Filmes de 2012 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *

MOTOQUEIRO FANTASMA: ESPÍRITO DE VINGANÇA * ½
[Ghost Rider: Spirit of Vengeance, EUA, 2012]
Aventura – 95 min
Essa sequência da bomba de 2007 com Nicholas Cage no papel central continua sendo uma bomba – agora em 3D. O pior é que não haveria de ser de outro modo. Quando decidiram que a “criativa” dupla Neveldine/Taylor [eles assinam assim] seriam os diretores a darem prosseguimento às desventuras de Johnny Blaze, era certeza, do mesmo jeito como a água limpa é transparente, que não viria coisa boa. Aliás, era certeza de que seria uma merda, daquelas bem fedorentas. Depois de surgirem no mapa com o divertido “Adrenalina”, com Jason Statham, os caras nunca mais acertaram uma dentro. Num ano só, conseguiram emplacar duas porcarias, “Adrenalina 2: Alta Voltagem” e “Gamer”, o que considero um feito notável de mediocridade. Há quem ache seus planos tortos e os movimentos de câmera histéricos, além do ritmo frenético imposto aos enredos nosenses, vanguardistas ou, no mínimo, dinâmicos. Eu os classificaria com divertidamente amadores ou constrangedoramente profissionais. Aqui eles tentam pôr Blaze/Rider como herói que deve salvar o filho do demônio ou algo que o valha. O fiapo de enredo é o que menos incomoda diante da estética adolescente da direção e das atuações apavorantes de tão ruins. A não ser que você considere as caretas forçadas de Nicholas Cage, ou mesmo vê-lo limpando a garganta enquanto recita teatralmente suas falas, algo merecedor de um Oscar. Até um ator ocasionalmente bom como Ciarán Hinds paga o maior mico passando o filme inteiro com um tersol no olho [sei que não é, mas que parece, parece]. E o que dizer da rápida participação de Christopher “Highlander” Lambert todo tatuado? Pelo menos os efeitos especiais convencem e Johnny Blaze dá uma pausa na história para fazer acrobacias sobre a moto, sua profissão antes de fazer um pacto com o demônio. A cena na qual Cage confessa suas verdadeiras intenções por trás do pacto merece ser listada como uma das mais descaradamente forçadas performances de choro da história. Você precisa ver. Está esperando o quê? Vá ao cinema agora. [17.02.12 – cinema]

REIS E RATOS * *
[Idem, BRA, 2012]
Comédia – 111 min
Pretendendo elaborar uma farsa histórica com os dias que antecederam o golpe militar de 1964, que instalou a ditadura no Brasil, o diretor e roteirista Mauro Lima entrega um filme difícil de acompanhar e um tanto confuso – no sentido de não saber se faz uma comédia, um suspense ou algo sem gênero. Mais conhecido por ter levado às telas o livro de Guilherme Fiúza, “Meu Nome Não é Johnny”, Lima conseguiu reunir um elenco de peso para dar cabo de uma inusitada trama conspiratória envolvendo desde agentes da CIA bonachões a radialistas mediúnicos às vésperas da tomada do governo pelos militares. Nomes como Selton Mello, Cauã Reymond, Otavio Muller e Rodrigo Santoro se cruzam em personagens caricaturados que parecem ter saído de uma história em quadrinhos. De Mello imitando um dublador de filmes noir a Reymond baixando espírito, quem melhor se sai é mesmo Santoro, enfeiado e asqueroso como o vigarista de dentes podres Roni Rato. Seriam todos figuras interessantes caso Mauro Lima tivesse noção do que estava querendo proporcionar ao espectador. Baseia sua narrativa no pastiche e na comédia de erros, como os irmãos Coen fizeram [muitíssimo bem] em “Queime Depois de Ler”. Todavia, não demonstra ter o timing certo para provocar a anedota ou mesmo uma história que se sustente. Prova disso é quase metade do filme ser um longo flashback em preto e branco de Final Cut que mais complica do que explica. Lima pode ter tido a melhor das intenções, mas esticou tanto a piada que ela ficou cansativa e sem graça. [17.02.12 – cinema]
 
ABRAHAM LINCOLN: CAÇADOR DE VAMPIROS * ½
[Abraham Lincoln: Vampire Hunter, EUA, 2012]
Aventura – 105 min
Diversão escapista teimando em levar-se a sério sempre resulta num passatempo descartável. Pôr o presidente norte-americano Abraham Lincoln caçando vampiros enquanto luta pelo fim da escravidão seria uma ideia digna de uma graphic novel. Mas não, veio de um livro mesmo, escrito pelo pseudo-escritor-roteirista Seth Grahame-Smith, que conquistou a produção de Tim Burton após roteirizar o recente [e fraco] “Sombras da Noite” para ele. Como se não bastasse, o próprio “autor” adapta sua obra, recheada por falhas de estrutura desde os primeiros cinco minutos. O diretor russo Timur Bekmambetov [“O Procurado”] tomou a infeliz decisão de ignorar as mancadas do roteiro, assim como o absurdo do enredo, optando por levá-lo a sério, como se fosse um capítulo oculto da História. O que poderia ter sido um filme cool termina parecendo um especial do History Channel de uma realidade alternativa. Os saltos temporais são péssimos e terminam não nos convencendo do protagonista ser político e matar vampiros ao mesmo tempo. Isso sem mencionar os tropeços infantis de Grahame-Smith, como só lembrar a Lincoln que a prata destrói as criaturas, e que ele sabe desde o início do filme, depois de milhares de baixas durante uma Guerra Civil distorcida. [13.09.12 – cinema]
 
TED * * * *
[Idem, EUA, 2012]
Comédia – 106 min
Definitivamente a comédia do ano. Uma fábula sobre adolescência tardia politicamente incorreta, atrevida e original. Ted é um urso de pelúcia que ganha vida para fazer companhia ao loser interpretado por Mark Wahlberg na fase adulta, quando seu mágico amigo acaba sendo um entrave para o seu amadurecimento. O maior mérito da premissa de Seth MacFarlane, criador da série animada “Family Guy”, é subverter nossas expectativas. Ted é um personagem de aparência fofa, porém com a personalidade de um adulto que é incapaz de crescer. Os dois amigos matam o tempo fumando maconha, falando putaria e revendo o cult brega “Flash Gordon”, e o próprio Sam J. Jones dá as caras por aqui. Obviamente, a relação será testada pela namorada de Wahlberg, a linda Mila Kunis. Se a ideia do filme é absurda, graças ao desenvolvimento de MacFarlane, estreando no cinema, em pouco tempo a aceitamos e acreditamos que Ted é mais do que um personagem em CGI: é uma pista para vermos, com muito esforço, que existe vida inteligente nas comédias geeks norte-americanas. [21.09.12 – cinema]
 
LOOPER – ASSASSINOS DO FUTURO * * * *
[Looper, EUA/CHI, 2012]
Ação – 118 min
Ainda que o roteiro deixe várias pontas soltas, este western sci-fi possui a trama mais mirabolante e original do ano. Joseph Gordon-Levitt e Bruce Willis interpretam o mesmo personagem com trinta anos de diferença. Eles são loopers, assassinos que operam para chefões da máfia que enviam suas vítimas do futuro. O eixo da ação é a versão jovem ter que eliminar sua versão mais velha, por sua vez obcecada em encontrar a criança que, mais à frente, será responsável pela morte da esposa. Engana-se quem acha que vão terminar unindo forças; os dois serão antagonistas até a última cena, e isso é uma das melhores coisas do roteiro de Rian Johnson, também diretor do filme. Ele gasta um bom tempo de tela mostrando o cotidiano vazio e sem perspectiva do personagem de Gordon-Levitt, o que se revela importante para compreendermos a sua amargurada versão mais velha.  Sim, Willis é o vilão da trama – ou o herói que vemos se transformar em vilão. Engraçado como o filme de Johnson não hesita em testar seus personagens, humanizando-os. É tão chocando ver o mais jovem delatar o amigo para não arriscar seu plano de vida, quanto o mais velho matar uma criança à queima roupa na esperança de salvar a esposa. Johnson se mostra à vontade na direção, orquestrando planos e movimentos de câmera muito eficientes. Além disso, consegue lançar mão de recursos simples e criativos de plano e contra plano, e que não deixam de ser perturbadores, como a sequência na qual o personagem feito por Paul Dano é submetido a uma tortura cirúrgica e sua versão mais velha vai descobrindo, horrorizado, as consequências no próprio corpo. No terceiro ato é que Johnson viaja mesmo, inserindo um menino paranormal com terríveis poderes psíquicos. Nesse caos de ideias promissoras, o texto joga fora os “como” e “por quê”, restando ao espectador a tarefa de preencher as [diversas] lacunas deixadas ao vento. Mesmo assim, a obra tem frescor suficiente para não deixar de ser vista e, sobretudo, apreciada. [28.09.12 – cinema]
 
007 – OPERAÇÃO SKYFALL * * * *
[Skyfall, GB/EUA, 2012]
Ação – 143 min
Sam Mendes entrega um filme de James Bond em grande estilo e ousadia. A atuação de Javier Bardem está impagável. Se não me engano, esse é o primeiro filme após a reerguida da MGM, que fez até um upgrade em sua vinheta. Também comemora 50 anos do personagem mais rentável do cinema; o primeiro Bond oficial, “007 Contra o Satânico Dr. No”, é de 1962. Já faz tudo isso desde a sexy e inesquecível saída de Úrsula Andrews do mar? Aqui, as bondgirls parecem ficar em segundo plano, o que, para ser sincero, não chega a atrapalhar a diversão adulta muito bem conduzida pelo diretor de “Beleza Americana”. Logo de cara, Mendes mostra ter entendido o espírito da coisa, conseguindo harmonizar uma câmera elegante com cortes rápidos sem gerar a bagunça dos atuais filmes de ação. Ele o diretor de fotografia Roger Deakins sabem trabalhar o espaço diegético mesmo quando o ritmo é imperativo, como um bom filme à moda antiga. Merece destaque toda a belíssima sequência em Xangai, simplesmente de cortar o fôlego de tão exuberante que é. Cinema de alto nível. O roteiro põe o agente secreto feito agora por Daniel Craig sentindo um pouco do peso da idade e das peripécias “ressuscitando” para proteger sua chefe, M [Judi Denchi], de um ex-agente obcecado e vingativo. Entra em cena o espanhol Bardem com mais um vilão que periga se tornar emblemático, depois do Oscar pela assustadora performance em “Onde os Fracos Não Têm Vez”. Sem medo de andar na beira do abismo, o vilão de Bardem possui clara tendência homoafetiva e está o tempo todo flertando com a própria caricatura. Achei ousado para o gênero e, quem sabe, genial. Como essa nova roupagem de Bond foca no seu distanciamento emocional [mesmo “Skyfall” não tendo ligação direta com “Cassino Royale” e “Quantum of Solace”], o personagem é levado a confrontar seu passado para resolver o eixo de ação da trama. Para tornar a coisa melhor ainda, esse 23º filme oficial da franquia provoca mudanças significativas para serem acompanhadas. Cheio de referências aos filmes antigos, é uma pena os mais jovens ficarem boiando com a dança das cadeiras que acontece aqui, embora o Dry Martini seja substituído por um uísque. Em tempos de Bournes e Hunts, alguma coisa precisava ser atualizada, não? A canção “Skyfall” ficou a cargo de Adele e 007 só atira em nós ao final, quando temos a certeza que a criação de Iam Fleming está longe de pendurar as chuteiras.  [26.10.12 – cinema]
 
DJANGO LIVRE * * * *
[Django Unchained, EUA, 2012]
Western – 165 min
Nessa pesada homenagem ao western spaghetti, Tarantino ignora [mais uma vez] a História para entregar um divertidíssimo exercício de estilo. Se em “Bastardos Inglórios”, ele acabou com o Terceiro Reich dentro de um cinema, aqui põe um escravo alforriado em pleno sul dos Estados Unidos pré-Guerra Civil matando brancos em busca da esposa. Felizmente, pisa em terreno conhecido. Todos os seus filmes têm grandes influências do gênero popularizado por Sergio Leone, Sergio Corbucci, entre outros – Sergios ou não. Estava na hora dele arriscar um western, mesmo sendo à sua maneira. Voilá, Tarantino não decepciona, entrega o prometido. Muito diálogo esperto, violência a balde, personagens fortes, além de um humor negro inspirado, e diria mesmo ousado. Todas as transgressões tarantinianas sem medo de críticas. Não poderia faltar os zoom ins característicos da narrativa sessentista, muito menos o banho de sangue – nunca tão bom desde “Cães de Aluguel” – provocado pelo protagonista Jamie Foxx. Mas é Leonardo DiCaprio quem nos desconcerta como o vilão sádico, embora Samuel L. Jackson tenha o personagem mais complexo. Sem falar na precisão da performance de Christoph Waltz. Complicado eleger apenas um em tão bom elenco. O roteiro não faz a mínima questão de pegar leve ou complicar demais, vai direto ao ponto e brinca com a moral dos personagens [e do expectador, por que não?]. Obviamente, Tarantino não passaria batido sem incluir uma rápida participação do Django original, Franco Nero, ou mesmo de si próprio sendo explodido por Foxx. Se alguém pode fazer tudo isso, esse cara é ele. [09.01.13]
 
