min
Butch Cassidy (Paul Newman) e o hábil pistoleiro The Sundance Kid (Robert Redford) vivem de assaltar trens e bancos impunemente. Até o dia no qual se vêem caçados em todo o território americano. Então, resolvem fugir para a Bolívia junto com uma professora – namorada de Kid. Lá as coisas não são muito diferentes. Brilhante trabalho da mesma equipe (a dupla central e o diretor) de “Golpe de Mestre”, realizado um pouco mais tarde. Newman e Redford estão em perfeita sintonia. O primoroso roteiro de William Goldman (que papou o Oscar) nos deixa muito à vontade para curtir esse western de primeira qualidade com toques de humor. A música “Raindrops Keep Fallin’on my Head” (outro Oscar) recheia a deliciosa cena em que Butch experimenta a última novidade da época: a bicicleta. É um espetáculo à moda das mais antigas. [1999]

SPARTACUS * * * *
[Idem, EUA, 1960]
Drama - 184 min
Drama épico baseado no livro de Howard Fast, narra a revolta do gladiador Spartacus (Kirk Douglas), que, à frente de um exército de escravos, se insurge contra a tirania da poderosa Roma do general Marcus Licinius Crassus. Superprodução trabalhada a dedo por Kubrick (“2001: Uma Odisséia no Espaço” e “O Iluminado”), que fez nada menos que um clássico que encanta até os dias atuais. Kirk Douglas dá um show de interpretação. A seqüência da batalha, onde o diretor tem total controle sobre tudo o que acontece, é magistral. [1999]

DOUTOR JIVAGO * * * *
[Doctor Zhivago, EUA, 1965]
Drama - 197 min
O diretor David Lean pegou o roteiro de Robert Bolt, por sua vez baseado na novela de Boris Pasternaks, e fez um grandioso e consistente retrato da Rússia em tempos extremamente difíceis. Enquanto os bolcheviques e mencheviques dividem o país e a Revolução Russa se consolidava, o médico poeta Yuri Zhivago (Sharif, em grande interpretação) tenta manter seus ideais e sua grande paixão pela bela Lara (Julie Christie). Embora a primeira parte seja um pouco mais interessante que a segunda, o filme se mantém graças à produção soberba. Por tudo o que há em meio a essa história de amor, acaba sendo uma obra importante do cinema. Uma esplêndida e cativante sessão sobre parte da história russa. Grande direção e atuações num drama épico indicado ao Oscar de Melhor Filme. Arrecadou cinco (roteiro adaptado, direção de arte/cenografia, fotografia, figurino e trilha sonora) merecidamente. Um filme obrigatório. [02.01.01]

O HOMEM QUE NÃO VENDEU SUA ALMA * * * * *
[A Man for All Seasons, RU, 1966]
Drama - 120 min
Fred Zinnemann fez um filme histórico poderoso, inspirador, para ecoar através dos tempos. Magnífico roteiro de Robert Bolt, adaptando sua própria peça teatral, sobre a recusa do fervoroso católico Sir. Thomas More em legitimar o casamento do rei Henrique VIII com sua amante Ana Bolena, no século XVI. A história que todos conhecem dos livros ganha magnitude nas mãos de Zinnemann, que constrói uma narrativa soberba, clássica, além de trabalhar sem atropelos todas as suas nuances. Ele, que já havia levado o Oscar de direção por “A um Passo da Eternidade” (1953), garantiu aqui seu segundo prêmio na categoria. Da fotografia à direção de arte, tudo converge num verdadeiro espetáculo de cinema, que ainda possui o mérito de fugir da grandiloquência das produções caras (custou 3,9 milhões de dólares). Paul Scofield transforma More numa figura incorruptível, de princípios e crenças inabaláveis. O ator carrega a obra nas costas com uma tranquilidade impressionante. Seu personagem defende sua posição até o último segundo. Nesse jogo de politicagem, soa como o único são, sem, com isso, perder o afeto e o medo comuns ao ser humano. Incrível como esses detalhes fazem toda a diferença. Ao todo, a produção arrebatou 6 Oscars, incluindo filme e roteiro adaptado, 7 BAFTAS e 4 Globos de Ouro. Resumindo: obrigatório. [11.01.12]

