Filmes de 2008 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *
 
JUMPER * *
[Idem, EUA, 2008]
Ação – 88 min
O apático Hayden “Anakin Skywalker” Christensen continua apático na pele de David Rice, jovem que, após um acidente, descobre ter o poder de se teletransportar para onde quiser. Usando seu poder para roubar bancos e levar uma vida de bon vivant ao redor do mundo (como beber e paquerar em Londres ou fazer piquenique no Egito), e assim fugir do pai opressor, ele logo se torna alvo dos Paladinos, caçadores de Jumpers (saltadores). Com a ajuda de outro com poderes idênticos, David vai ter que enfrentar Roland (Samuel L. Jackson), um cruel paladino que não vai descansar até matar todos os Jumpers. O diretor Doug Liman (“A Identidade Bourne” e “Sr. e Sra. Smith”) destrói qualquer vestígio do talento demonstrado no início da carreira e se entrega de vez à indústria desperdiçando uma ideia interessantíssima num filme de ação frenético e vazio. Em menos de noventa minutos o roteiro, adaptado do livro de Steven Gould pelo trio David S. Goyer [“Batman Begins”], Jim Uhls [“Clube da Luta”] e Simon Kinberg [“Sr. e Sra. Smith”], apresenta tantos buracos que fica difícil até mesmo dar crédito às sequências de ação, que tinham tudo para serem inovadoras. O filme zomba da inteligência do espectador sem ao menos tentar disfarçar isso. O destaque fica por conta de Jamie Bell (“Billy Elliot”, “King Kong”), sem dúvida mais interessante que o herói – ou melhor, anti-herói – e das locações que a produção cobre. Enfim, um passeio turístico de luxo sem um guia competente. [23.03.08 – cinema]
 
PONTO DE VISTA * * *
[Vantage Point, EUA, 2008]
Suspense – 90 min
Durante uma conferência sobre o combate ao terrorismo em Salamanca, Espanha, o presidente dos Estados Unidos é alvejado no momento de seu discurso diante de uma multidão hostil. A trama mostra cinco pontos de vista diferentes do atentado, desdobrando um complexo esquema no qual até mesmo o pessoal da segurança do presidente pode estar envolvido. Esse exercício de suspense/ação não traz nenhuma originalidade em sua estrutura narrativa. Outros filmes já mostraram um mesmo acontecimento por meio de várias perspectivas diferentes, como a obra-prima de Kurosawa, “Rashômon”, que, ao contrário de “Ponto de Vista”, vale-se mais das interpretações acerca da mesma situação do que do cruzamento de informações que acrescenta detalhes que só se elucidarão no último ponto de vista. Ou seja: jogando todas as pontas para serem amarradas no último ato, é como se os pontos de vista anteriores só tivessem o propósito de chegar a esse fechamento. Em outras palavras: a estrutura narrativa de ficar voltando no tempo por outro ângulo serve apenas como recurso estilístico, já que a trama poderia ser desenvolvida perfeitamente de maneira convencional. De todo modo, resulta num filme eficiente graças à direção do estreante Pete Travis, que tenta dar urgência à sequência dos fatos e ainda esconder uma ou outra forçada do roteiro de Barry Levy, também debutante. O elenco de luxo se encarrega de fazer o resto. [13.04.08 – cinema]
 
HOMEM DE FERRO * * * *
[Iron Man, EUA, 2008]
Aventura – 126 mim
O milionário metido a playboy Tony Stark é sequestrado no Afeganistão enquanto exibia o mais novo míssil de sua empresa armamentista. Ferido gravemente numa explosão, um ímã é colocado em seu peito com o intuito de impedir que estilhaços em sua corrente sanguínea atinjam seu coração. Obrigado a construir um novo míssil, ele termina fazendo uma armadura de aço para escapar dali. Após ver que suas armas eram desviadas para células terroristas, Stark aprimora a armadura e se volta contra isso, descobrindo que seus verdadeiros inimigos estão mais pertos do que imagina. Quem diria que Robert Downey Jr. fosse dar um Tony Stark de agradar qualquer fã dos quadrinhos, fazendo o espectador realmente acreditar nos potenciais do personagem? E que Jon Fraveau, que, de ator de filmes independentes, comandou “Um Duende em Nova York” e “Zathura”, fosse equilibrar tão bem o humor e a ação contidos no roteiro, tentando ainda ser o mais realista possível? Ou que o roteiro fosse escapar tão bem da exposição comum aos filmes de introdução de franquias de super-heróis, indo direto ao ponto e fazendo sua crítica à política bélica e antiterrorista dos Estados Unidos? Que o filme fosse ser muito mais empolgante e divertido do que anunciava o trailer? Quem diria que “Homem de Ferro” fosse chegar bem perto de ser um filmaço, derrapando em algumas obviedades que poderiam ter sido evitadas? E que iríamos torcer por sua continuação, ainda mais após conferir a cena que se esconde no fim dos créditos? Quem diria? [02.05.08 – cinema]
 