O LADO BOM DA VIDA * * * ½
[Silver Linings Playbook, EUA, 2012]
Comédia romântica – 122 min
Magníficas atuações numa comédia romântica que consegue lidar com certa leveza e bom humor temas difíceis. O cineasta David O. Russell [“Três Reis”, “O Vencedor”] demonstra duas coisas aqui: sua extrema habilidade em dirigir atores e um talento narrativo para inventar mesmo em cima de um gênero tão batido quanto a comédia romântica. Adaptada do livro de Matthew Quick, a história segue os complicados personagens de Bradley Cooper e Jennifer Lawrence tentando retomar suas vidas após um período de turbulência. Obviamente, não será uma jornada fácil. Além do modo como Russell desenrola a narrativa, o que surpreende de fato é a qualidade das performances, sobretudo dos protagonistas. Cooper sai daquela imagem de ator de comédias populares, como a série “Se Beber, Não Case!” para provar que pode render mais quando bem dirigido. Já Lawrence confirma seu talento estrondoso, e versátil, e mostra ter vindo para ficar. É das atrizes mais interessantes surgidas na última década, defende a personagem com uma firmeza absurda, sempre natural, como se ali fosse realmente ela. Sem mencionar a beleza singular da moça, com rosto rechonchudo, mas que deixa muita anoréxica no chinelo. Sou admirador dela desde “Inverno da Alma”, até perdoo bobagens teens como “Jogos Vorazes” [parece que toda atriz agora quer uma franquia só sua]. Será ótimo vê-la sendo testada em papéis mais desafiadores. Aqui é impossível não se apaixonar por ela, por sua personalidade forte. Não é um grande filme, mas tem talento de sobra. [15.01.13]
 
OS MISERÁVEIS * * ½
[Les Miserábles, GB, 2012]
Musical – 157 min
Os equívocos da direção de Tom Hooper tornam esse superestimado musical não mais do que uma aborrecida adaptação da obra de Victor Hugo. Ou seria melhor pôr a culpa nos produtores que se empolgaram com os Oscars de “O Discurso do Rei” e colocaram Hooper para realizar essa celebração dos 25 anos do musical da Broadway escrito por Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg, com letras de Herbert Kretzmer. Por que faço questão de comentar isso? Simples, é a explicação direta de tudo o que não funciona na milésima versão [precisávamos mesmo de mais uma?] do romance lançado em 1862. Um filme feito para comemorar o aniversário de uma peça dificilmente radicalizaria o formato teatral em prol do cinema, como geralmente acontece. O que acontece aqui é justamente o contrário, Hooper parece reforçar o fake de propósito, abusando de câmeras tortas, planos longos e quase sempre em close, na melhor estética de uma minissérie para a televisão. Sem falar que ele insiste em usar lentes grandes angulares no rosto dos atores, sem ter noção de qual resultado está alcançando. Numa narrativa trôpega de duas horas e meia, é no mínimo irritante ser conduzido por Tom Hooper. E quem tem de aparar as pedras jogadas pelo diretor são os atores, e devo dizer que esse é um dos castings mais estranhos que já vi numa produção com ambição de Oscar. Ironicamente, o esforço do elenco é tão visível que a estratégica até periga dar certo. Pela primeira vez, os atores cantam “ao vivo” para a câmera o filme inteiro, ao invés do tradicional playback. Isso por si só já pediria da direção sacadas revolucionárias para contornar o obstáculo criativo imposto. Mas é de Tom “filhinho da mamãe” Hooper que estamos falando. Os atores, sinceramente, parecem envergonhados em cena. Alguns se esforçam como se seu pagamento dependesse de ao menos uma indicação ao Oscar [Hugh Jackman e Anne Hathaway], outros simplesmente ligam o botão do “foda-se” [Russell Crowe], enquanto alguns de fato comprovam ter talento para a coisa [Eddie Redmayne]. Com uma narrativa dinâmica até, o filme cansa e entedia. O engraçado é que eu adoro musicais. De verdade. Não esse fruto verde de um Oscar mal dado. [16.01.13]
 
JACK REACHER: O ÚLTIMO TIRO * * *
[Jack Reacher, EUA, 2012]
Policial – 130 min
Tom Cruise dá vida ao popular personagem do escritor britânico Lee Child [nome verdadeiro: Jim Grant], surpreendendo pelo vigor físico mostrado no auge dos seus 50 anos. E que disposição! É compreensível a crítica internacional não deixar isso passar em branco, sobretudo por todas as peripécias que Cruise insiste em fazer sem dublês. Todavia, pergunto-me até quando ele conseguirá manter esse pique. No papel de um tipo de investigador militar reformado, Cruise derruba cinco marmanjos brincando, corre como se de fato fosse morrer e encara no olho sem sinal de hesitação. Um ator que vale o cachê? Da série de livros iniciada por Child em 1997, esse filme foi adaptado do nono, “Um Tiro”, por Christopher McQuarrie [roteirista de “Os Suspeitos”]. O início mostra um atirador matando cinco pessoas aparentemente sem motivo, numa época na qual os Estados Unidos não precisariam encenar tão bem tragédias assim. Um inocente é imediatamente preso e, antes de entrar em coma, pede ajuda a Reacher para investigar o ocorrido. A trama é um pouquinho mais elaborada do que se poderia supor a princípio, sem deixar de ser absorvente. Como não há tantas pirotecnias gráficas, remete aos filmes de ação dos anos 80 e 90, um bom presente de McQuarrie, que também assina a direção. A surpresa mesmo fica por conta do texto bem humorado, no limite de não se levar a sério, e nas presenças de Robert Duvall visivelmente se divertindo e do cineasta alemão Werner Herzog como o vilão da história. Brindes assim são sempre bem-vindos. [17.01.13 – cinema]
 
THE GIRL * * *
[Idem, GB/ZAF/EUA, 2012]
Drama – 91 min
A tensa relação entre Alfred Hitchcock e Tippi Hedren, que atuou em dois de seus filmes [“Os Pássaros” e “Marnie”], registrada nesse telefilme que mostra o lado negro do grande cineasta. O lado positivo dos filmes para televisão é não precisarem fazer concessões ou romantizarem figuras reais em prol de uma suposta bilheteria mais gorda. Ao menos, assim dão a impressão. E é interessante como o contraponto a Hollywood parece visível: se em “Hitchcock”, Anthony Hopkins faz uma versão bonitinha de Hitch, tipo exportação mesmo, aqui Toby Jones não apresenta nenhum receio em torná-lo um personagem complexo, cheio de conflitos sexuais e com a própria aparência. Sempre soubemos de sua obsessão com as loiras frias as quais colocava em suas produções, mas agora vemos o que isso representava para as atrizes, por trás das câmeras. Tippi Hedren que o diga. A mãe de Melanie Griffiths sentiu na pele o que realmente significava ser uma das musas do mestre do suspense, a ponto de ser atacada pelo próprio. É uma versão sombria do homem por trás do gênio, podendo chocar quem assistir ao filme desavisado. Toby Jones, que sempre passou batido como coadjuvante em médias e grandes produções, supera o oscarizado “Hannibal” Hopkins na caracterização de Hitch, como gostava de ser chamado. O modo singular de falar do diretor inglês está perfeito, até descontamos as diferenças físicas. Baseada no livro de Donald Spoto, a história foca nas produções de “Os Pássaros” [1963] e “Marnie – Confissões de uma Ladra” [1964] e todas as crueldades ensaiadas por Hitch a Tippi Hedren durante as gravações. Curiosamente, funciona como um complemento à produção hollywoodiana, pois começa no ponto onde aquele termina [“Os Pássaros” foi realizado após “Psicose”]. Na verdade, preciso dizer que é bem mais interessante. [19.01.13 – HBO]
 
AS SESSÕES * * * ½
[The Sessions, EUA, 2012]
Drama – 95 min
Um filme especial sobre alguém em busca de ser amado sexualmente. Atuações corajosas de John Hawkes e Helen Hunt, na pele de um deficiente e de sua “terapeuta” sexual, respectivamente. É inspirado na história do jornalista – e poeta – Mark O’Brien e no seu ensaio “On Seeing a Sex Surrogate” [1990], no qual relata sua jornada para ter condições, físicas e psicológicas, de fazer sexo com mulheres no auge do seus trinta e poucos anos – até então era virgem e cheio de conflitos, tanto familiares quanto religiosos, em relação a isso. Confinado à paralisia e a um pulmão artificial por causa da poliomielite contraída aos seis anos, Mark aprende a lidar com sexo e com si próprio ao longo das sessões com a “substituta sexual” [uma terapeuta que trabalha diretamente com o corpo, chegando mesmo à prática sexual com o paciente] vivida com notável desprendimento por Helen Hunt, em sua única performance digna de nota desde, caramba, o Oscar de Melhor Atriz por “Melhor é Impossível”, há 15 anos. Já Hawkes, excelente em “Inverno da Alma”, mostra mais uma vez grande versatilidade, consegue comover sem apelações, mesmo estando deitado o filme inteiro. O diretor e roteirista Ben Lewin apresenta maturidade na condução das cenas, sobretudo no que mostrar ou não, fugindo sempre do fácil e do clichê melodramático. Claro que é impossível não incluir uma ou duas sequências um tanto carregadas, mas até que o filme consegue manter-se bem longe do dramalhão que poderia ter sido. A inserção do padre feito por William H. Macy nos leva a refletir acerca das introjeções advindas da religião e que, ao invés de ajudar, atrapalha significativamente a vida das pessoas, principalmente em casos nos quais os desejos internos entram em choque com o que é pregado na igreja. Uma obra com várias camadas, facilmente confundida com a busca por sexo, quando na verdade é sobre o direito que todos nós, indistintamente, temos de expressar o amor por meio do prazer sem culpa. [20.01.13]
 
NOT FADE AWAY * * *
[Idem, EUA, 2012]
Drama – 112 min
Criador da série de TV "Os Sopranos", David Chase debuta no cinema com retrato nostálgico, e musical, dos efervescentes anos 60 nos Estados Unidos. O roteiro, do próprio Chase, acompanha um grupo de amigos inspirados por Rolling Stones e The Beatles formando uma banda e, principalmente, tentando não fazê-la morrer no anonimato. Algo que a narração, feita pela irmã mais nova do protagonista, faz questão de sepultar qualquer esperança de sucesso ao afirmar, logo no começo do filme: “Como a maioria das bandas, você nunca ouviu falar deles.” Um “Quase Famosos” com fotografia de filme de máfia? Chase até tenta, com ótimas referências e aquele gostinho saboroso de ver os caras começando a tocar, depois fazendo shows na casa de amigos, evoluindo para colégios e, por último, gravadoras. Contudo, o interesse de David Chase é a relação entre os personagens, o conflito de gerações e, principalmente, como as transformações políticas e sociais que marcaram a década afetaram o comportamento dos jovens. Muita coisa soa didática e periférica, nada discutido é de fato novo ou particular, a não ser por se tratar do ponto de vista dos descendentes italianos. O desfecho lança a indagação para o espectador: “[...] a América deu ao mundo duas invenções com grande poder. Uma são as armas nucleares. A outra é o rock’n’roll. Qual dessas duas vencerá no final?” Uma questão, diga-se de passagem, mais atual do que nunca. [26.01.13]
 
TROPICÁLIA * * * ½
[Idem, BRA, 2012]
Documentário – 87 min
Marcelo Machado tenta passar a limpo o movimento cultural dos anos 60 encabeçado pelos músicos Gilberto Gil e Caetano Veloso com notável fluência narrativa. Digo cultural, pois perpassou por outras artes além da música, como foi o caso do cinema de Glauber Rocha e do teatro, notadamente a montagem de José Celso Martinez Correa para a peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade. O próprio nome, Tropicália, veio do artista plástico Hélio Oiticica e posto depois como título da música de Caetano. Era mesmo um modo particular de produzir cultura no Brasil da ditadura militar. A primeira parte do documentário é soberba, Machado constrói a narrativa com a voz dos entrevistados e muitas imagens de arquivo, algumas raras, outras já vistas em outros filmes. O resultado é uma autêntica janela aberta no tempo, depois é que se volta mais para o presente ao mostrar os entrevistados desfiando para a câmera suas memórias. Mesmo tendo Gil e Caetano como suas fontes primárias, Marcelo Machado não esquece outros personagens importantes, como Tom Zé, Jorge Mautner, os irmãos Baptistas e Rita Lee, de Os Mutantes, devidamente colocados no seu lugar de mérito. A verdade é que, após contextualizar muitíssimo bem o movimento, o recorte narrativo é o tropicalismo na música, na qual vingou mais, encerrando-se no retorno de Caetano Veloso do exílio. Mas é um documentário rico em historicidade, da cultural a política, apesar de sua curta duração. Talvez merecesse mais tempo o tema abordado. Acho que não cansaria. [03.02.12]
 