A NOIVA ESTAVA DE PRETO * * *
[La mariée était en noir, FRA/ITA, 1968]
Suspense - 108 min
A homenagem de Truffaut a Hitchcock é um intrigante exercício de estilo, com a cara mais do pupilo que do mestre. O francês expoente da Nouvelle Vague havia terminado de lançar seu seminal livro entrevistando Alfred Hitchcock, e tamanha foi sua empolgação a ponto de rodar um filme para mostrar ter captado direitinho as lições do gênio do suspense. Para isso, adaptou, junto com Jean-Louis Richard, o livro de Cornell Woolrich, mesmo autor do conto que gerou “Janela Indiscreta”, além de chamar o grande compositor e parceiro de Hitch, Bernard Herrmann, para cuidar do score. O resultado é uma ambivalente mistura de estilos, em que Truffaut, também prodígio, tenta personalizar os elementos hitchcockianos tão eficientes em gerar ansiedade no espectador sem, com isso, perder sua própria maneira de contar histórias. Boas histórias. Jeanne Moreau, alçada ao sucesso por Louis Malle em “Ascensor para o Cadafalso” e “Os Amantes”, ambos de 1958, está ótima como uma mulher que perde o noivo no dia do casamento e vai à caça dos cinco responsáveis pela tragédia, assassinando-os um a um. Sim, aqui está a fonte de inspiração de Tarantino para “Kill Bill”, mesmo ele não creditando isso. O mais interessante é que metade do filme é uma narrativa de mistério, enquanto a outra libera todas as informações e se assume como exercício de suspense. É possível notar a câmera de Hitchcock, seus movimentos e quadros, sobre o texto de Truffaut, que não se furta a aprofundar algumas relações e motivações, ou mesmo pincelá-las. O filme gera tensão à sua própria maneira resultante desse híbrido, com pistas escondidas por todo o enredo. Alguns assassinatos são mais fracamente encenados do que outros [a elipse do penúltimo assassinato sai ganhando] e o desfecho que se supunha inesperado é, na verdade, óbvio para quem, assim como Truffaut, é súdito confesso da obra do mestre Alfred Hitchcock. [01.03.12]

