Filmes dos anos 1940 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo
* * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *

CIDADÃO KANE * * * * *
[Citizen Kane, EUA, 1941]
Drama - 119 min
Em seu leito de morte, milionário dono de um império jornalístico murmura a palavra “Rosebud”. Repórter inicia uma obstinada investigação, entrevistando seus amigos, a fim de descobrir o significado dessa palavra. Esse é apenas o ponto de partida para a trajetória do personagem-título, um homem complexo e ambicioso, ser contada em longos flashbacks linearmente com o depoimento de cada entrevistado. O diretor/produtor/roteirista/ator Orson Welles tinha apenas 26 anos quando lançou ao mundo a sua maior obra-prima, que é muito mais que um clássico. “Cidadão Kane” é o ponto de referência máximo do cinema. Impossível descrever ao pé da letra toda a sua profundidade. Não é à toa que o filme seja considerado atualmente, pela maioria dos críticos americanos e europeus, como o maior filme de todos os tempos. [1999]

NESTE MUNDO E NO OUTRO * * * *
[A Matter of Life and Death/Stairway to Heaven, RU, 1946]
Romance - 104 min
Incrível como soa original até hoje esse romance fantástico da visionária dupla Michael Powell e Emeric Pressburger [“Os Sapatinhos Vermelhos”]. O filme começa com um passeio panorâmico pelo Universo, acompanhando pela excelente narração de John Londgen, até chegar ao planeta Terra, em plena 2ª Guerra Mundial. Linda sequência, que já entrega a audácia da produção. Então, somos apresentados ao piloto inglês Peter Carter [David Niven], na iminência da morte com o avião atingido. Ele conversa pelo rádio com a norte-americana June [Kim Hunter] antes de saltar sem paraquedas. Entretanto, por um descuido do Condutor 71 [Marius Goring], Peter sobrevive, quando deveria se apresentar ao céu, e começa um romance com June. Disso surge um impasse entre ambas as partes, pois o piloto alega que o erro o fez encontrar o amor. Tudo será resolvido numa corte celestial, que decidirá se esse amor é verdadeiro e se por ele é válido quebrar as leis do cosmos. Impossível não achar a história linda, ainda mais com cineastas tão talentosos na condução. Curiosamente, o céu é mostrado em preto e branco com cenários pomposos, enquanto na Terra predomina o Technicolor – resultando numa ótima piada quando o Condutor 71 desce pela primeira vez. O roteiro é inteligente ao manter a suspensão da descrença com recursos prodigiosos para a época. Mesmo sendo uma história fantástica, como “O Retrato de Jennie”, a maneira como é narrada – sobretudo o tema do amor vencendo tudo, inclusive a morte – nos faz embarcar nela sem maiores dificuldades. Foi Hitchcock quem sugeriu a então desconhecida Kim Hunter para o papel feminino principal. Como já mencionei, a direção de arte é o ponto alto das sequências celestiais. Mas o filme vai muito além disso, inclusive escancarando a rixa entre ingleses e norte-americanos. Embora penda de forma descarada para os segundos, esse é apenas um detalhe diante de uma das bonitas histórias de amor que o cinema já contou. [27.01.12]

JEJUM DE AMOR * * * *
[His Girl Friday, EUA, 1940]
Comédia romântica - 92 min
Clássica, autêntica e saborosa "screwball comedy" de timing ágil inspirada na peça de Ben Hecht e Charles MacArthur, “The Front Page”, de 1929. Na verdade, essa é a segunda das várias adaptações para o cinema e a televisão. Cary Grant está simplesmente ótimo como o editor de jornal dificultando o quanto pode a partida de sua ex-mulher [Rosalind Russell], também jornalista, que deseja largar tudo para ter uma vida tranquila ao lado do agente de seguros Bruce [Ralph Bellamy]. Quem conhece a frenética trama, sabe que, originalmente, a personagem de Russell, Hildy Johnson, é um homem. O cineasta Howard Hawks teve a ideia de mudar o gênero do personagem quando viu a secretária fazendo uma leitura dramática durante os testes. E até que deu muito certo, já que Grant e Russell, emprestada pela MGM, funcionam na tela, apesar dela ter maior participação. A trama denuncia o jornalismo marrom e a politicagem corrupta em torno de um enforcamento às vésperas das eleições municipais. Hawks imprime um ritmo maravilhoso, fazendo os atores soltarem seus diálogos antes do término do diálogo anterior – essa técnica torna as situações e performances mais realistas, e fez escola depois desse filme, como uma das grandes características das comédias malucas [screwball comedies] dos anos 30 e 40. O momento mais engraçado do filme é uma piada interna na qual Walter Burns [Grant] descreve Bruce como parecido com aquele ator... Bellamy. O grande Billy Wilder faria sua própria versão em 1974 com a dupla Walter Matthau e Jack Lemmon. Ambos os trabalhos resultam em absolutamente imperdíveis. [29.01.12]

CONFISSÃO * * ½
[Dead Reckoning, EUA, 1947]
Suspense - 96 min
Suspense noir menor protagonizado por Humphrey Bogart e Lizabeth Scott, com tanto charme quanto furos no roteiro. O então veterano diretor John Cromwell, daqueles cujo nome precede o título dos filmes que assina, deu-se ao luxo de passar batido pelas falhas do plot escrito a dez mãos. Bogart é um ex-soldado da Segunda Guerra Mundial prestes a, junto ao melhor amigo, receber a Medalha da Honra do Congresso. Porém, o amigo foge por ter se alistado com um nome falso. O velho Bogey vai ao seu encalço e descobre o envolvimento do sujeito no assassinato do marido da cantora feita por Scott. Obviamente, a história fica mais e mais sórdida, sobretudo depois que o casal começa um perigoso romance. Como legítimo exemplar do subgênero que predominou puro de 1941 a 1958, temos todos os elementos certinhos: a fotografia em preto e branco com muita sombra, a narração em off [o protagonista conta a história a um padre, daí o título nacional], o whodunit estabelecido [quem realmente é o assassino?] e, claro, a loira-pivô da trama, também conhecida como femme fatale. Entretanto, tais elementos parecem mais preciosos do que o desenvolvimento coerente da história em si, estão jogados sem qualquer amarra. Por que o protagonista se confessa com o padre para em seguida ir embora apenas? Para que ter “aula” com um ladrão de cofres se na cena em que precisaria aplicar os conhecimentos aprendidos o cofre se encontra aberto? São só dois pontos, existem diversos outros, para mostrar o quanto o filme não resiste a um olhar mais atento. Sintoma dos abusos submetidos ao noir enquanto produto mercadológico, o filme até se salva para os amantes do subgênero. Mas é difícil não ficar com um gostinho amargo na língua de quem comprou gato por lebre. [13.03.13]

O DIABO DISSE NÃO * * *
[Heaven Can Wait, EUA, 1943]
Drama - 113 min
A elegantemente sórdida narrativa lubitschiana sobre o que não está visível, mas nos segue por todo o tempo. Seria a morte escondida nas elipses, até hoje analisadas e debatidas. O fato do alemão Ernst Lubitsch achar que esse seria seu último filme [ele faria ainda mais três] torna sua apreciação mais voltada aos detalhes. Adaptada da peça “Birthday” de Leslie Bush-Fekete, ou Lazlo Bus-Fekete, as gags irônicas podem até desviar a atenção do que há de amargo na história: Don Ameche é o playboy mulherengo que não deixou muito para trás e acredita que seu lugar é no inferno. Mas antes, precisa convencer o demônio, ou Sua Excelência, a deixá-lo descer. As mortes, como eu disse, não são vistas; os personagens simplesmente desaparecem da narrativa, o que torna suas ausências muito presentes. E geralmente não é assim que acontece na vida real? A valsa “Merry Widow Waltz”, composta por Franz Lehar, de “A Viúva Alegre” [1934], usada aqui nas duas perdas mais significativas, o brilhante raccord dos aniversários pós-50 [idade de Lubitsch na época de filmagem] e a troca das enfermeiras diante do espelho convencem que um gênio está ali, passando um desolador ponto de vista: assim como a morte, a vida é uma grande e cruel elipse. [28.03.14]

UM RETRATO DE MULHER * * * ½
[The Woman in the Window, EUA, 1944]
Suspense - 99 min
O alemão Fritz Lang exercita sua câmera hollywoodiana num clássico exemplo de filme noir. Levemente baseada no livro de J. H. Wallis, a trama coloca todos os elementos nos devidos lugares. Só peca mais pela resolução um tanto bobinha. [30.03.14]

ALEMANHA, ANO ZERO * * * *
[Germania Anno Zero, ITA/FRA/ALE, 1948]
Drama - 73 min
O italiano Roberto Rossellini não faz concessões nesse amargo registro neorrealista das feridas alemãs, tanto as sociais quanto as psicológicas, no pós-Segunda Guerra Mundial. Dedicado ao filho do cineasta falecido dois anos antes, o filme segue um menino transitando por entre os escombros morais da derrota nazista, corrompendo a própria natureza para ajudar a família. A obra fecha com crueldade a trilogia da guerra também composta por "Roma, Cidade Aberta" [1945] e "Paisà" [1946]. [26.04.15]


UM DIA EM NOVA YORK * * *
[On the Town, EUA, 1949]
Musical - 98 minNessa primeira parceria atrás das câmeras, Stanley Donen e Gene Kelly fazem uma divertida homenagem à Big Apple dos anos 1940. Na verdade, trata-se no début de ambos na direção de musicais, eles que em 1952 fariam o mais clássico do gênero, “Cantando na Chuva”, também protagonizado por Kelly. Aqui, ele é um marinheiro com 24 horas de folga em Nova York junto com outros dois, feitos por Jules Munshin e o já famoso Frank Sinatra. É este último quem canta uma das melhores músicas do filme, a minha favorita, “You’re Awful”. A produção ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora, entregue a Roger Edens e Lennie Hayton, que compuseram as canções novas da adaptação da peça musical de Adolph Green e Betty Comden [Broadway, 1944], também autores do roteiro. O enredo se desenvolve com ritmo ligeiro de “screwball comedy”, embora aqui e acolá derrape na própria estrutura e em idiossincrasias hoje ultrapassadas. O apelo da atmosfera dos musicais da época e do talento carismático do elenco, que ainda inclui Vera-Ellen, Betty Garrett e Ann Miller, nos faz relevar as falhas de uma sessão sempre contagiante. [22.07.15 – madrugada, Paris]

POR QUEM OS SINOS DOBRAM * * *
[For Whom the Bell Tolls, EUA, 1943]
Drama - 165 minAdaptação da considerada como a obra-prima de Ernest Hemingway, publicada três anos antes, foca no romance e suaviza o teor político motivador do livro. O escritor utilizou sua experiência como correspondente em Madri durante a Guerra Civil Espanhola [1936-1939] para construir a história de um professor estadunidense convertido num especialista em explosivos atuando ao lado dos republicanos. Sam Wood [“Uma Noite na Ópera”, 1935] comandou a produção estrelada por Gary Cooper e Ingrid Bergman, esta última surgindo em cores pela primeira vez. Uma das mais belas atrizes da sua geração, foi exigência do próprio Hemingway, que inclusive a usou como modelo para compor a personagem. Já Cooper expressa bem a característica marcante do vencedor do Pulitzer e do Nobel da “evidência trágica do fim” inerente à condição humana. Porém, quem rouba a cena do casal é a grega Katina Paxinou, intérprete da cigana Pilar, tendo conquistado o Globo de Ouro e o Oscar de atriz coadjuvante. Outro a chamar atenção é o russo Akim Tamiroff e seu complexo Pablo. Para quem não sabe, o título foi retirado de um poema de John Donne e justifica o romance do casal central, a evidenciar de modo melancólico a falta de sentido da guerra. De todas as guerras. É do poeta inglês: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”  [27.07.15 – Amsterdã]


Nenhum comentário:

Postar um comentário