TERROR EM SILENT HILL: REVELAÇÃO * ½
[Silent Hill: Revelation, FRA/EUA/CAN, 2012]
Terror – 94 min
Essa continuação direta da eficiente adaptação de 2006 do game não passa de um caça-níquel pavoroso. E não me refiro ao pavoroso de dar medo – fosse isso ao menos –, mas ao pavoroso de dar sono. Seguimos os passos de Heather [Adelaide Clemens], filha adolescente da protagonista feita por Radha Mitchell no primeiro filme [também é a personagem principal do terceiro jogo], de volta à sinistra cidade Silent Hill, ou Colina Silenciosa. Ela descobre ser a parte boa da demoníaca Alessa, motivo pelo qual ela e o pai [Sean Bean, reprisando o papel] são perseguidos pela Ordem de Valtiel. O autor do roteiro original, Roger Avary, havia começado a trabalhar na sequência quando, em 2009, declarou-se culpado pelo acidente de carro que vitimara seu amigo italiano em janeiro de 2008 [o corroteirista de “Pulp Fiction” estava completamente bêbado e por pouco não causou também a morte da própria esposa], e a prisão, claro, impossibilitou-o de continuar na produção. Contudo, não há tragédia que tire dos produtores a ânsia pela grana; em 2010 contrataram Michael J. Bassett para, além de escrever, dirigir o filme. O resultado não faz jus nem ao jogo do subgênero survival horror, muito menos a quem apreciou a produção de 2006 comandada pelo francês Christophe Gans. Sem estrutura alguma, Bassett ressuscita as batidíssimas sequências de sonho/delírio desgastadas pelo gênero nos anos 80. Só piora quando põe os diálogos mais idiotas na boca de seus personagens. De qualquer maneira nos leva a uma Silent Hill habitada por horrendas figuras conhecidas, mas nem o Red Pyramid consegue causar maior impacto num enredo fajuto claramente desenvolvido às pressas. O maior atrativo aqui é descobrir se Sean Bean morre ou não [seus personagens morrem na maior parte dos filmes os quais atua, o que faz dele um spoiler de casting] no final. Mas é bem provável que, dependendo da refeição e da hora, você acabe dormindo antes. [10.02.13]
 
O MESTRE * * *
[The Master, EUA, 2012]
Drama – 137 min
Paul Thomas Anderson exercita um complexo estudo de personagens, apoiando-se nas ótimas performances de Joaquim Phoenix e Philip Seymour Hoffman. A “polêmica” em torno da produção é o fato do cineasta ter-se inspirado na vida do escritor estadunidense de ficção científica L. Ron Hubbard [1911-1986], fundador da Cientologia, ou, se preferir, a religião dos famosos. Phoenix é Freddie Quell, um fuzileiro naval que não sabe o que fazer com a própria vida após a 2ª Guerra Mundial. Seu comportamento intenso e autodestrutivo faz dele o protegido perfeito para Lancaster Dodd [Hoffman], figura carismática em plena emergência com o método d’A Causa, espécie de religião de autoajuda que usa a consciência de vidas passadas para tornar as pessoas bem sucedidas nos negócios. Ou algo assim. Na verdade, PT Anderson não se interessa tanto em esclarecer o que é de fato A Causa quanto em observar o campo energético propagado por seus personagens. Ele não hesita em expor as falhas de construção do tal “método” ou a falta de argumento de seu explosivo líder quando sabatinado acerca da base de sua teoria. Se para um estudo de personagens são elementos fascinantes, ficam a dever para a narrativa como um todo, pois nunca chegamos a compreender o que há de tão especial n’A Causa de Lancaster Dodd. Vai ver não há nada, e Anderson quer que percebamos apenas o poder do líder carismático na construção das ideologias. Pois bem, se seu talento geralmente passa por cima de sua indulgência em relação à estrutura de seus roteiros, dessa vez ocorre o oposto, e, por mais que existam qualidade e inventividade em sua narrativa, não fossem as atuações do elenco o filme naufragaria. Joaquim Phoenix está soberbo, num papel difícil, imprevisível, seu corpo inteiro é parte da construção do personagem, sempre curvado, tenso e pronto para explodir. Philip Seymour Hoffman, por sua vez, usa sua própria persona para fazer de Lancaster Dodd um articulador hipnotizante, convicto de suas ideias mesmo elas se contradizendo. Ainda temos Amy Adams no papel da esposa de Dodd que, sutilmente ou não, impõe sua influência sobre o comportamento do marido, tanto no campo profissional como no pessoal. Filmado inteiramente em 65mm, embora com a “janela americana” [1.85:1], é uma narrativa repleta de paradoxos e pretensões que vão além do olhar clínico sobre o choque/encontro de personalidades contundentes. Uma além do seu tempo; a outra perdida nele. [11.02.13]
 
NO * * * *
[Idem, CHL/FRA/EUA, 2012]
Drama – 118 min
O chileno Pablo Larraín reencena com pungência o plebiscito que derrubou o ditador Augusto Pinochet em 1988, após 15 anos de um poder opressor, e ainda discute os vieses morais da publicidade, sobretudo quando envolve marketing político. Por conta das pressões externas, Pinochet se viu obrigado a realizar um plebiscito para legitimar seu governo e, certo das contas que fez, garantir pelo menos mais oito anos à frente do Chile. A narrativa de Larraín começa aí, quando já se encontra acordado os 27 dias de campanha, com 15 minutos diários na televisão para o bloco do Sim e mais 15 para o bloco do Não. O mexicano Gael Garcia Bernal interpreta o jovem publicitário chamado para coordenar a campanha do Não. Talentoso na “arte” de vender comercialmente um produto, é exatamente o que ele faz: vende o Não como uma marca a ser consumida pela população, numa embalagem moderna, pop e atraente. Demora bem pouco a coisa passar a incomodar os militares, os quais achavam que não teriam qualquer dificuldade em “reeleger” o general Pinochet. Difícil desgrudar o olho da tela, mesmo o desfecho sendo conhecido. Para alcançar essa ótima dinâmica narrativa e nos transportar direto para os meandros da História, Pablo Larraín filmou toda a produção com a câmera analógica U-matic, a mesma usada pela televisão na época. O resultado é que ficção e realidade se confundem numa organicidade preciosa. Em vários momentos, é difícil saber o que o diretor filmou e o que ele retirou de imagens de arquivo, pois tanto a textura quanto a razão de aspecto do quadro são as mesmas. Se há quem considere a estética adotada um desserviço em tempos de HDTV, fico com os que acham oportuna a abordagem para discutir o próprio cinema enquanto reconstrução histórica dos fatos. Até que ponto devemos realmente saber, num filme, o que foi encenado para a câmera e o que foi capturado por ela? Está aí um objeto de pesquisa maravilhoso para os acadêmicos de plantão, que já devem ter se desdobrado sobre os docudramas, ou falsos documentários. Só essa discussão subjacente ao tema principal faria desse último capítulo da trilogia de Pablo Larraín acerca da era Pinochet [os anteriores são “Tony Manero” e “Post Mortem”] uma sessão obrigatória. [11.02.13]
 
A FEITICEIRA DA GUERRA * * * ½
[Rebelle, CAN, 2012]
Drama – 90 min
Kim Nguyen consegue fazer um relato forte e ao mesmo tempo humano, por vezes poético, do inferno vivido pelas crianças-soldado na África Subsaariana. O cineasta canadense nos conta a história de Komona, que aos 12 anos é retirada de seu vilarejo para se unir aos rebeldes liderados pelo Grande Tigre Real contra as forças do governo. Antes de integrar esse exército marginal, a garota é obrigada a fuzilar os próprios pais, quase num rito de passagem, sendo assombrada por seus fantasmas daí por diante. Não só por eles, mas também pelos fantasmas da guerra civil, o que a torna um talismã para os rebeldes. Em meio ao horror da pesada realidade, suas visões servem quase como uma fuga. Ela narra suas desventuras ao filho prestes a nascer e reza para não odiá-lo por ser fruto dos horrores pelos quais passa. É possível nutrir esperança num contexto tão cruel? Komona acredita que sim ao iniciar um romance com o albino apelidado de Mágico. Porém, não tarda muito para ser arrastada de volta ao pesadelo que cerceia o otimismo de quem deseja estar em qualquer parte do mundo, menos ali. Incrível a força que a narrativa de Kim Nguyen imprime a esse quadro infernal de uma realidade a qual nós, distantes que estamos, nem pensamos muito. Quase uma porrada de desesperança no estômago o quanto um exército composto por crianças e adolescentes soa irreal. Mas é real, muito, e o filme nos joga no interior disso, obriga-nos a sentir a impotência de apenas observarmos pela ficção o que acontece – e, pior, é comum – nesse canto do planeta. Incrível a maneira como a novata Rachel Mwanza nos guia pela história, como nos passa todo o calvário pelo qual sua personagem passa até os 14 anos pontuados pela narrativa de Nguyen. É desses filmes que de fato são obrigados a serem feitos – e mais ainda a serem vistos. [12.02.13]
 
EXPEDIÇÃO KON TIKI * * * ½
[Kon-Tiki, GB/NOR/DIN/ALE, 2012]
Aventura – 118 min
Bem sucedida recriação da arriscada aventura vivida pelo explorador norueguês Thor Heyerdhal em 1947, no Oceano Pacífico, a bordo de uma jangada de madeira. Ele queria testar sua teoria de que a Polinésia foi colonizada por índios da América do Sul, que lá chegaram, na era pré-colombiana, exclusivamente pelo mar. Para tal, construiu uma jangada sob as mesmas condições das usadas pela tribo kon-tiki e embarcou nessa expedição de 101 dias pelo oceano junto com outros cinco tripulantes. A experiência já havia virado um premiado documentário feito próprio Heyerdhal, intitulado “Kon-Tiki”, lançado em 1950. Contudo, o cinema sempre enxerga a necessidade de reencenar as histórias reais, deixando-as aptas a grandes plateias. E até que o resultado é acertado, nessa produção norueguesa com orçamento alto para seus padrões. Como não poderia deixar de ser, o foco narrativo é a personalidade de Thor Heyerdhal e sua extrema convicção naquilo o que pretende provar, mesmo que isso lhe custe a separação da família ou ainda a própria vida. A obstinação não conhece limites e só a História é capaz de fazer jus a ela. O curioso é o apelo do líder carismático perante seus súditos. A embarcação passa por maus bocados em meio a tempestades e tubarões, chegando mesmo a ser tida mais como suicídio do que como uma pesquisa científica. Os efeitos visuais são caprichados, sobretudo os tubarões e um poético 360 graus em torno do ponto do barco em relação ao próprio Universo. Dirigido com muita eficiência pela dupla Joachim Ronning e Espen Sandberg [“Max Manus”, 2008], é um filme envolvente, cheio de aventura, perigo, todos os elementos indispensáveis a uma jornada em alto mar. E o melhor de tudo, realizada bem longe das águas rasas de Hollywood. [17.02.13]
 
A LATE QUARTET * * *
[Idem, EUA, 2012]
Drama – 106 min
Elenco de primeira linha nesse drama sobre como um instrumento desafinado pode descompassar a música por inteiro. No quarteto de cordas composto por Philip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Mark Ivanir e Christopher Walken, a aposentadoria forçada deste último por causa do Mal de Parkinson é apenas o estopim do desentendimento do restante. Os rancores e conflitos de ego adormecidos pelos 25 anos de sucesso do grupo despertam furiosamente perante a iminência do seu fim. A qualidade do texto escrito pelo diretor Yaron Zilberman, estreando na ficção, em parceria com o músico-cineasta Seth Grossman, só perde força para sua estrutura pontuada por obviedades. E aí temos um caso extraconjugal motivado por insegurança, o conflito quem é melhor músico e o romance entre um membro do quarteto e a filha do outro. Zilberman, nascido em Israel e que antes dirigira o documentário “Watermarks” [2004], acerta em deixar o quarteto como protagonista da história, e é interessante vermos a dinâmica pessoal e criativa de artistas que trabalham juntos há décadas, como os quatro músicos se compreendem ou se desacordem somente pelo olhar. É, em essência, uma família; não à toa o desentendimento do grupo parece dar-se nessa esfera mais íntima, quase como irmãos com inveja uns dos outros. Ao mesmo tempo, a narrativa mostra o quão frágil é o ego artístico de quem possui dúvidas acerca do próprio talento, basta um comentário e a existência do sujeito entra toda em colapso. Temas que poderiam ser trabalhados num contexto mais fresco e contundente. Porém, só em ter como colágeno da estrutura o “String Quartet No. 14, Op. 131” de Beetholven torna o filme super atrativo para aqueles que curtem o melhor da música erudita. [17.02.13]
 