TRINTA ANOS ESTA NOITE * * *
[Le feu follet, FRA, 1963]
Drama - 108 min
Inspirado pelo livro “Fogo Fátuo”, de Pierre Drieu la Rochelle [1893-1945], Louis Malle desfia o pensamento existencialista acerca do vazio provocado pelo fim da juventude. Maurice Ronet interpreta o protagonista Alain Leroy, cujos últimos dois dias de vida acompanhamos de perto. Supostamente recuperado do alcoolismo, ele deixa a clínica para sair por Paris à busca dos amigos e também dos velhos rancores. À medida que os encontra, vai percebendo o quanto está sem lugar e sem função com a chegada da meia idade. Imagine você estar à beira dos trinta anos, ainda cercado de dúvidas e inquietações, assistindo a essa pequena pérola de Malle [1932-1995], cineasta francês que por muito tempo ficou à margem da nouvelle vague? Bem, foi o que aconteceu comigo. Não me incomodou o pessimismo da narrativa em relação a envelhecer, muito menos o tratamento dispensado à bebida, mas essas questões estão repercutindo nesse momento da minha vida. Assim como Leroy no início do filme, estou há alguns meses sem beber, sem farrear com os amigos, algo que, querendo ou não, faz muitas coisas serem [re]pensadas, outras serem [re]descobertas, tanto boas quanto ruins. Contudo, é bom esclarecer que não se trata de um filme sobre parar ou não de beber. Isso é apenas uma desculpa para a produção expor os problemas das relações contemporâneas, do vazio da falta de referências, pelo menos positivas. Como se pode perceber, transcendeu à própria datação, a ponto de ecoar forte mesmo nos dias atuais. A câmera de Louis Malle é acertadamente documental, escapando do melodrama, e merece destaque a montagem numa das partes finais da cena da festa, na qual o discurso trôpego do protagonista é muitíssimo bem pontuado por sutis jump cuts. Outro ponto impossível de passar batido é o score com peças do compositor Erik Satie [1866-1925], um dos precursores da música ambiente moderna [ou música-mobília, como ele se referia]. Bem mais do que uma mera adaptação, Malle na verdade usou Rochelle [um suicida] como inspiração. O livro, por sua vez, toma partes da vida do poeta dadaísta e surrealista Jacques Rigaut [1898-1929], mas o filme o entrecruza com a do escritor F. Scott Fitzgerald [1896-1940], sua relação com a bebida e a esposa Zelda. Todo esse esforço para mostrar que a existência não passa de um brilho transitório, um prazer que dura pouco. Como bem o sabem agora os ilustres personagens desse texto. [11.03.13]
TODAS AS MULHERES DO MUNDO * * * *
[Idem, BRA, 1967]
Comédia romântica - 90 min
Em seu début como diretor de cinema, Domingos de Oliveira faz uma belíssima homenagem ao encanto irresistível do sexo feminino e, em especial, ao da sua musa Leila Diniz. Os dois viveram juntos por um ano e meio e estavam há mais de dois separados quando rodaram o filme, um curiosa tentativa dele de reconquistá-la, então casada com outro cineasta, Ruy Guerra. A jogada não deu muito certo, mas deixou para nós uma obra especial, que conserva muito de sua força e inventividade mesmo com o tempo a passar. Possui uma ótima introdução com um mulherengo [Flávio Migliaccio] nos explicando o porquê do amor monogâmico ser uma péssima escolha nos dias atuais – e, embora espelhando todas as revoluções da década de 1960, o discurso reverbera muito bem hoje, para o nosso desespero masculino. Então, ele cruza com Paulo [Paulo José], outro Don Juan inveterado, que vai lhe contar uma falseta: como uma única mulher, Maria Alice [Diniz], o fez abandonar todas as outras. E olha que o sujeito realmente tinha uma vida agitada. Esse é apenas o pontapé inicial de um dos filmes mais queridos do cinema brasileiro, recebido com entusiasmo tanto por público quanto por crítica. Nossa comédia romântica por excelência está recheada com as melhores influências da época, como o cinema de Claude Lelouch [“Um Homem, uma Mulher”], François Truffaut [“Jules e Jim – Uma Mulher para Dois”], um pouco do feito com os Beatles, aquela narrativa levada menos a sério, mas tudo bem dosado e personalíssimo. O roteiro, também assinado por Domingos de Oliveira – ou sem o “de”, como às vezes assina –, é inspiradíssimo [“O problema não é escolher uma única mulher, mas desistir de todas as outras.”] e até, dizem, pontuado pela história intensa vivida com Leila Diniz, cuja apresentação, surgindo por detrás da porta quando o protagonista vai jogar um dardo, é absolutamente memorável, digna do bom cinema clássico mundial. No auge da fama [polêmica] e beleza, Diniz faz valer a dor, entrelaçada ao prazer, provavelmente experimentada pelo cineasta durante a realização do filme. Ele conta que, na cena em que o poema é recitado sobre o corpo nu dela, fugia entre um take e outro para ninguém o ver chorando. Anedotas desse tipo fazem dessa uma sessão obrigatória, sem falar na magia passada pela história de amor, sobretudo quando Paulo José, excelente em seu segundo filme, precisa esperar a amada recuperar-se da morte do ex-namorado, quando conclui “Maria Alice é solar” [o filme é extremamente carioca] e compreende, cortado pelos inserts a recapitularem a trajetória do casal, que é ela a mulher pela qual vai deixar todas as mulheres do mundo. A química entre Paulo e Leila deu tão certo que os dois se reencontrariam logo em seguida em “Edu, Coração de Ouro”, mais uma tentativa feita por Domingos de Oliveira de não dizer o último adeus à amada. Algo que não escaparia à tragédia do destino, no ano de 1972, na queda de avião que tiraria Leila Diniz da existência aos meros 27 anos de idade. [28.03.13]
YOJIMBO – O GUARDA-COSTAS * * * *
[Yôjinbô, JAP, 1961]
Ação - 110 min
Akira Kurosawa bebe na fonte do western fordiano para criar uma fascinante obra que inspiraria os westerns a partir dali. Sobretudo o spaghetti de Sergio Leone, uma vez o filme a popularizar o subgênero, “Por um Punhado de Dólares” de 1964, ter sido acusado pelo mestre japonês de plagiar este aqui. O astro Toshiro Mifune [nascido na China, mas radicado no Japão] interpreta o ronin que chega a uma cidade dividida entre dois clãs e resolve tirar proveito da situação para ganhar dinheiro. Atuando de ambos os lados, a princípio é visto como um oportunista até por nós, espectadores. Contudo, o desenrolar da trama inspirada, ora, num livro de Dashiell Hammett [um escritor noir estadunidense] vai revelando que também há um bom coração e intenções nobres por trás do plano. A figura do ronin, esse samurai sem mestre, nunca mais seria a mesma depois da interpretação de Kurosawa/Mifune, que remete ao herói solitário dos westerns de John Ford, como em “Rastros de Ódio” [1956]. De onde veio e para onde vai são questionamentos retóricos a pairarem fora do quadro, o imaginário que se encarrega de soprá-los ao vento. E Mifune não vacila em sua performance misteriosa, mas também muito humana, com o protagonista reformulando a estratégica por razões emotivas e sangrando as consequências disso. Por outro lado, demonstra uma habilidade com a espada capaz de nos fazer acreditar em sua superioridade perante os demais. Curioso notar que sem ela o personagem não é nada, valendo-se da estupidez dos antagonistas para escapar. Com uma premissa simples e apenas as camadas necessárias para desenvolvê-la, Kurosawa equilibra bem as cenas com diálogos e as sequências de ação que dominam a narrativa. A inteligência do gênio no toque certo para lapidar uma pérola. [30.03.13]