SPEED RACER * * *
[Idem, EUA, 2008]
Aventura – 135 min
O jovem Speed Racer tem uma grande paixão na vida: as corridas de carro. Mas com um nome desses, também pudera. Após a morte do irmão mais velho, também piloto, as coisas pareciam ter perdido um pouco o sentido. Por outro lado, basta Speed estar no seu carro Mach 5 para os eixos se alinharem e ele mostrar-se o melhor piloto de corridas desde o irmão. Cobiçado por patrocinadores sem qualquer vestígio de escrúpulo, ele descobre que os bastidores das corridas escondem um verdadeiro jogo de interesses, no qual o melhor piloto é aquele que ajuda a aumentar o poder de grandes empresários. Com o apoio da família, Speed vai tentar provar que a equação pode, sim, ser modificada. Baseado no famoso desenho japonês criado por Tatsuo Yoshida e exibido originalmente em 1967, os irmãos Wachowski deixam de lado as pretensões da trilogia “Matrix” e investem no humor cartunesco e em efeitos especiais lisérgicos para criar uma viagem de cores gritantes para toda a família. O resultado disso é uma obra apta a dividir opiniões: ou você entra na brincadeira e libera a criança imaginativa de dentro ou vai sentir-se bobo por se divertir à vontade com as corridas frenéticas e o visual estilizado que remete a um sonho louco ou algo do gênero. O fato é que “Speed Racer” é um filme muito fácil de ser mal compreendido e de ter suas peculiaridades positivas ofuscadas pela estranheza do estilo adotado pelos irmãos Wachowski. Há exageros circunstanciais, é verdade, mas se trata de um filme vibrante no qual as grandes corporações são as vilãs (uma tendência dos últimos anos) e o valor da família é posto no patamar merecido, bem como a busca pela realização dos sonhos e de sua própria identidade. Com temas revigorantes, os cineastas ainda encontram espaço para inovar as convenções narrativas, com flashbacks e flashfowards ilustrados com intensidade e transições que fogem do padrão e conferem ao filme, além de uma sensação de frescor, um ritmo perfeito para aqueles que vão ao cinema em busca de escapismo e empolgação para continuarem acreditando que sempre se é possível sonhar, e, melhor ainda, sempre se é possível realizar os sonhos. [09.05.08 – cinema]
 
O INCRÍVEL HULK * * *
[The Incredible Hulk, EUA, 2008]
Aventura – 112 min
Após a abertura reinventando a origem do personagem (os produtores não gostaram do resultado da abordagem psicanalítica de Ang Lee cinco anos atrás), encontramos o cientista Bruce Banner escondido no Brasil, onde tenta aprender a controlar sua raiva – e nosso país surge como o lugar ideal para isso! – ao mesmo tempo em que busca a cura para conter de uma vez por todas o monstro verde dentro dele. Sem delongas, o general Ross descobre seu paradeiro e a caçada ao angustiado Banner, e consequentemente ao seu poderoso alter ego, recomeça, tendo na linha de frente o ambicioso Emil Blonsky, o único ser humano disposto a encarar Hulk de frente, nem que para isso precise transformar-se em algo mais devastador que o Gigante Esmeralda. Mais acessível que seu original ignorado, deixa de lado qualquer aspecto psicologizante dos personagens para engatar uma trama enxuta, com a ação bem orquestrada pelo diretor Louis Leterrier e um ritmo de montagem absorvente. Pode-se dizer que a nova aventura é uma bela homenagem à série de TV, protagonizada por Bill Bixby e Lou Ferrigno de 1978 a 1982, contando, inclusive, com a participação deste último, que, além de interpretar um guarda universitário, faz a voz do gigante verde digital. Sim, dessa vez ouvimos o bordão “Hulk esmaga!” e não tem como a plateia de trintões viciados em quadrinhos não ir ao delírio. Tendo Edward Norton na pele de um Bruce Banner sofrido como carregasse uma maldição, o destaque do elenco é mesmo o sempre ótimo Tim Roth como Emil Blonsky, que, como todos sabem, vem a tornar-se o Abominável, embora seu embate com Hulk decepcione um pouco. O roteiro formulaico de Zak Penn, revisado pelo próprio Norton, ganha méritos por ir direto ao assunto (toda a sequência no Brasil é formidável, talvez a melhor do filme) e não deixar pontas soltas, embora alguns movimentos pareçam forçados, como o que se refere ao namorado de Betty (Liv Tyler). É até compreensível optarem por um filme certinho do Hulk para não correr o risco de enterrar comercialmente o personagem, visto os planos da Marvel, esboçados aqui e em “Homem de Ferro”. O futuro parece excitante para quem gosta de quadrinhos e vamos torcer para que consigam finalizar bem o grande esquema que, sem qualquer sutileza, estão arquitetando. [13.06.08 - cinema]
 