CÉSAR DEVE MORRER * * * *
[Cesare Deve Morire, ITA, 2012]
Drama – 76 min
Os irmãos Taviani, Paolo e Vittorio, permitem se perder entre o real e a ficção para essa versão da peça shakespeariana “Júlio César” [1599] transcender a metalinguagem e a si mesma. Seria injusto chamar a experiência sócio discursiva concebida pelos cineastas italianos de um mero “mockumentarie” – ou docudrama. É bem mais que isso, é costurar a linguagem narrativa ficcional a partir do registro da realidade. Sem saber onde exatamente começa a encenação e termina o registro dela, acompanhamos a montagem da peça dentro de um presídio de segurança máxima. Os personagens são presidiários e ex-presidiários reais [que se tornaram atores de fato] sob o comando do diretor de teatro Fabio Cavalli. A proximidade dos temas tratados por Shakespeare com a realidade dos presos-atores oferece uma nova leitura da própria obra original, assim como o fascínio de tentar adivinhar se isso faz parte do roteiro ou se é algo capturado “espontaneamente” pela câmera. Além desse discurso acerca do próprio discurso, os veteranos irmãos não esquecem o foco no papel transformador da arte, não importam os crimes cometidos pelos personagens. A entrega dos aparentes não atores a seus papéis, tanto na peça encenada quanto na encenação de si mesmos, ajuda a confundir mais ainda realidade de ficção. Quando os guardas observam o desenrolar do ensaio de uma cena, ali são personagens ou reações verdadeiras dos próprios guardas? Amplio a indagação a todos os momentos nos quais os diálogos de William Shakespeare levam seus intérpretes a refletir. São eles refletindo de fato ou é o roteiro dos Taviani querendo fazer um nó em nossas cabeças? A excelente montagem de Roberto Perpignani não facilita a resposta. E aquela fala final catártica sobre o verdadeiro estado da arte quebrando a “quarta parede”? De quem é? Mas, afinal, importa? São essas pequenas delícias retóricas da linguagem e da arte se misturando que tornam essa uma pérola a ser experimentada. [26.02.13]
 
PROCURANDO SUGAR MAN * * * *
[Searching for Sugar Man, SUE/GB, 2012]
Documentário – 86 min
Só um conselho: assista a esse ótimo documentário sem saber quem foi Sixto Rodriguez. Vai surpreendê-lo. Apesar de ter consciência do paradoxo provocado pela dica acima, uma vez a curiosidade humana por saber [nesse caso, num sentido pedante, egoísta e vazio] não esperar passar primeiro a carroça para só depois ir à busca dos nomes dos bois. O curioso é o fato do filme escrito e dirigido por Malik Bendjelloul, debutante, ser em essência o retrato de uma busca tardia por reconhecimento. Rodriguez, como o documentário afirma, poderia ter sido o próximo Bob Dylan, mas gravou apenas dois LPs desconhecidos no comecinho dos anos 1970 e ficou por isso mesmo. Nem seu suposto suicídio no palco, com diferentes versões, ajudou-o a se tornar pelos menos uma dessas figuras cult nos Estados Unidos. Nada, nenhum estadunidense sem ligação direta com o sujeito saberia dizer quem foi Sixto Rodriguez. E o pior, por que a pergunta? Simples, porque a centenas de quilômetros dali [Detroit], na África do Sul do auge do apartheid Rodriguez se transformou no grito de rebeldia capaz de mudar o curso da História. Aí, meu amigo, a indagação amplia para: alguém sabia disso? Fascinante como o filme retoma nas entrelinhas o mundo pré-internet. Hoje sabemos o que acontece com um desconhecido numa esquina qualquer da China, enquanto antes os entraves geográficos influenciavam no fluxo da comunicação a ponto de um músico ser tão popular quantos os Beatles e nem chegar a ter conhecimento disso. Hoje você toca uma música no seu quarto e todo mundo sabe quem você é pelo YouTube. Tudo isso só torna mais espantosa a história de Sixto Rodriguez, e se não quero falar muito é para não tirar o prazer de você descobri-la por meio desse documentário musical produzido por Simon Chin, o mesmo por trás do extraordinário “O Equilibrista” [2008], sobre Phlippe Petit. Se naquele, a narrativa é pautada pela persistência da busca pela realização de um sonho, nesse temos o oposto, o sonho que passou, que foi deixado de lado, vai atrás de reparação. Como se os verdadeiros sonhos fossem mesmo impossíveis de serem esquecidos, superados. E quem foi mesmo esse trágico, melancólico, sábio, resignado Sixto Rodriguez? Primeiro, assista ao filme; depois corra atrás dele. [28.02.13]
 
ELEFANTE BRANCO * * * ½
[Elefante Blanco, ARG, 2012]
Drama – 107 min
O argentino Pablo Trapero usa mais uma vez Ricardo Darín em um filme-denúncia cheio de excessos temáticos. Os quais diluem o foco da narrativa, mas não chegam a prejudicar de maneira irreversível a experiência cinematográfica. Claro que o filme empalidece diante do anterior, “Abutres”, mas consegue manter o interesse até a cena derradeira, graças à qualidade das atuações e ao virtuosismo da câmera de Trapero, capaz de nos lançar no seio de uma realidade muito a ver com a nossa. Darín e o belga Jérémie Renier são padres favelados na Vila Virgem, em Bueno Aires, comunidade formada no entorno de um gigantesco hospital inacabado [o elefante branco do título]. Junto com a assistente social interpretada por Martina Gusman, esposa do diretor e corroteirista, eles lutam diariamente para manter a ordem num território dominado por traficantes e suas facções inimigas. A maior denúncia da obra é o descaso da própria igreja, seu alto clero, com o que ali acontece, e Pablo Trapero não suaviza em nada essa negligência. Aproveita para trazer à tona o nunca resolvido assassinato do padre Carlos Mugica em 11 de maio de 1974, a quem o enredo é dedicado. Não me incomoda tanto o excesso de temas, e sim eles serem abandonados um a um sem maior reverência, como a doença do protagonista e o envolvimento de seu protegido com a assistente social. Em nada acrescentam à principal premissa, essa sim contundente, relevante socialmente, mostrando um cinema argentino com peito para cutucar as questões tortas de seu país. Ao invés disso, funcionam quase como distrações dramáticas à temática maior, inserida num roteiro que demora a pôr todas as peças em seus lugares devidos. Como se Pablo Trapero quisesse desafiar o próprio talento enquanto narrador de histórias, mesclando o artificial com o substancial. Um risco sempre interessante para se acompanhar de perto. [03.03.13]
 
OS INFRATORES * * *
[Lawless, EUA, 2012]
Policial – 116 min
Um daqueles filmes que transformam os fora da lei em heróis lendários e até mesmo românticos. Bem didático sobre a Lei Seca de 1920 a 1933 nos Estados Unidos. Mas se engana quem espera outra trama passada em Chicago, desfilando personalidades criminosas como Al Capone e outros gângsters que fizeram farra também no cinema. Aqui, a história se passa no interior, no Condado de Frankin, palco dos irmãos infratores Bondurant, que fabricavam e traficavam bebida destilada para além de sua própria região. Tudo é contado pelo ponto de vista do irmão mais novo, Jack [Shia LaBeouf], afoito para entrar nos negócios dos mais velhos,  Forrest [Tom Hardy] e Howard [Jason Clarke], o cão de guarda do trio. O roteiro escrito pelo também músico Nick Cave se baseia no livro escrito pelo neto do personagem Jack, Matt Bondurant, publicado em 2008 sob o título “The Wettest County in the World”. Cave já é parceiro do cineasta australiano John Hillcoat [“A Estrada”, de 2009], para o qual assinou o roteiro de outro filme sobre irmãos perseguidos pela lei, “A Proposta” [2006]. Guy Pearce está em ambos, neste daqui como o esquisito agente especial Charley Rakes, obcecado até o fim em pegar os Bondurant. Para não virar um filme só com macho, há dois romances paralelos, um com Jessica Chastain e outro com Mia Wasikowska. Também conta com a participação de Gary Oldman, na pele do mafioso Floyd Banner. Com bom ritmo e certa atenção aos personagens, não chega a ser um filme merecedor de destaque numa lista do subgênero, mas é uma diversão tranquila acerca desse fatídico período da história estadunidense. [04.03.13]
 
ALÉM DAS MONTANHAS * * * *
[Dupa Dealuri, ROM/FRA/BEL, 2012]
Drama – 146 min
Cristian Mungiu examina bem de perto os terríveis reflexos do fanatismo religioso, ou algo muito parecido, na Romênia pós-comunismo. O governo socialista ditatorial de Nicolae Ceausescu, que durou de 1965 a 1989, reprimiu todas as liberdades de expressão, incluindo aí a religião. Assim, é fácil imaginar como deve ter sido a proliferação religiosa no país depois da derrubada de Ceausescu, conformando a atual Romênia, sem uma religião oficial, porém impregnada pela mais extrema ortodoxia cristã. É nesse contexto que Mungiu nos lança para acompanharmos o reencontro entre Alina e Voichita. A primeira vem da Alemanha para reclamar as promessas da segunda de finalmente viver a paixão da juventude, só que esta agora vive num convento nas montanhas em total paz e harmonia espiritual, sob a rédea curta do padre líder. Alina não se conforma com a escolha da antiga amante e desestabiliza a rotina do convento. Seu comportamento passional é confundido com possessão demoníaca, o que conduzirá a um trágico e inconsolável desfecho. Cristian Mungiu já havia nos presenteado com o devastador “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” em 2007, capaz de fazer qualquer mulher evitar o aborto. Novamente, traz uma história envolvendo duas amigas, ou mais do que isso, dessa vez impedidas de concretizar o afeto de uma pela outra. Mas o filme não é exatamente sobre isso, e sim, como já comentei, das consequências drásticas do país estar mergulhado numa religiosidade exacerbada, a ponto de uma auxiliar de enfermagem receitar oração para curar uma paciente. E o que dizer dos mais de 240 tipos de pecados listados num livrinho de preparo à confissão? A câmera de Mungiu não deixa escapar nenhum detalhe com seu virtuosismo, fazendo da própria narrativa a natureza mais forte do filme. Não à toa, o cineasta filmou seu roteiro em continuidade, dando espaço para as nuanças fluírem sem artificialismos, a fotografia assinada por Oleg Mutu ter seus momentos de contemplação e o trabalho das debutantes Cosmina Stratan e Cristina Flur ser reconhecido em Cannes. Cheio de sutileza e perspicácia, Cristian Mungiu adaptou os relatos escritos por Tatiana Niculescu Bran para entregar um filme capaz de provocar uma profunda revolta reflexiva. [24.03.13]
 
A CAÇA * * * *
[Jagten, DIN, 2012]
Drama – 115 min
O dinamarquês Thomas Vinterberg mostra o poder destrutivo de uma acusação capaz de deflagrar a total intolerância dos adultos. Algo compreensível quando se trata de abuso sexual infantil, um tema sempre delicado, e caro, para o cinema explorar. A história gira em torno de um professor do jardim da infância numa cidadezinha interiorana que passa a ser alvo [caça?] da revolta dos habitantes após uma garotinha mentir acerca do abuso. Isso mesmo, Vinterberg deixa claro desde o início tratar-se de um terrível equívoco coletivizado pelo teor da acusação e habilmente constrói todo o contexto dessa vingança, digamos assim, por parte da menina, que apenas repete o aprendido em casa por conta de uma “rejeição amorosa”. Mas a questão-tabu é tão pesada, reforçada pela crença de que criança não mente, a ponto do protagonista ver pouco a pouco sua vida destroçar-se diante dos seus olhos. Ele se transforma num pária, num monstro para os próprios amigos, e parece que a verdade se perde de vez no meio da indignação que se alastra e toma como verdade o que é apenas imaginação. Não precisa nem mencionar o incômodo que é acompanhar a descida ao inferno do protagonista, com a brilhante performance de Mads Mikkelsen, premiado em Cannes. A narrativa de Thomas Vinterberg é tão bem construída que, mesmo sentindo revolta pelo julgamento social de um inocente, compreendemos, e essa é a parte movediça da abordagem, a reação dos acusadores. Afinal, o abuso sexual infantil é dos crimes mais hediondos, grotescos, que se pode cometer. Só a suspeita mancha a pessoa de maneira irreversível, embora haja um curioso otimismo no filme de Vinterberg. Impossível não lembrar o caso nos Estados Unidos com a família McMartin, donos de uma escola e acusados pelas crianças de abuso, que gerou o pesadíssimo “Acusação” [1995], com James Woods, ou “O Lenhador” [2004], pondo Kevin Bacon na pele de um pedófilo tentando reintegrar-se à sociedade. Ele consegue? No caso da obra do diretor de “Festa de Família” e “Querida Wendy”, nem o espectador escapa de, mesmo por um segundo, questionar-se acerca da verdade. Há uma aflição íntima e velada quando, já no final, Mikkelsen pega a menina nos braços e a ajuda a atravessar uma antessala com azulejos confusos. Um ingrato sintoma inerente ao ser humano de que se pode duvidar do bem, mas do mal jamais. [26.03.13]
 