O ESPIÃO QUE VEIO DO FRIO * * * * *
[The Spy Who Came from the Cold, GB, 1965]
Suspense - 112 min
Ainda hoje é uma brilhante narrativa de espionagem, esse suspense dramático saído do famoso livro de John Le Carré. O cineasta Martin Ritt já vinha de outra pérola, “O Indomado”, com Paul Newman, quando dirigiu esse clássico com Richard Burton no papel de um ex-espião britânico em plena Guerra Fria. Amargurado, é recrutado pelos inimigos comunistas para servir como agente duplo. O tom melancólico e o existencialismo dos personagens contrapõem a figura do espião playboy popularizada pelos filmes de James Bond. Curiosamente, um dos roteiristas, Paul Dehn, havia terminado de escrever “007 Contra Goldfinger”. Mas o material de Carré, pseudônimo de David John Moore Cornwell, é original o suficiente para manter suas próprias características. A trama é complexa sem ser complicada e a direção de Ritt é elegante, ancorada na atmosfera de espiões cansados e desencantados com o estado das coisas. O monólogo de Burton dentro do carro, sobre quem são os verdadeiros espiões, dá vazão a toda essa ambivalência sórdida da Guerra Fria. O que dizer mais de uma obra cujo desfecho moral acontece aos pés do muro que por um bom tempo dividiu o mundo em dois? Ontem e hoje, um filmaço. [24.03.14]
OS PECADOS DE TODOS NÓS * * *
[Reflections in a Golden Eye, EUA, 1967]
Drama - 109 min
Dois dos grandes atores de sua época, Marlon Brando e Elizabeth Taylor se reúnem sob a batuta do mestre John Huston nessa densa [há quem considere sórdida] abordagem dos desejos reprimidos. Baseado no livro de Carson McCullers, o filme provocou certa polêmica quando foi lançado, sobretudo pela fotografia dourada. No fim das contas, soa mesmo como um Tennessee Williams pouco inspirado. [08.05.14]

OS AMORES DE UMA LOIRA * * *
[Lásky jedné plavovlásky, CZE, 1965]
Comédia - 85 min
Em início de carreira, o cineasta Milos Forman lança seu olhar sobre a juventude na Tchecoslováquia comunista [1948-1989], nessa refinada comédia de costumes. Forman, tornando-se reconhecido, precisou fugir do comunismo para realizar grandes filmes nos Estados Unidos – “Um Estranho no Ninho” [1975], ‘Amadeus” [1984] e “O Povo Contra Larry Flint” [1996]. Aqui, mesmo o elenco não sendo dos melhores, é possível perceber um futuro mestre em formação. [27.05.14]
JASÃO E OS ARGONAUTAS * * *
[Jason and the Argonauts, GB/EUA, 1963]
Aventura - 104 min
Os efeitos visuais em stop motion do mestre Ray Harryhausen estão no seu auge nessa aventura mitológica do subgênero “espada e sandália”. Inspirada pelo poema longo do grego Apolônio de Rodes, “A Argonáutica”, a produção traz algumas das mais famosas criações de Harryhausen, como o gigante de bronze Talos, as Hárpias e a Hidra, além da incrível sequência dos heróis lutando contra sete esqueletos. Lógico, não dá para comparar com a qualidade da atual computação gráfica 3D, porém o charme permanece irretocável. Também conhecida no Brasil pelo título “Jasão e o Velo de Ouro”, possui a trilha sonora assinada por outro gênio, Bernard Hermann. [28.05.14]