FIM DOS TEMPOS *
[The Happening, EUA/IND/FRA, 2008]
Suspense – 91 min
Sentada num banquinho no Central Park, uma mulher lendo um livro e conversando com outra pega o seu palito de cabelo e, sem qualquer motivo, enfia-o no próprio pescoço. É o início de uma série de suicídios em massa que passa a aterrorizar o centro-oeste dos Estados Unidos. A princípio, o fenômeno é atribuído a um ataque terrorista, o que logo é descartado devido ao fato da toxina espalhada pelo vento atacar grupos de pessoas cada vez menores. Um professor de ciências (Mark Wahlberg) tenta sobreviver ao colapso do fim dos tempos, ao mesmo tempo em que se encontra numa crise conjugal. Dos filmes que se propõem a despertar algum tipo de alerta e consciência acerca das consequências do efeito estufa, esse é de longe o pior deles. M. Night Shyamalan conseguiu chegar ao fundo do poço em sua filmografia descendente (De “O Sexto Sentido” a “A Dama na Água”, o indiano foi descendo um degrau por vez na escala de qualidade), com um suspense ecológico no qual as plantas se revoltam contra a humanidade, que nunca lhe deram a devida importância. O que poderia ser uma premissa curiosa, resulta num filme patético que soa arrastado, apesar de só ter uma hora e meia de duração, e no qual pela primeira vez veem-se pessoas fugindo do vento. A direção de atores é inexistente aqui, todas as reações são sintéticas demais para falar-se em atuações, e até o estilo de câmera de Shyamalan nunca casa com a história que ele (não) desenvolveu – e não me falem da sequência do revólver porque é impossível alguém atirar na própria cabeça e jogar a arma para frente (quanto mais duas pessoas fazerem exatamente a mesma coisa). Restringir tal fenômeno a uma determinada área é outra coisa que não faz sentido, assim como o evento encerrar-se ao bel prazer do cineasta, justo no clímax do sacrifício amoroso do casal central. “Fim dos Tempos” é uma grande bobagem que só corrobora a tese que Shyamalan perdeu o toque. Ou quem sabe nunca o teve realmente. Será o fim de uma carreira meteórica? [13.06.08 - cinema]
 
AUSTRÁLIA * *
[Australia, EUA/AUS, 2008]
Aventura -
O problema de Austrália é um só: quer reinventar a roda sem ter uma base sólida para isso. Não tenho nada contra reinventar a roda, é até um caminho difícil de fugir hoje em dia, mas é preciso saber o momento certo para testar a própria mediocridade. Moulin Rouge funciona porque veio na hora certa e trouxe elementos frescos para o gênero musical. Austrália percorre o caminho inverso: enquanto os épicos acompanham o sinal dos tempos, o filme de Baz Luhrmann opta por uma narrativa estilo anos 40. Em seu aspecto revisionista, passa longe das fontes que bebe. Não é à toa que Luhrmann situa sua história em 1939, considerado um ano marco para o cinema, com obras como ...E o Vento Levou, No Tempo das Diligências e O Mágico de Oz, cuja canção-tema Austrália toma forçadamente emprestada. Ele fez isso para subverter um pouco os elementos, porém o tiro termina saindo pela culatra. A primeira metade do filme se esforça para ser engraçada, enquanto o conceito é abandonado na metade seguinte em prol do formato romântico do épico. O casal central luta para transbordar empatia, ao passo que os coadjuvantes, ilustres desconhecidos, são que se destacam. Enfim, Austrália possui um meio arrastado, na transição da mudança de tom, e termina descambando para a obviedade dos clichês do gênero. Resultado: não empolga ninguém e nem almeja o que buscava a princípio. Quase uma perda de tempo quilométrica. [04.02.09 - cinema]
 