O SOM AO REDOR * * * *
[Idem, BRA, 2012]
Drama – 131 min
Kleber Mendonça Filho faz uma instigante radiografia de uma emergente classe média deslocada e incomodada consigo mesma. De quebra, mostra suas origens colonialistas e coronelialistas ainda enraizadas nas relações contemporâneas, sobretudo as hierárquicas. Refinadamente, não chega a apontar dedos ou culpados, apenas as reflete como um espelho cruel. Parece que o filme pede de todos os críticos uma análise sociológica à luz de Gilberto Freyre em “Casa-Grande & Senzala” ou Sérgio Buarque de Holanda. Sim, o quarteirão retratado no filme remete a um engenho, algo sugerido logo no começo, no corte das fotografias em preto e branco para os ambientes do condomínio e as ruas vistas de cima. Sim, o personagem de W. J. Solha representa o ranço mais bruto do patriarcalismo e os seguranças liderados por Irandhir Santos seriam os capitães do mato. Teríamos até mesmo um abolicionista [Gustavo Jahn] e uma escrava recém-alforriada [Maeve Jinkings]. O que deve estar impressionando as pessoas é a inserção desses elementos de maneira astuta e consciente no cenário urbano de um roteiro atualíssimo. Mendonça Filho conduz a história sem pressa, de forma realista, sem nunca apelar para subterfúgios vazios de dramaturgia. Segue, como ele mesmo diz, uma “lógica da vida” para não entregar a cereja do bolo: o modo como o espectador se lembrará do filme depois, sugerido nas metáforas lançadas ao longo do desenrolar da crônica pernambucana, no genial uso do som a criar significações aterradoras. É, em essência, uma obra experimental, sujeita a acertos, erros, uma penca de interpretações. O risco é sempre bem vindo, pois é parte do processo; e curiosamente a obra revela seu processo cena a cena, na monocórdia das performances [distanciamento de Brecht?] que dividem opiniões, no ritmo lento que entrelaça as três partes da narrativa rumo a um desfecho não surpreendente, mas inesperado. Quem sabe com meia hora a menos e mais pistas sutis do segredo final deixassem a experiência mais próxima de ser seminal. O que é inegável é o talento de Kleber Mendonça Filho para conduzir o espectador pelas sensações que deseja fazê-lo sentir. Lição muito bem assimilada pelo crítico de mestres como Hitchcock e Truffaut. [31.03.13]
 
A ORIGEM DOS GUARDIÕES * * *
[Rise of the Guardians, EUA, 2012]
Animação – 97 min
As lendas do imaginário infantil se unem com uma nova roupagem nessa animação 3D sobre encararmos o medo de frente. Popularizadas pelo capitalismo ocidental e relacionadas a feriados festivos [dia de arrancar dente é quase um feriado forçado para crianças pequenas], essas figuras povoam nossa imaginação até descobrirmos não serem reais [nosso primeiro luto simbólico], mas estão ali a nos ensinar os valores bem quistos pela sociedade. A sacada do escritor, ilustrador e animador William Joyce, cuja série de livros “Guardians of Childhood” inspirou o filme, foi transformar Papai Noel, Coelho da Páscoa, Fada do Dente e Sandman, o arquiteto dos sonhos, em verdadeiros guardiões da inocência da infância. Sem falar no visual pós-moderno de cada um deles, como o Noel, ou Norte, ser um cossaco russo pronto para a briga e o Coelhão mostrar-se como um humanoide australiano estilo guarda florestal. Na trama adaptada pelo dramaturgo David Lindsay-Abaire [“Reencontrando a Felicidade”, 2010], os quatro precisam juntar-se ao travesso Jack Frost para impedir o vilão Breu de propagar seus pesadelos nunca escala global. Lógico que a própria premissa possui um grande furo, pois tudo se desenrola nos Estados Unidos. Peter Ramsey, desenhista de storyboard, estreia na direção de longas imprimindo um ótimo visual ao 3D computadorizado, com consultoria do fotógrafo Roger Deakins, e um ritmo que oscila, mas leva ao desfecho sem maiores problemas – dependendo da idade espiritual do espectador. As vozes são feitas por Chris Pine [Frost], Alec Baldwin [Norte], Hugh Jackman [Coelhão], Isla Fisher [Fada] e Jude Law [Breu ou Pitch, no original]. Mais do que uma fantasia para a criançada, o filme aborda o velho tema de descobrir sua função, seu lugar no mundo, aqui dentro da jornada dramática de Jack Frost. Não é dos plots mais originais, a gente sabe, mas dá para desopilar. Sobretudo se pensarmos em 2012 como um ano que foi fraco para o cinema de animação. OBS: Não confundir com outra animação, “A Lenda dos Guardiões” [2010], dirigida por Zack Snyder. Uma não tem nada a ver com a outra. [08.04.13]
 
IZMENA * * ½
[измена, RUS, 2012]
Drama – 113 min
Esse drama russo dirigido por Kirill Serebrennikov, também coautor do roteiro, até começa de maneira promissora, mas segue vazio lá pela metade sem saber direito o que contar. Pelo menos eu tive essa sensação de tepidez, frouxidão na estrutura narrativa. Nem tanto pelo ritmo em si, mas pelos próprios movimentos da história e, em particular, pelas reações dos personagens. O início, como eu disse, é instigante: o sujeito [Dejan Lilic] vai fazer exame de rotina numa cardiologista [Franziska Petri] e é informado por ela que seus respectivos cônjuges estão tendo um caso. Logo na cena seguinte, ele, atordoado, escapa de um acidente fatal, e isso nos faz, obviamente, esperar um grande filme. Que nunca chega a acontecer. Os dois se envolvem, meio na marra, como vingança, mas o suposto romance é interrompido pelo assassinato dos outros amantes. Parece-me, se não me engano, que a ideia de Serebrennikov era fazer um neo-noir em torno do tema traição, esse o título original da obra. E de fato a intenção existe, é visível na mise-en-scène. O desenrolar é que não faz jus à premissa, justamente pela sensação de morno. Pensando bem, ela seria a femme fatale, manipulando-o [os nomes dos personagens nunca são mencionados] desde o início, e o segundo assassinato da trama talvez esclareça o primeiro, em determinados pontos. Aliás, planta-se a dúvida acerca da última morte, pois pode ter sido natural pela fala do policial. Subterfúgios narrativos, mais interessantes no texto do que no filme propriamente dito. Apesar disso, duas coisas me chamaram mais a atenção: a investigadora amarga que pede a ele, o protagonista, um beijo e depois fica rindo, e a elipse feita com ela trocando de roupa no meio do mato e entrando no carro, quando descobrimos terem se passado cinco anos. O mote então é o reencontro dos cúmplices para, finalmente, viverem o caso, dessa vez na mesma condição dos mortos. Sacadas interessantes num filme que pedia um pouco mais de talento na maneira fria como foram conduzidas. [14.04.13]

SETE PSICOPATAS E UM SHIH TZU * * ½
[Seven Psychopaths, GB, 2012]
Comédia - 110 min
O britânico Martin McDonagh brinca com a metalinguagem, mas cansa de tanto ficar dando voltas em torno da mesma ideia. É um problema recorrente em escritores-diretores [não diretores-escritores]: supervalorizar seus próprios roteiros sem perceber a indulgência contida em sua sequência “maravilhosa” de cenas. McDonagh nos presenteou com uma pérola em 2008, “Na Mira do Chefe”. Aqui, ele parece ter esquecido que o êxito de seu filme anterior deveu-se à harmonia entre os mais diversos elementos narrativos. Não que misturar um roteirista com bloqueio [ideia nova, hein?] com o cãozinho roubado de um mafioso não pudesse render uma excelente história.\ Poderia, mas não acontece nessa comédia de suspense que enfatiza mais o lado cômico do inusitado plot. Tudo bem, temos um humor inteligente comentando [e criticando] o próprio cinema violento. Entretanto, a premissa se torna ultrapassada antes da metade da produção, e quando se espera que o talento do autor venha com inovações, ele estagna e se deleita em ir apenas “inusitando” mais as coisas. O tom do resultado final oscila entre os gêneros e a tão contundente crítica revela somente o ponto mais fraco de uma narrativa que tinha tudo para ser engenhosa. Fica para a próxima, Martin. [10.01.13]

A VIAGEM * * *
[Cloud Atlas, ALE/EUA/HKG/SIN, 2012]
Ficção - 172 min
Os irmãos Wachowski [“Matrix”] e Tom Tykwer [“Perfume”] orquestram essa ambiciosa narrativa sobre karma e reencarnação saída do cultuado livro de David Mitchell. São seis histórias que vão se entrecruzando no tempo e no espaço ao longo de diferentes épocas para mostrar o que fala Nietzsche acerca do eterno retorno. E é engraçado, ao mesmo tempo triste, perceber o quanto tudo está conectado [assim afirma a tagline] de uma maneira desconectada. Destino e livre arbítrio podem coexistir holisticamente? Sim, é um filme filosófico, desses que custam 100 milhões de dólares para não render nem um terço da quantia. Até gosto da ousadia, era um fracasso anunciado. Gosto também da dificuldade imposta pela narrativa quebrada em pedaços das seis histórias, embora alguns elos de ligação soem frouxos e as histórias nunca dão realmente tudo de si. A maquiagem dos atores revezando papéis está ótima, alguns estão irreconhecíveis. Só não gosto mesmo da falta de um tema mais original para ser explorado, da sensação de filme-livro de autoajuda e da tradução vergonhosa do título “Cloud Atlas”. O responsável por isso não entendeu uma linha sequer da sinopse que leu. [11.01.13 – cinema]

DETONA RALPH * * *
[Wreck-It Ralph, EUA, 2012]
Animação - 108 min
Essa "homenagem" da Disney, em animação 3D, aos games começa com muito mais potencial do que quando termina. O protagonista é o vilão do jogo de fliperama “Conserta Félix Jr.”, Ralph, que está passando por uma crise de identidade. Para provar que também pode ser herói e conquistar medalhas, o grandão abandona seu jogo e arruma a maior confusão pela vizinhança, isto é, em outros jogos. Parece cada vez menos incomum as animações focarem nos antagonistas, como “Megamente” e “Meu Malvado Favorito”. Será que o arquétipo do herói está ultrapassado e os vilões estão mais interessantes até para as crianças? Aqui, temos o vilão que precisa dar uma de herói para se descobrir vilão novamente. Uma jornada sempre com muito a ensinar, obviamente, mas que também já está ficando batida. Os geeks encontrarão centenas de referências a jogos velhos e novos, e não deixa de ser um aperitivo a mais. Porém, os mesmos reclamam serem referências vazias ou que distorcem a fonte original. Não desconfio e nem afirmo, apenas acho pálido o conflito se desenrolar perante uma dessas corridas de Mario Kart. As possibilidades pareciam bem maiores, a meu ver. A ideia de dar vida ao mundo dos jogos possui clara inspiração de “Toy Story” e possibilita ótimas sacadas, como um personagem 8-bits se apaixonar por outro em alta resolução. Só não sei se, nas entrelinhas, é a melhor das mensagens. A menininha “bug” inspirada em [e com a voz de] Sarah Silverman ajuda a simpatizar o filme com todos os públicos, tornando a jornada bem emotiva. [15.01.13 – cinema]

PROJETO FILADÉLFIA * *
[The Philadelphia Experiment, CAN, 2012]
Ficção - 85 min
Telefilme canadense com premissa interessante, inspirada num fato tido como real por muitos, porém com desenlace bem fraquinho. Na verdade, é um remake do filme de 1984. Ficcionaliza em cima de um suposto experimento ocorrido em 28 de outubro de 1943 na Filadélfia, Pensilvânia, quando o contratorpedeiro – ou destroier – de escolta USS Eldridge teria ficado invisível por um curto intervalo de tempo. A Marinha dos Estados Unidos até hoje nega a veracidade do evento, o qual teria sido uma aplicação militar da teoria do campo unificado de Einstein [uma teoria de tudo, juntando relativismo com eletromagnética], mas não impediu que pipocassem teorias da conspiração acerca do fato. À parte o fascínio da imaginação coletiva, a trama põe o USS Eldridge aparecendo em agosto de 2012, durante outra experiência semelhante. O resto é fácil de adivinhar, gente querendo resolver a crise espaço-temporal de uma maneira ou de outra. A grande questão aqui é: pode o formato influenciar a qualidade do filme? Se fosse voltado ao cinema, e não para a televisão, teríamos um melhor resultado com tal história? Já assisti a ótimos telefilmes, os quais nada devem aos seus primos cinematográficos, assim como séries de produção luxuosa, impecável. Estão dizendo que a TV é o futuro da sétima arte. Será mesmo? Não desconfio nem acredito, apenas sei que talentos bons e duvidosos existem em qualquer área. E sempre existirão. [01.02.13]