OS INOCENTES * * * * *
[The Innocents, EUA/GB, 1961]
Terror - 100 min
Com base na famosa novela de Henry James, “A Volta do Parafuso”, publicada em 1898, o cineasta britânico Jack Clayton constrói um complexo, e apavorante, terror psicológico. Da tenebrosa musiquinha “O Willow Waly”, cantada 45 segundos em tela preta antes de entrar a logo da 20th Century Fox, ao evocativo uso da profundidade de campo pela brilhante fotografia P&B de Freddie Francis, a narrativa nos segura pelos tornozelos e nos conduz por um passeio tenebroso, que ultrapassa a mera história de fantasmas. Na verdade, o roteiro assinado pelo dramaturgo William Archibald e, vejam só, o escritor Truman Capote usa a história da governanta Miss Giddens e das crianças Miles e Flora para fazer uma fábula ao reverso da adultização da infância. Não à toa, os inocentes do título, advindos da adaptação teatral de Archibald, são derrubados pela psicanálise freudiana [cortesia, claro, de Capote]. Sim, há o subtexto da sexualidade infantil praticamente em contexto – macabro –, bem como da repressão sexual de Miss Giddens, interpretada com as nuanças cabíveis por Deborah Kerr. O genial é como a direção de Clayton não se prende às alegorias do texto, mas se concentra em criar a atmosfera fantasmagórica, sempre pelos olhos da governanta, a orquestrar calafrios genuínos ao invés dos sustos fáceis dos filmes mais atuais do gênero. Os elementos narrativos são todos muito bem usados, fora a trilha sonora diegética construindo a sensação do medo e os precisos, alguns sensacionais, movimentos de câmera. Não duvido que, nas condições certas, o filme ainda deixe alguém sem dormir direito mais de 50 anos depois de seu lançamento. [24.06.14]

A ORGIA DA MORTE * * *
[The Masque of the Red Death, EUA, 1963]
Terror - 85 min
Um dos filmes mais celebrados pelos fãs do mestre do terror B Roger Corman, do ator Vincent Price e do escritor Edgar Allan Poe. Alguns consideram como a melhor adaptação de um conto de Poe, no caso “A Máscara da Morte Escarlate”. Os destaques ficam por conta do jogo de cores dos cenários suntuosos, reaproveitados de outro filme, e o score de David Lee. Sem falar na presença forte e teatral de Price, no auge da parceria com Corman, ou na beleza de Jane Asher, então musa de Paul McCartney. [21.08.14]

A FONTE DA DONZELA * * * *
[Jungfrukällan, SUE, 1960]
Drama - 87 min
Ingmar Bergman visita uma antiga fábula sueca acerca do embate medieval entre cristianismo e paganismo. Trata-se de “A Filha de Töre em Vangé”, adaptada por Ulla Isaksson, e se passa no século XIV. Karin [Birgitta Pettersson], a filha de 15 anos do casal Töre [Max von Sydow] e Märeta [Birgitta Valberg], vai com a criada da família, Ingeri [Gunnel Lindblom], até a igreja do vilarejo acender velas para a Virgem Maria. Antes de chegar ao destino, contudo, a menina é estuprada e morta por dois irmãos pastores. Ingeri se sente culpada, pois, além de testemunhar passivamente o crime, tinha rogado a Odin para algo ruim acontecer a Karin. Como se não bastasse, os criminosos, sem saber, vão passar a noite na casa dos pais da vítima. Apesar de já ter entregue obras-primas como “O Sétimo Selo” e “Morangos Silvestres” [ambos de 1957], é apenas com esse filme que Bergman ganha o primeiro dos seus três Oscars. Ironicamente [ou não], ele não o considerava dos seus melhores trabalhos. Aqui, o mergulho bergmaniano na alma dos personagens é um pouco mais sutil, como se não quisesse pesar mais uma história com bom grau de intensidade. Mesmo assim, é narrado de maneira soberba, trabalhando com concisão os temas da inveja e da vingança a desafiarem o forte paradigma religioso. Como deleite extra, a maravilhosa fotografia em preto e branco de Sven Nykvist e o milagre da última cena, que, o bem ou para o mal, encerra com otimismo uma obra trágica. [16.02.15]

A NOVIÇA REBELDE * * * *
[The Sound of Music, EUA, 1965]
Musical - 174 min
Eu já havia esquecido o quanto é adorável esse musical dirigido por Robert Wise, com Julie Andrews e Christopher Plummer. Nada melhor do que aproveitar o aniversário de 50 anos da estreia do filme [2 de março] para revê-lo e corrigir tal lapso. Imperdoável. Até porque, meio século depois, a produção continua saborosa, encantando antigos e novos apreciadores. Venceu a prova do tempo. Daqui 50 anos será visto com encanto semelhante, provavelmente com mais nostalgia de um tempo que eles [os humanos do futuro] não viveram. A sensacional abertura ultrapassa montanhas e mais montanhas para encontrar Andrews cantando “The Sound of Music”, numa época em que drones eram pura ficção científica. O título nacional entrega a primeira parte da história de Maria, uma austríaca que registrou em livro seu envolvimento com os Von Trapp e a descoberta do dom musical da família. Isso pré-Segunda Guerra Mundial. Houveram outras versões antes, porém nenhuma se compara ao êxito dessa adaptação da peça musical de Howard Lindsay e Russel Crouse, por sua vez baseada no livro da verdadeira ex-noviça. Se atualizarmos as contas, é a terceira maior bilheteria do cinema estadunidense. Ganhou 5 Oscars, incluindo filme e direção. A real família Von Trapp tinha quatro filhos, aumentados para sete por conta das notas musicais. Cada criança uma nota? Só sei que a canção “Do Re Mi” consegue sintetizar a teoria musical com didatismo e criatividade. Do lado dos adultos, Plummer e Andrews não transparecem a melhor das químicas, mas isso não atrapalha muito. Se bem que um tempero extra não faria mal nenhum. Wise, em seu segundo musical [o primeiro foi “Amor, Sublime Amor”, de 1961], dirige com rigoroso formalismo, aproveitando ao máximo a fotografia de Ted D. McCord e o design de produção de Boris Leven. Musical é timing e marcação, o que às vezes não transcende a forte impressão de ensaio. Realizado fora da época de ouro do gênero em Hollywood, o filme é um dos últimos musicais cinematográficos a apostar na inocência e no otimismo. Julie Andrews relutou em aceitar o papel por causa da babá que acabara de fazer em “Mary Poppins” [1964], achava ambos muito parecidos. Não é dos meus musicais favoritos, devo admitir. Contudo, é o que menos importa diante da enorme popularidade conquistada nos últimos 50 anos. Algo que certamente se repetirá nos próximos 50. A bela homenagem feita por Lady Gaga na última cerimônia do Oscar é prova disso. Pelo menos agora eu lembro o motivo de ter marcado tanto a minha infância. É uma experiência impossível de perder e não passar dias cantarolando as canções de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II. [04.03.15 – madrugada]

O FANTASMA E O COVARDE * * *
[The Ghost and Mr. Chicken, EUA, 1966]
Comédia - 90 min
A persona nervosa de Don Knotts, popularizada no seriado “The Andy Griffith Show” [1960-1968], é absolutamente hilária nessa "screwball comedy" que brinca com as crenças e, sobretudo, o medo no sobrenatural. Ele faz um aspirante a jornalista que precisa passar a noite numa mansão supostamente mal-assombrada. Sua matéria o torna o novo herói da cidade, mas ele termina sendo levado a julgamento para provar a veracidade do relato. Mesmo sendo uma expansão de um dos episódios do show e claramente um veículo para o talento de Knotts, falecido em 2006, o filme sobrevive muito bem sozinho, provocando risadas genuínas. E olha que eu show chato para rir com comédias [eu sei, eu sei...]. É delicioso poder voltar num tempo no qual as gags eram realmente engraçadas e distantes de qualquer apelação escatológica. O título original faz referência a “O Fantasma Apaixonado” [The Ghost and Mrs. Muir], drama dirigido por Joseph L. Mankiewicz em 1947. [28.04.15 – Netflix, madrugada]

PÂNICO NO ANO ZERO * * ½
[Panic in the Year Zero!, EUA, 1962]
Ficção - 93 min
Vazão ao medo estadunidense de um ataque nuclear durante a Guerra Fria, discute as noções de civilização que vão se perdendo em prol da sobrevivência. Além de protagonizar, Ray Milland ["Farrapo Humano", 1945] dirige essa ficção B, com roteiro assinado por Jay Simms e John Morton, que o coloca como um chefe de família disposto a tudo para garantir a segurança dos seus. Mesmo isso incluindo defender uma "adaptação justificada" dos valores morais à nova situação. Difícil é não entender as motivações do personagem, sem necessariamente concordar com elas. Os destaques são o também cantor Frankie Avalon fazendo o filho mais velho de Milland e o score jazzístico de Les Baxter. [29.04.15 – Netflix]

 

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