CONTROLE ABSOLUTO * * *
[Eagle Eye, EUA/ALE, 2008]
Suspense -
Um dos gestos mais controversos e (para mim) repulsivos da derradeira fase da era Bush foi justamente o Ato Patriótico, que conferia ao Estado poder de vigiar os indivíduos da nação norte-americana considerados “suspeitos” – na visão de Bush, todo mundo. A distopia de George Orwell, advinda da filosofia de Berkeley, acerca da contenção do comportamento dos cidadãos por meio do olho que tudo vê, o Grande Irmão (muita gente assiste ao Big Brother sem saber as bases filosóficas do formato do programa), retratada em 1984 parecia está acontecendo. Vamos ver se Barack Obama muda esse curso. Seja como for, essa perda da privacidade rendeu alguns filmes. Batman – O Cavaleiro das Trevas fez uma leitura da questão para o grande público, enquanto Controle Absoluto mostra que podemos estar sendo monitorados pelos meios mais inusitados, e nem um celular desligado escapa. Neste último, Shia LaBeouf, novo queridinho da América, é confundido com um terrorista e perseguido pelo FBI, ao mesmo tempo em que é “ajudado” por uma voz e se envolve numa trama de atentado ao poder vigente do país mais poderoso do mundo. Dirigido por D. J. Caruso, que já havia feito com LaBeouf o eficiente Paranóia, versão teen de Janela Indiscreta que também aborda o uso da tecnologia nos dias de hoje, Controle Absoluto é diversão que transcende o mero escapismo ao suscitar reflexões sobre o poder estatal sobre os indivíduos e o abuso da tecnologia e, sobretudo, da inteligência artificial. As sequências de ação possuem impacto, realizadas em grande escala e a priori com o uso mínimo de computação gráfica. O roteiro alterna referências que vão desde Inimigo do Estado, o primeiro grande filme a tocar no tema do monitoramento estatal via satélites, a 2001 – Uma Odisséia no Espaço, sendo que o antológico computador HAL 9000 encontra aqui seu “equivalente feminino”, Aria (voz não-creditada de Julianne Moore). Se é que máquinas podem ter gêneros discriminados. Aparando as arestas, o enredo é simples e não possui grande originalidade, descambando para o óbvio das super-produções hollywoodianas. O desfecho termina sendo fraco, porém o ritmo frenético, a segurança da direção e o carisma do elenco fazem desta uma produção a ser apreciada em volume máximo. [11.02.09]
 
O SILÊNCIO DE LORNA * * * ½
[Le Silence de Lorna, BEL/FRA/ITA/ALE, 2008]
Drama – 100 min
Os irmãos Dardenne mostram que se há algo o qual não segue o plano estabelecido são os sentimentos. A protagonista Lorna, muito bem interpretada pela iugoslava Arta Dobroshi, é uma albanesa casada com um drogado qualquer apenas para conseguir nacionalidade belga. Mas isso faz parte de um golpe maior; após o pobre coitado do marido de mentira perder sua utilidade, será preciso livrar-se dele para Lorna “passar” sua nova nacionalidade a um russo cheio da grana. Um plano perfeito, frio, calculado com precisão. O único problema é que Lorna desenvolve um afeto pelo junkie que deseja sair das drogas, e a culpa a desestabiliza. O estopim é quando ela descobre estar grávida. O roteiro dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne foi premiado em Cannes e vai descascando a cebola aos poucos, sem revelar suas artimanhas de maneira artificial, pois o foco é a personagem, a jornada dela em relação ao que a torna humana no sórdido jogo social de sobrevivência. Uma oportunista que vai se desmontando perante os próprios sentimentos. Começa como uma mulher seca, que não se importa, e vai se convertendo nessa humana assustada com o que passa a sentir, sobretudo após inesperada gravidez. Ela, que não pôde salvar o pai, lutará com umas e dentes pelo filho. Uma extensão da culpa que carrega [esse trocadilho foi um ato falho] ou o mais puro instinto maternal? Como é frequente na filmografia dos Dardenne, é o espectador quem deve ir atrás da resposta. [28.01.13]
 