ANNA KARENINA * * ½
[Idem, GB, 2012]
Drama - 129 min
O cineasta Joe Wright entrega uma adaptação de Leon Tolstói cheia de beleza e inventividade narrativa, mas, quem sabe por causa de todo esse experimentalismo, não consegue envolver emocionalmente o espectador. Depois de ser bem sucedido ao levar às telas Jane Austen [“Orgulho & Preconceito”] e Ian McEwan [“Desejo e Reparação”], Wright parecia o nome certo para uma nova releitura do livro publicado entre 1873 e 1877, sobre o escandaloso caso extraconjugal da personagem-título em meio à aristocracia da Rússia Czarista. Todavia, implico com as duas mais importantes decisões do diretor: trabalhar pela terceira vez com Keira Knightley e pegar o livro do historiador inglês Orlando Figes, “Natasha’s Dance” [2002], como inspiração para uma montagem teatral em frente à câmera. Em outras palavras, quase todos os cenários do filme se revezam em uma espécie de teatro com dois andares, às vezes sem corte de uma cena para outra. Se o recurso é tecnicamente primoroso, soa inorgânico numa visão macro nesse exemplo específico. Wright escancara o fake de sua narrativa para enfatizar uma hipocrisia social, no período em que manter as aparências era a parte mais preciosa do jogo. Certo, entendo a motivação por trás dessa abordagem. O fato é que, ao menos foi assim comigo, a mise-en-scène soa artificial o filme inteiro, os atores atuando em suas marcações perante as piruetas da câmera, a iluminação dentro do timing oscilando a psicologia da cena, as transições sem cortes ou disfarçando-os, tudo encenado como um balé, tão perfeito que não deixa de ser... fake. Em momento algum, Joe Wright nos permite abstrair estarmos assistindo a um filme, esteticamente sofisticado, mas ainda assim um filme, com a quebra da “quarta parede” acontecendo de forma constante da primeira à última cena. Não tenho absolutamente nada contra o recurso brechtniano, sou um entusiasta do teatro épico, contudo a reflexão crítica provocada pelo efeito-v, o estranhamento por parte do espectador, não me parece acrescentar nada positivo a, enfatizo, essa experiência cinematográfica específica. Wright até tenta justificar a linguagem usada pondo o personagem Levin, que em seu arco dramático toma consciência da terra e do trabalho, em locações reais. Porém, o foco nele quase soa como um pano de fundo, não induz à reflexão social presente na obra de Tolstói. O efeito-v é brilhantemente eficaz quando a própria premissa o autoriza ou quando estamos diante de uma metalinguagem justificada por uma metaficção, o que não parece ser o caso aqui. Já Keira Knightley apenas se copia no vazio de seu sorriso encenado e dos espartilhos dos quais um dia ela prometeu que passaria longe. Caso queira se reinventar, melhor começar a cumprir suas promessas. [12.02.13]

DE PERNAS PRO AR 2 * * ½
[Idem, BRA, 2012]
Comédia - 98 min
Repeteco do primeiro filme, mudando apenas a geografia e amenizando as gags sexuais. Mas não chega a ser um desastre total. Não como foi, por exemplo, “Os Penetras”, que de engraçado só tinha mesmo a intenção. Já deixou de ser sintoma para se tornar metástase: o boom da comédia nacional quase não acerta uma. A fórmula rasteira da narrativa cômica televisiva está tão desgastada em tão curto tempo que espanta a rapidez com que isso aconteceu. A televisão adestrou muito bem o público médio e esse público se fez – ainda se faz – massivamente presente nas salas de cinema. Mesmo assim, o interesse pelo gênero está caindo consideravelmente. Basta vermos os números do market share do cinema nacional de 2012, há uma queda de mais de 2% em relação a 2011, e quase 9% em relação ao que foi arrecadado em 2010 por produções brasileiras. O pior é que os realizadores não parecem notar o arrefecimento do fenômeno e continuam investindo na comédia, agora com o exclusivo propósito de alcançar o sucesso fácil. Como deixa claro o “teaser” de “Minha Mãe é uma Peça”, quando ela afirma que drama é sinônimo de bilheteria fraca e que seu filme será um blockbuster. Por trás do texto, há o discurso do medo prenunciado pelos números do market share; associar comédia com êxito comercial é puro marketing para consumidores estúpidos, sendo o próprio “teaser” fraquinho. Enquanto isso, os dramas premiados em festivais aqui e fora não encontram espaço no mercado, pois eles [eles quem?] fazem a cabeça do grande público a engolir sem chiar a fórmula da TV e rejeitar o cinema feito por quem entende cinema enquanto linguagem. Logo após o “teaser” panfletário pró-comédia, passa o trailer de, ora só, um drama brazuca com Vagner Moura em busca do filho, com todo o jeito de ser interessante. Se não fosse Vagner Moura ali, teria pena do prejuízo que os espectadores manipulados dariam aos produtores. Tudo bem, desabafo feito, mas e quanto ao filme com Ingrid Guimarães, Maria Paula e Bruno Garcia? Certamente, quem gostou do original de 2010 não deve reclamar muito. A não ser que perceba o politicamente correto deixando o filme apto a ser consumido por toda a família, perdendo o barato da chanchada mais ousada [se fosse década de 80...]. Ou então se incomode por ser quase a mesma repetição do tema do anterior, agora o estresse da protagonista roubando o lugar do que antes era a falta de sexo do casal. Ela é obrigada a ir para um spa terapêutico, o que consome boa parte da narrativa, e só depois Nova Iorque entra em cena. Lá é que a real trama, digamos assim, da produção se desenrola: a empresária prestes a ampliar sua franquia de sex shop enquanto engana a família, que pensa estarem todos ali para curtir férias. Obviamente, há boas piadas pontuais e ideias plagiadas de outros filmes, como, por exemplo, a longa sequência do restaurante com a protagonista se virando entre almoçar com a família e assinar o contrato com um banqueiro gringo. Alguém ouviu ecos de uma sequência semelhante de “Uma Babá Quase Perfeita”, com Robin Williams, feita 20 anos atrás? Bem, eu ouvi e, confesso, não achei graça. O roteiro dá a impressão de escrito às pressas em cima das gags fáceis, uma ou outra dentro do timing, mas sem nenhuma explosão de riso por parte do espectador. É a segunda comédia do agora especialista Roberto Santucci lançada no mesmo ano. Mesmo que não levemos em conta o tal market share, isso está longe de ser um bom sinal. [15.02.13 – cinema]

PIRATAS PIRADOS! * * ½
[The Pirates! Band of Misfits, GB/EUA, 2012]
Animação - 88 min
Em animação stop motion 3D, o cineasta britânico Peter Lord satiriza os filmes de piratas sem, contudo, entregar um propriamente dito. Preciso confessar que desenvolvi um problema inusitado com essa recente produção da Aardman, a mesma empresa por trás de pérolas como “A Fuga das Galinhas” [2000] e “Wallace & Gromit em A Batalha dos Vegetais” [2006]: não conseguia assisti-la sem cair no sono. Ano passado tentei por duas vezes sem sucesso. Agora, por fim fui até o final, apesar de, admito, quase ter cochilado novamente. Por quê? Não saberia explicar ao certo, mas sempre acontece quando chega à sequência de Londres, depois que o carente Charles Darwin descobre que o animal de estimação do Capitão Pirata [voz de Hugh Grant, a princípio difícil de reconhecer] é o raríssimo pássaro Dodô e o convence a levá-lo a uma feira científica. Dessa parte em diante, meu interesse pela história cai. Sobretudo com um início divertido e promissor, o protagonista em busca de ganhar pela primeira ver o prêmio Pirata do Ano, para quem saqueia mais os mares da Rainha Vitória [Imelda Staunton], mas é atrapalhado demais e nunca dá uma dentro. É quando sua rota se cruza com a do criador da Teoria das Espécies e... zzzzzzz. Não apaguei dessa vez. Quem sabe pelo enredo de Gideon Defoe, também autor da série de livros cômicos na qual se baseia o filme, permanecer muito mais tempo em terra do que eu esperava tenha contribuído para não achar o desenvolvimento da narrativa dentro do espírito pirata. Mas quem sou eu, um pirata? Quem dera. Sim, curto as rápidas aparições do Homem Elefante e Jane Austen, mas isso são apenas distrações para o adulto mais culto. O importante mesmo é como a história se desdobra, diverte e se adequa à captura foto a foto da massa de modelar. Peter Lord, também diretor de “A Fuga das Galinhas”, animação da qual sou fã assumido, tenta voltar aos trilhos no terceiro ato, com ritmo e ação.  Mesmo assim, não nos oferece um final muito memorável, infelizmente. Na obra anterior, ele homenageou com genialidade os filmes de guerra, em especial “Fugindo do Inferno”, de 1963. Aqui, sua jolly rogers apenas sinaliza uma intenção que ficou à deriva. [20.02.13]

DE VOLTA PARA CASA * * ½
[À Moi Seule, FRA, 2012]
Drama - 91 min
O francês Videau acerta no enfoque pós-trauma, mas força a barra ao romantizar a complexa relação entre vítima e sequestrador no longo cativeiro. Logo no início do filme, uma cartela põe toda a responsabilidade pela história que veremos em cima do roteirista e diretor Frédéric Videau, afirmando não ter relação com nenhuma pessoa real, viva ou morta. Já começa não sendo tão honesto. O drama é claramente inspirado na austríaca Natascha Kampusch, mantida em cativeiro por oito tortuosos anos, de março de 1998, quando tinha 10 anos, a agosto de 2006, quando conseguiu escapar, levando o sequestrador Wolfgang Priklopil ao suicídio. O texto de abertura serve apenas para livrar a produção de pagar algum direito a Kampusch, ainda mais depois dela pedir em 2011 uma indenização de 1 milhão de euros ao governo da Áustria por danos morais [parece que houve uma série de erros das autoridades durante as investigações]. Só podemos imaginar o que essa garota passou durante todo o tempo em que se manteve subjugada aos desmandos sexuais de seu algoz. No filme, a narrativa se divide entre mostrar a protagonista, muito bem interpretada por Agathe Bonizer, completamente deslocada ao retornar para a casa e o estranho relacionamento dela com o sequestrador feito por Reda Kateb. Mais uma vez, o cinema francês acha que pode tratar temas delicados com a banalidade de um acontecimento trivial [insisto na redundância]. Se Videau é feliz na parte do estresse pós-trauma, no deslocamento tanto da jovem quanto das pessoas ao redor dela, ensaia pôr tudo a perder nos flashbacks do cativeiro. É até interessante subverter um pouco os papéis, quem é vítima e quem é carrasco numa relação de dependência um do outro. Porém, esse é um caso no qual a realidade grita contra a ficção do início ao fim, e simplesmente ignorar a parte mais pesada – o abuso e a violência sexual que geralmente são os motivadores para esse tipo de cativeiro – é cortar qualquer ressonância do filme com a situação mostrada. Ora, quem tem ou teve algum contato, direto ou indireto, com o abuso infantil, e infelizmente o número é alto, de certo terá dificuldade em aceitar que uma menina peça para transar com o sequestrador e, pior, que ele coloque banca para tal. Frédérick Videau tem, a seu favor, a qualidade das performances e o equilíbrio da narrativa sóbria, isso é preciso reconhecer, embora a montagem tenha sérios problemas nas idas e vindas. Mas que testa o bom senso essa mania dos franceses na abordagem do sexo banal, sem importância, testa sim. Um filme até razoável com um terrível erro de percepção. [14.03.13]

A FUGA * * ½
[Deadfall, EUA, 2012]
Suspense - 95 min
Após um início bem promissor, o roteiro persegue compulsivamente a trilha de subverter as expectativas a cada dez minutos, mas acaba nos levando a uma resolução fraquinha. Zach Dean é o nome por trás da trama que tinha tudo para ser uma pérola ao estilo de, deixe-me ver, “Um Plano Simples”, dirigido por Sam Raimi em 1998. Ao invés disso, apenas reforça o talento do diretor austríaco Stefan Ruzowitzky [do ótimo “Os Falsários”, 2008] para criar clima, mantê-lo e ainda provocar o nosso interesse com um fiapo de premissa, com mais subplots do que consegue dar conta. O filme começa na fuga do título nacional de um trio que acabara de assaltar um banco. Eles estão atravessando a neve do Michigan rumo à fronteira do Canadá quando sofrem um incrível acidente. Um morre, mas os irmãos interpretados por Eric Bana e Olivia Wilde sobrevivem e resolvem separar-se para apenas se reencontrarem perto da fronteira. Daí, a narrativa nos apresenta às subtramas que se entrecruzarão com os irmãos, o boxeador [Charlie Hunnam] indo para a casa após sair da cadeia para passar o Dia de Ação de Graças com a família [Kris Kristofferson e Sissy Spacek] e a jovem delegada [Kate Mara] tentando provar ao xerife, seu pai [Treat Williams], que é tão ou mais competente quanto os homens. Há a questão da paternidade muito latente nesse primeiro roteiro de Zach Bean, todos os personagens tendo de fazer as pazes com o passado. O problema é que a narrativa vai, no linguajar sem frescura, enchendo linguiça – se pensarmos bem, o romance que vemos acontecer é forçadíssimo e a sequência noturna numa casa no meio do nada não passa de uma distração ao real prosseguimento da história, apesar da qualidade textual de certas passagens – enquanto arma toda a catarse para o terceiro ato, no velho esquema de juntar todo mundo no mesmo lugar e atear fogo. Infelizmente, fogo de monturo. Quando o filme começa a nos lembrar de um “Killer Joe” da vida, de repente mete os pés pelas mãos e promove um desfecho mais apressado do que precisava ser. Os backgrounds dos personagens ou se resolvem numa linha de diálogo ou ficam jogados para serem pegos no ar. Finais abertos geralmente são significativos para que o filme nos acompanhe para fora da sala de cinema. Contudo, aqui o resultado é anticlimático; saímos sozinhos do cinema, deixando para trás um filme com tanto potencial que naufraga na intenção. [15.03.13 – cinema]

UM ALGUÉM APAIXONADO * * *
[Like Someone in Love, FRA/JAP, 2012]
Drama - 105 min
Abbas Kiarostami homenageia o cinema japonês de Yasujirô Ozu nesse estudo de personagem e exercício de linguagem. O filme abre com seu melhor plano: várias mesas, várias pessoas, uma voz que se destaca, mas fora do campo. Coisa de gênio? Bem, é assim que somos apresentados a Akiko [Rin Takanashi], estudante que mora há dois anos em Tóquio também fazendo programas. Ela precisa estudar para uma prova, mas ao invés disso segue, a mando do seu cafetão, para o apartamento do professor de sociologia e tradutor Takashi [Tadashi Okuno]. Exausta, termina dormindo. Pela manhã, o velho dá a ela uma carona até a universidade e é confundido com o seu avô pelo ciumento namorado da moça. Querendo continuar na companhia de Akiko, ele leva a farsa adiante. Kiarostami já havia feito algo parecido, brincar com os papéis, as identidades, o próprio espectador, em seu filme anterior, “Cópia Fiel” [2010], com resultado levemente superior, visto que a discussão do valor da cópia versus o original ser mais interessante e melhor contextualizada. Aqui, os temas se assemelham, como um primo de segundo grau, mas as questões são outras, talvez sem a mesma importância para o cineasta iraniano, mais preocupado com a [impecável] mise-en-scène, o naturalismo das performances e do próprio desenrolar da narrativa, evitando qualquer tipo de artifício típico dos roteiros estruturados. A câmera é essencialmente ozuniana, sem movimentos, zooms ou pans; o ritmo é impregnado por tempos mortos, planos longos, uma montagem bem realista, como o fluir da vida. Dessa forma, as atuações são alvo da observação minuciosa por parte do espectador, intenção clara de Kiarostami. Na verdade, seu convite para o espectador ser também coautor do filme, pois a ele é dado a tarefa de, se quiser, preencher as lacunas. Incrível como, na contemporaneidade, é simples e fácil o envolvimento entre estranhos que, de repente, já são peças valiosas do cotidiano vazio. Tadashi Okuno representa isso, a fragilidade do encontro, o prolongamento do fim. “O Fim” seria, a princípio, o título da produção, com sentido claro: sem importar o motivo, ninguém quer simplesmente dizer adeus e seguir em frente. O velho professor, a alma do filme, se envolve tanto sem saber o por quê [as pistas são apenas jogadas]. Chega a ser insuportavelmente tocante sua angústia na cena final, tensa como poucas, cortada de maneira abrupta, e diria mesmo cruel, para deixarmo-nos com a sensação de que fomos expulsos da narrativa bem no momento em que mais queríamos continuar nela. Um capricho de Kiarostami para nos testar enquanto vouyers do circo humano? Um belo tapa na cara, isso sim. [18.03.13]

AMANHECER VIOLENTO * *
[Red Dawn, EUA, 2012]
Ação - 93 min
Esse remake do filme de 1984 atualiza os vilões, mas retrocede ao pôr armas nas mãos de garotos para salvar a pátria. Com tudo o que vem acontecendo nos Estados Unidos pós-Columbine, não é à toa a produção ter passado três anos na geladeira antes de ser lançada. Ainda teve a recém-tragédia em Aurora, o que torna o filme ainda mais deslocado. Podem pôr a culpa do atraso na crise financeira da MGM, porém o fato é que foi uma ideia infeliz mostrar oito rapazes formando um grupo de rebeldes contra a ocupação da cidadezinha, e por tabela do país, pela Coreia do Norte, o inimigo óbvio da vez. Chris “Thor” Hemsworth assume o lugar de Patrick Swayze no longa original, dirigido por John Milius, como o líder da resistência juvenil. Só pelo protagonista, podemos perceber que o elenco não é lá essas coisas. Muito menos o novo roteiro, apressado, indulgente, passando por cima de absurdos com a maior cara de pau. Como a Coreia do Norte, um país infinitamente menor que os EUA, consegue tomar a nação da águia de assalto, sem dificuldade alguma, é uma verdadeira incógnita. Se o filme merece algum ponto, é a ação conduzida por um especialista. Dan Bradley assina como diretor de segunda unidade e coordenador de dublês em uma penca de bons, e famosos, filmes. Aqui, estreia com certa segurança na direção. Quem sabe, com excesso de segurança, num projeto que faria menos mal caso ainda estivesse curtindo o frio das produções não lançadas. [18.03.13 – cinema]

A BUSCA * * ½
[Idem, BRA, 2012]
Drama
96 min
A premissa simples com início bem trabalhado se revela insustentável pelo roteiro cheio dos desvios mais equivocados. Como se trata de um road movie, em essência, são desvios os quais alteram, sim, o caminho a ser percorrido. Sobretudo, o caminho dramático dos personagens e, pela velha tabela, do espectador. Wagner Moura é pai que vai atravessar dois Estados à caça do filho foragido às vésperas de completar 15 anos em cima de um cavalo. Pondo assim, até soa cômico e absurdo, mas a narrativa guarda em si grande potencial, uma vez que “toda viagem é uma viagem de autoconhecimento”. O problema reside justamente nos desvios tomados pelo diretor estreante Luciano Moura no roteiro escrito em parceria com a esposa, Elena Soárez. Essa já testada pelo mercado ao roteirizar obras bem sucedidas como “Eu Tu Eles” [2000] e “Casa de Areia” [2005]. Aqui, o casal parece não medir os meios para o protagonista prosseguir sua busca com apelo mercadológico, não se furta dos clichês [Wagner caindo na água, remando sem sair do lugar, apanhando antes de desfazer o mal entendido] e dos momentos surreais [o parto realizado no acampamento hippie, a própria cavalgada heroica do menino]. Sim, são elementos da jornada do herói em relação a redescobrir o sentido da paternidade – tema dramático norteador da narrativa, tanto que o título original era “A Cadeira do Pai”, substituído por um direto, sem poética alguma. Não me parecem terem sido, esses tais elementos, trabalhados de maneira satisfatória, ou até mesmo eficiente, pelo filme. A mágoa do protagonista pelo pai, avô do menino a cavalo, rende as reações mais desesperadas de Wagner Moura, o que nos leva a pensar que o trauma ali é irreversível, irrevogável, enfim, impossível, ou no mínimo difícil, de ser consertado. Catarse essa que não faz parte dos planos da narrativa de Luciano Moura, infelizmente, jogando a pressão toda em cima da participação chorosa de Lima Duarte para justificar o que quer que seja. Uns 10 minutinhos a mais de descida ao inferno entre pai e filho antes da chegada do garoto seriam suficientes para entregar um desfecho menos frustrante. O cinema nacional ainda preserva a mania de ser tão sutil [herança traumática? De quê?] a ponto de perder as explosões mais necessárias à construção dramática da história. Em relação a Mariana Lima no papel da mãe, ela faz o que pode na ingrata função de passar o filme inteiro na angústia da espera. E lhe é reservado o arremate, sozinha na piscina recém-construída. Uma sombra apenas chegando por trás da personagem antes do corte para os créditos finais não faria mal algum. Não mesmo. [05.04.13 – cinema]

WOODY ALLEN: UM DOCUMENTÁRIO * * *
[Woody Allen: A Documentary, EUA, 2012]
Documentário
113 min
Um filme burocrático, chapa branca, mas muito saboroso sobre a vida e a obra dessa figura genial. Logo de cara, é bom esclarecer que se trata da versão cortada do especial para a televisão da série “American Masters” exibido pela primeira vez em novembro de 2011 com 195 minutos. Enxugada em mais de uma hora, a sensação é clara de que poderia render bem mais. Afinal, o documentário se propõe a passar a limpo um dos mais adoráveis cineastas de todos os tempos, gênio a ponto de fazer um filme por ano desde 1977 – quando presenteou o mundo com “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”. Se seu declarado método quantitativo o faz conceber histórias fracas vez por outra, também mostra a paixão por manter-se ativo contando seus causos, e não chega a ser espanto algum ele vir com uma obra prima intervalada por treinos sempre imperdíveis de se ver. O documentarista e produtor de TV Robert B. Weide passou anos tentando convencer o tímido Allan Stewart Konigsberg, seu nome verdadeiro, a embarcar nesse projeto revisionista; o sujeito deve ter insistido sem pausa até conseguir esse inédito feito. E, vejam só, Woody Allen está super à vontade, tranquilo, sempre bem humorado, revisitando sua trajetória, de colunista de jornal aos 16 anos a autêntico astro do cinema, passando por comediante stand up e roteirista de programas televisivos. Ele mesmo afirma nunca ter ficado desempregado na vida, mérito de um enorme talento para o humor cáustico e frequentemente fatalista perante o absurdo da existência. Entre outros depoimentos ilustres, como o de Martin Scorsese, até um padre divaga acerca do sucesso insuperável de Woody. Abrindo com planos de Nova York, ao estilo do cineasta nascido no Brooklin, Weide adota uma estrutura convencional, quase ano a ano, apoiado no interesse que a persona do retratado causa no público. Assim, termina entregando um filme voltado para fã, embora não deixe de tocar nos fracassos cometidos no decorrer de uma carreira tão prolífica, ou mesmo nos momentos mais controversos de sua vida pessoal, como o caso com a enteada Soon-yi debaixo do nariz de Mia Farrow [ausente aqui]. Em outra ocasião, há uma filmagem do próprio Woody Allen entrevistando a mãe, quando viva, sobre a dificuldade em lidar com ele na infância. Também há uma amostra, claro, do seu processo criativo, na facilidade em datilografar rápido na velha máquina de escrever que usa desde a adolescência. A narrativa vem até “Meia-Noite em Paris” [2011], seu maior êxito comercial até agora. Obviamente, passa por cima de muita coisa, como a importância de “Ponto Final – Mach Point” [2005] para a atual fase de um artista inteligentíssimo, com fôlego suficiente para nos brindar ainda com um bom número de filmes. É o que todos nós desejamos. Já é tradição, e das melhores, esperarmos pelo Woody Allen da vez. [08.04.13]

DEPOIS DE LÚCIA * * * *
[Después de Lucía, MEX/FRA, 2012]
Drama
102 min
Drama mexicano barra pesada no enfoque do bullying, tanto real quanto virtual, que não poupa nem mesmo o espectador. Sob o luto da esposa, chef de cozinha se muda para a Cidade do México com a filha adolescente, na tentativa de dar prosseguimento à vida. Na nova escola, a menina logo faz amizade, sempre reservada, enquanto o pai se entrega à dor da perda. Durante uma festinha, ela transa com um colega e se deixa ser filmada. O vídeo cai na internet, tornando-a alvo do rechaço cada vez mais cruel do próprio grupo que a acolhera no início. Poucas vezes, eu me vi na sensação de desconforto provocada pela narrativa de Michel Franco, diretor e autor do roteiro, nesse que é seu segundo longa metragem. Sofri bullying no colégio antes mesmo de saber o que era isso, porém nada tão traumático – acredito. Nada tão devastador quanto o verdadeiro martírio experimentado pela personagem de Tessa Ia, no inferno físico e psicológico a qual é lançada. Na condição de espectador, não posso ser nada além de impotente diante do que vejo. E Franco sabe disso, tanto que não alivia. O bullying só piora. A personagem nada denuncia, aguenta caladinha, seja por sentir-se culpada ou para privar o pai, às humilhações submetidas pelo grupo de adolescentes. Eles sabem o que estão fazendo? Sabem o quanto perversos e desumanos estão sendo? Como nenhum adulto vê isso? Perguntas marteladas nas nossas cabeças ao passo em que somos conduzidos a uma resolução sem a mínima chance de ser boa. Então, o pai [Hernán Mendoza] toma-se ciente da situação, tarde demais, e faz as vezes do espectador, nós em nossa raiva acumulada. É quando Michel Franco mostra que seu filme também é um estudo de personagem, isto é, justifica o porquê de definir tão o comportamento distinto entre pai e filha. Obviamente, um estrago bem feito nunca se remenda, só se aumenta o rasgo. A narrativa adentra os desencontros e aquele que está na ponta da corda é o candidato natural a prestar contas, ainda que seja o único a apresentar algum peso na consciência em relação ao crime. Sim, bullying é um crime covarde; a pegada do filme claramente acentua [exagera?] esse aspecto. O desfecho ao melhor estilo “soco na boca do estômago” não faz qualquer concessão. Não se importa se o resto do nosso dia foi estragado por uma experiência difícil, mas essencial, de se passar. [12.04.13]

REALITY – A GRANDE ILUSÃO * * *
[Reality, ITA/FRA, 2012]
Comédia dramática - 116 min
O italiano Mateo Garrone registra o fascínio provocado pela fama fácil se convertendo em loucura nessa comédia dramática. No caso aqui, em tempos de realities shows e celebridades do vazio, a mera possibilidade de entrar num Big Brother [Grande Fratello, na versão italiana] desses da vida acaba sendo interpretado como um precioso bilhete de loteria, um trampolim capaz de lançar o sujeito para o patamar da nova classe de famosos, aqueles que se aproveitam da rápida exposição que tiveram na mídia para torna-la, ela própria, seu sustento e, por tabela, estilo de vida. Nesse contexto, somos apresentados a Luciano [Aniello Arena, em seu primeiro trabalho no cinema], um carismático peixeiro napolitano que, para complementar a renda, anima eventos e faz alguns biscates ilegais. Para agradar os filhos, faz o teste para participar da próxima edição do programa e termina passando para a segunda fase. Acreditando estar sendo observado pelos produtores do reality show, Luciano entra numa paranoia após tratar mal um mendigo. O encanto com o fato de poder entrar na “casa dos fratellos” o conduz a uma gradual perda da realidade, na qual a família, antes sólida, periga desfazer-se por completo. Garrone se tornou mundialmente conhecido por conta da produção de 2008 “Gomorra”, adaptada do controverso livro de Roberto Saviano acerca da máfia italiana. Agora, envereda pela crítica social nessa fábula ao contrário, denunciada logo pela carruagem no início conduzindo os novos para a festa de casamento, visitada por Enzo, um ex-fratello que atiça o fascínio de Luciano por aquele estilo de vida e aquela fama apenas por ter aparecido na televisão. O que por si só soa como algo descabido, realçado pela própria abordagem cínica de Mateo Garrone, muito bem representada ao vermos Enzo na boate pendurado por cima do público histérico, assume contornos de doença social com os devaneios do protagonista, afundando em sua loucura pela mera expectativa de ser chamado. A princípio, tal expectativa é reforçada por todos à sua volta, afinal quem não quer ser amigo-parente-conhecido de algum famoso? Importa, nesse discurso, de onde vem a fama? Pelo visto, não. E é curioso nós mesmos, espectadores, considerarmos Luciano um cara boa praça e equilibrado até o momento de o descobrirmos trancado no armário falando com a TV. A narrativa de Garrone se revela eficiente nesse sentido, com sua câmera enquadrando o personagem como se ele realmente estivesse num programa televisivo... ou num filme. É uma pena, portanto, ser uma narrativa com pelo menos 15 anos de atraso em relação a “O Show de Truman”, de Peter Weir, ainda o melhor e mais astuto comentário sobre a era dos realities shows. Ou mesmo da comédia de Ron Howard, “Ed TV”, com Matthew McConaughey sendo perseguido pelas câmeras o tempo inteiro. Todavia, para mim o grande problema de Matteo Garrone é nunca sair do tom morno que confere à história em si, inspirada num caso verídico. A nota é mantida a mesma até o desfecho, que de triste e quase perturbador se revela frustrante justamente por negar aquilo o que mais queremos ver: a consequência do ato extremo de Luciano. Ao optar pela fantasia, perde a oportunidade de mostrar o quanto a realidade pode ser ainda mais delirante. [15.04.13]

CINE HOLLIÚDY * * * ½
[Idem, BRA, 2012]
Comédia - 91 min
Já faz um bom tempo que lamento o boom da comédia nacional. A mesma comédia sem graça e com rostos emprestados do YouTube, embalada na narrativa televisiva a testar o emburrecimento do espectador médio. De alguns anos para cá, assistimos à migração de pseudo-humoristas para a telona, o que provocou uma desarticulação da linguagem cinematográfica. De fato, o cinema ficou em segundo plano perante o apelo popular de celebridades midiáticas beneficiadas pelo vazio pós-moderno nas artes. E de um dos gêneros mais difíceis de serem feitos, a comédia se tornou o filão da hora no Brasil, garantia certeira de rentabilidade – não importa o argumento tosco ou mesmo se a risada é requentada ou constrangida. Estando na telona as celebridades midiáticas, o público-alvo [o mesmo das novelas e do YouTube] irá comparecer em peso. A grande questão é até quando essa “fórmula” rasteira de sucesso acidental continuará a dar resultados capitalistas positivos. Felizmente, vez por outra uma dessas obras chega perto de algo que possamos chamar de cinema de qualidade, embora ainda com restrições. É o caso do mal interpretado “E Aí, Comeu?”, saído da peça de Marcelo Rubens Paiva, que aproveitou o disfarce de mais uma comédia do filão para injetar um ar fresco entre os espectadores. Assim como é outro caso, mais radical, vindo do seio humorístico do nordeste. Se você tem, como eu, dificuldade para rir nas comédias nacionais, prepare-se para gargalhar até o ar faltar com o cearense “Cine Holliúdy”. Ambientado no interior do Ceará nos anos 1970, o filme escrito e dirigido por Halder Gomes é, antes de tudo, uma homenagem sincera ao próprio cinema. Ampliando o seu antológico curta metragem de 2004, “Cine Holliúdy – O Artista contra o Cabra do Mal”, Gomes traz de volta o protagonista-jeca Francisgleydisson, um apaixonado pela sétima arte que vive de exibir filmes de kung fu [acho ótimo ele não ter atualizado para o jiu-jitsu ou mesmo o MMA], agora ameaçado com a chegada da televisão. O mais perto do que se pode chamar de uma genuína comédia popular brasileira, “Cine Holliúdy” é, na linguagem nordestina, um filme besta até a alma. No entanto, é por se assumir besta que tira sua força e se transforma num “filmezim invocado”. A começar por trazer legendas perante o “dialeto cearensês”, o que, ao longo da projeção, mostra-se uma opção acertada: aqui, as legendas mais ajudam do que atrapalham quem não está habituado ao peculiar modo de falar dos personagens. Personagens que estão a serviço da história, não apenas para encenar gags jogadas ao léu, como geralmente acontece nas comédias do filão. Lógico que aqui e ali há exageros e clichês redundantes, porém o excelente timing de Halder Gomes para o pastiche nos faz relevar esses e outros tropeços, como as cenas melodramáticas ou os assuntos que ficam somente subentendidos. Até compreendo a sutileza em cima de temas que outro cineasta tornaria ridiculamente pastelão, como a “ajudazinha” da esposa para conseguir um aluguel mais barato ou a homossexualidade do filho. Pistas de uma inteligência narrativa superior no sertão cearense? Seja como for, tudo converge no último, e longo, ato. Ali, na reencenação mais elaborada do curta, Gomes mostra a que veio e, principalmente, porque precisa de tantos personagens coadjuvantes. Das chanchadas às sátiras políticas, o filme nos faz passear por um microcosmos do humor “arretado”, hilário, nunca apelativo, que só se satisfaz quando baixamos a guarda e temos uma crise de riso com tanta besteira reunida, sem falar na trilha sonora mais brega dos últimos anos e na atmosfera nostálgica a rechear a produção. Por sua vez, o desfecho destoa, vem rápido demais, abrupto. Mas é normal, a meio ver, pedirmos mais meia horinha de brisa em tempos de calor escaldante.

PELOS OLHOS DE MAISIE * * * *
[What Maisie Knew, EUA, 2012]
Drama - 99 min
Difícil não se envolver com essa "atualização" do livro escrito por Henry James em 1897 sobre um divórcio a partir do olhar da jovem personagem-título. Em grande parte, deve-se ao acertadíssimo casting: da menina Onata Aprile conduzindo o espectador com segurança a Alexander Skarsgard e Joanna Vanderham como contrapontos afetivos aos pais egoístas feitos por Steve Coogan e Julianne Moore. Sem cair no melodrama, o filme nos coloca na pele de alguém a observar o confuso, e muitas vezes cruel, “mundo dos adultos” em busca das referências possíveis para não perder a ternura da infância. [05.02.14]

FRANCISCO BRENNAND * * *
[Idem, BRA, 2012]
Documentário - 75 min
A solidão de um artista em meio às suas obras nesse documentário intimista com narrativa heideggeriana. Realizado por Mariana Brennand Fortes, tataraneta do personagem-título, é quase um filme pré-fúnebre ao expressar, por meio da narração de Hermila Guedes, os anseios da morte, ou ainda uma morte em vida, seja por um viés inconsciente ou não. O que é visível em primeiro plano é a relação de Brennand com sua arte – a pintura, depois a cerâmica – e seu mausoléu onde decidiu isolar-se tanto tempo atrás. A fotografia de Walter Carvalho oscila entre a pura contemplação e a ingênua curiosidade. Sem participações periféricas, é o artista pernambucano quem nos conduz o filme inteiro. Não se trata, porém, de uma experiência cansativa. Mérito da jovem diretora e de seu fascinante protagonista. [12.02.14 – sessão beneficente]

EL CUERPO * * * ½
[Idem, ESP, 2012]
Suspense - 111 min
É preciso entrar na brincadeira desse suspense espanhol que força a barra em vários momentos, mas surpreende ao final. Marca a estreia na direção de longas de Oriol Paulo, corroteirista de “Os Olhos de Júlia” [2010], também com a atriz Belén Rueda. Aqui ela faz justamente o corpo que desaparece do necrotério e dá início a uma narrativa cheia de reviravoltas. É daqueles filmes que contar mais seria um desserviço. O desenrolar da trama é difícil de comprar assim de cara, parece um exercício despretensioso em cima dos clichês do gênero. Normal o espectador mais exigente torcer o nariz para o tom da produção ou a apresentação/subversão dos elementos. Contudo, o twist do desfecho, além de difícil de prever, amarra as pontas direitinho. Não sei se os nós são os mais consistentes, só que a brincadeira termina sendo válida e até estimulante. [10.03.14]

A MEMÓRIA QUE ME CONTAM * * ½
[Idem, BRA, 2012]
Drama - 98 min
A cineasta carioca Lúcia Murat exorciza seu passado de guerrilha com um drama intimista, contundente, atual de muitas formas. Em contrapartida, sabota a experiência narrativa com diálogos solenes em excesso, sempre didáticos, afetados, além de personagens estereotipados. Falta a naturalidade da encenação, infelizmente um problema ainda compartilhado por grande parte do cinema realizado no Brasil. [22.05.14 – madrugada]

3 MUNDOS * * *
[Trois Mondes, FRA, 2012]
Drama - 96 min
Catherine Corsini move a trama por meio da culpa, tentando observar a crise de consciência moral que seus personagens vivem. O argumento partiu de um trauma de infância: quando tinha 12 anos, Corsini foi atropelada por um carro e o motorista fugiu. Aqui, sucede-se a mesma coisa, dessa vez com a vítima sendo um imigrante ilegal. O motorista, prestes a se casar, é promovido pelo patrão-sogro no dia seguinte, mas não consegue tirar o acidente da cabeça. Termina se envolvendo com a testemunha que, ao tentar ajudar a esposa do atropelado, também cruza limites. A vida de todos os envolvidos se torna um inferno, daqueles nos quais o novilho vai sendo puxado e complicando cada vez mais a situação. A narrativa segura não extrapola os extremos, embora alguns movimentos sejam questionáveis. Como são os seres humanos, com suas decisões erradas. Ótimas atuações de Raphaël Personnaz e Clotilde Hesme. Esteve no Festival de Cannes 2012, concorrendo ao prêmio “Un Certain Regard”. [29.08.14]

LADO A LADO * * *
[Side by Side, EUA, 2012]
Documentário - 99 min
Nomes de peso do cinema num oportuno debate, comandado por Keanu Reeves, acerca do advento digital sobre a película no processo de filmagem. O diretor/roteirista Christopher Kenneally não se desvencilha do tom didático, resgatando o contexto histórico e 0 conceito por trás da película cinematográfica. Da mesma forma lida com a evolução das câmeras de vídeo e o surgimento dos primeiros filmes totalmente digitais, cujo marco inicial recai em “Festa de Família” [1998], do dinamarquês Thomas Vinterberg. Mais interessante ainda são as intervenções de Reeves junto aos convidados, que vão de Martin Scorsese a Christopher Nolan, passando por George Lucas, Lars von Trier, David Fincher, Danny Boyle e diversos outros cineastas, fotógrafos, editores e produtores. Para o espectador atento, é um prato cheio ver quem fica, quem some e quem resiste à substituição irrefreável da película pelos sensores digitais cada vez melhores. Estamos mesmos assistindo ao fim do charme e da beleza dos sais de prata, que granulam a imagem, para a matemática cheia de possibilidades dos pixels? O que perdemos e o que ganhamos? Aqui está uma pequena amostra dessa transição do ponto de vista dos ilustres realizadores. [09.02.15 – HBO Sigmature, madrugada]

 

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