A FESTA DA MENINA MORTA * * *
[Idem, BRA, 2008]
Drama – 115 min
O ator Matheus Nachtergaele debuta atrás das câmeras observando de perto o absurdo dos ritos religiosos. Quem sabe o termo religioso nem caiba aqui, é mais um rito fúnebre apoiado numa crença sobrenatural. De certo, termina se convertendo mesmo numa dessas religiões locais não oficializadas. Quantas não devem existir pelos recantos escondidos do mundo dito civilizado? Mas estou divagando, essa nem é a discussão central do filme. A narrativa acompanha os preparativos e a execução da festa do título, a qual já é tradição nessa cidadezinha à beira do rio Amazonas há 20 anos, quando uma menina desapareceu e apenas o vestido dela foi encontrado por um garoto que agora atende pelo nome de Santinho [Daniel de Oliveira] e faz milagres. Ele é uma espécie de líder religioso [de novo, a palavra] da comunidade, mora com o pai alcóolatra [Jackson Antunes] com o qual tem uma relação incestuosa e afirma receber revelações da menina morta sempre na data da festa. É quase um festejo muito esperado pela população, com montagem de barracas e matança de animais, até mesmo presentes são comprados para serem queimados em homenagem à menina que morreu. Para a família dela, sobretudo o irmão feito pelo ótimo Juliano Cazarré, é um tormento anual. Como ponto positivo, Nachtergaele chamou o roteirista Hilton Lacerda para conferir estrutura ao seu argumento. O problema são os elementos frouxos, que não fariam falta à compreensão da história, estão ali apenas para dar ao filme a personalidade de seu realizador. Por sua vez, este parece claramente inspirado pelo cineasta pernambucano Cláudio Assis, que o dirigiu em “ Amarelo Manga”, “O Baixio das Bestas” e no recente “A Febre do Rato”, para entregar uma obra incômoda em certas partes. A cena de sexo entre Oliveira e Antunes, embora apenas sugerida, incomodou o público no Festival de Cannes e não acrescenta muito ao enredo em si. Outros pontos baixos são as participações de Paulo José e Cássia Kiss. O primeiro perdido numa mise-en-scène ingratamente teatral e a segunda apenas uma péssima escolha de casting. Apesar dos excessos comuns aos diretores de primeira viagem, Matheus Nachtergaele não se sai tão mal. Entregou um filme que puxa assunto, quer queira ou não. [30.01.13]
 
SONHO * * *
[Bi-mong, KOR, 2008]
Suspense – 94 min
O talentosíssimo sul-coreano Kim Ki-duk entrega uma curiosa história, embora cheia de problemas, sobre duas pessoas ligadas pelos sonhos de uma delas. Jin [Jô Odagiri] descobre que seus recentes sonhos com a ex-namorada estão se materializando durante o sonambulismo de Ran [Na-yeong Lee], só que com o ex dela. Os dois, que mal se conhecem, terão de aprender a lidar com esse, digamos, capricho metafísico enquanto buscam uma solução final para o problema. Ki-duk é um dos nomes mais celebrados do cinema realizado na Coreia do Sul, junto com Chan-wook Park [“Oldboy”, “Sede de Sangue”] e Joon-woo Bong [“O Hospedeiro”, “Mother – A Busca pela Verdade”]. Ele raramente erra a mão num projeto, já tendo entregado verdadeiras pérolas como “Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera” [2003] e “O Arco” [2005]. Como a própria produção gosta de frisar, esse é o 15º filme escrito e dirigido por Kim Ki-duk, uma trama bem original de mistério que no fundo é um romance. Mas, como eu disse, há problemas, nem tanto pela abordagem oriental dos sonhos, como representações quase teatrais e projetivas, mas pelo desenvolvimento mesmo da premissa. Os personagens demoram a tomar atitudes as quais já sacamos que deveriam tomar muito tempo antes, e isso nunca é bom sinal num roteiro. Isso dificulta o envolvimento com a história, sobretudo quando [agora falando como um macaco ocidental] ela não possui qualquer explicação lógica. O que se sabe é serem os dois, Jin e Ran, apenas um [ou duplos, talvez] e que precisam se apaixonar um pelo outro para terminar com os sonhos, que ficam mais e mais perigosos. Só que ambos ainda estão presos em seus antigos relacionamentos e não parecem muito dispostos a mudar isso, a princípio. Seria, então, uma subversão da fórmula das clássicas comédias românticas de Hollywood? Uma leitura do filme a se ponderar. O fato é que a coisa fica tensa com Jin se flagelando para não cair no sono, resultando num óbvio desfecho trágico, ainda que muito belo e metafórico – poético, até? A atriz principal, Na-yeong Lee, quase se acidenta de maneira fatal numa das últimas cenas, o que levou o cineasta a um autoexílio para repensar a vida e a carreira. Claro que ele registrou tudo, editou e lançou depois. Sensível, sim; bobo... [21.03.13]
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário