Filmes dos anos 1980 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *

VESTIDA PARA MATAR * * *
[Dressed to Kill, EUA, 1980]
Suspense - 105 min
Katie Miller é uma mulher sexualmente frustrada com o casamento. Depois de ser rejeitada por seu psiquiatra (Michael Caine), ela escolhe o primeiro cara que vê para se satisfazer de verdade. Até aí ficamos duvidando do filme e de seu diretor, pois a história parece se definir em torno de alguém em busca de aventuras sexuais. Mas o diretor em questão é discípulo direto do Mestre do Suspense. É claro que algo está faltando. Após uma tarde inteira de prazer, Katie entra em pânico ao descobrir que seu parceiro desconhecido - não há um diálogo sequer entre os dois - havia contraído uma doença venérea e que ela podia estar contaminada. Porém, aos trinta minutos de filme, ela é literalmente arremessada para fora da trama quando uma misteriosa mulher a mata com uma navalha. Já viram essa história antes? Provavelmente com uma sutileza maior e um sangue chocolate. Honrando a melhor tradição hitchcockiana e criando seu próprio estilo, De Palma fez um intrigante suspense, muito bem estruturado, cheio de cenas memoráveis e (quase) imprevisíveis e alguns sustos genuínos. A câmera do diretor nos deixa totalmente vulneráveis aos conflitos dos personagens e somos facilmente enganados por uma diretriz rápida e segura. Sem mais rodeios, é uma senhora homenagem ao mestre Hitch, em particular Psicose. Um filme único, tenso e complexo, entretanto, não mais criativo que sua fonte de inspiração.

O MUNDO SEGUNDO GARP * * * ½
[The World According to Garp, EUA, 1982]
Drama - 136 min
Partindo do romance de John Irving, o filme acompanha a concepção, nascimento, crescimento e vida adulta de um certo Garp (Robin Williams), filho de uma enfermeira e de um anônimo soldado moribundo, que só entrou na dança com o sêmen. A vida de Garp seria apenas uma coisa comum e entediante, se não fosse a sucessão de tragédias que percorrem sua trajetória. É um filme que traduz toda uma vida de uma maneira engraçada. Dirigido por dir. George Roy Hill (“Butch Cassidy”), indispensável. [1999]

UM GRITO DE LIBERDADE * * *
[Cry Freedom, EUA, 1987]
Drama - 157 min
História real de Donald Woods (Kevin Kline), editor de um jornal na África do Sul, que se torna amigo do líder negro Steve Biko (Denzel Washington). Biko luta contra a segregação racial e após ser brutalmente assassinado, Donald começa a ser perseguido e é obrigado a fugir do país. Boas atuações e uma direção de mestre de Richard Attenborough tentam esconder o verdadeiro motivo do filme: fazer uma dura crítica ao regime do apartheid. O diretor conseguiu, porém, mostrar a situação em que viviam os pobres negros, reprimidos cruelmente pela minoria branca. Poderia ser melhor, se não fosse tão didático. Baseado em dois livros do jornalista Donald Woods: “Biko” e “Asking for Trouble”. [1999]

AMADEUS * * * *
[Idem, EUA, 1984]
Drama - 158 min
Antonio Salieri (F. Murray Abraham, vencedor do Oscar), compositor oficial do imperador austríaco José II, nutre ciúme obsessivo por Wolfgang Amadeus Mozart (Tom Hulce), chegando ao cúmulo de planejar delicadamente sua morte. Excêntrica e primorosa adaptação da peça de Peter Shaffer, bem ao gosto do diretor Milos Forman, que gosta de retratar figuras excêntricas. É uma espécie de estudo da inveja, da criação artística e do confronto entre genialidade e mediocridade. [1999]

MATE-ME OUTRA VEZ * *
[Kill Me Again, EUA, 1989]
Suspense - 95 min
Mulher foge com dinheiro do namorado na pretensão de torrá-lo em Las Vegas. No caminho, contrata um detetive particular decadente, que ainda por cima deve a agiotas, para forjar a sua morte. A coisa complica quando ela mata um importante mafioso, e os dois são perseguidos pela polícia e pelo namorado dela. A única solução é... matá-la outra vez. Dirigido por John Dahl, o filme começa regular e, em vez de melhorar, piora. O roteiro possui grandes defeitos e isso prejudica a diversão, principalmente com o final terrivelmente fraco. [1999]

SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE * * *
[Sex, Lies and Videotape, EUA, 1989]
Drama - 100 min
Advogado mantém caso com a cunhada e um relacionamento distante com a mulher frígida. A coisa começa a esquentar com a chegada de um ex-colega dele, que por sinal é impotente, cuja obsessão é gravar em vídeo mulheres contando todos os seus momentos íntimos, desde a primeira experiência até suas frustrações sexuais. O filme de estréia de Steven Soderbergh é um verdadeiro jogo de infidelidade, em que todos os personagens têm algo a esconder. O roteiro é muito criativo, mas poderia ser mais ousado. Afinal, é isso o que o título sugere. [1999]

A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO * * *
[The Last Temptation of Christ, EUA, 1988]
Drama - 163 min
Retrato polêmico da trajetória de Jesus Cristo, mostrando-o como uma pessoa totalmente humana, confusa e com desejos carnais. O diretor Martin Scorsese (“Taxi Driver”) e o roteirista Paul Schrader, com base no livro do grego Nikos Kazantzakis, leram as entrelinhas da Bíblia e criaram um Cristo pessoal, completamente contraditório à religião cristã. Pode não agradar a todos, mas só em mostrar como teria sido se Jesus tivesse desistido da cruz faz do filme ousado e com alguma importância. [1999]

PALCO DE ILUSÕES * * *
[Punchline, EUA, 1988]
Drama - 118 min
Dona de casa (Sally Field) resolve se arriscar, mesmo a contragosto da família, na carreira de humorista, apresentando-se em um bar noturno. Lá conhece Steven (Tom Hanks), outro aspirante a humorista que acaba de ser expulso da faculdade de medicina. Os dois ficam amigos e um tenta ajudar o outro. Mesmo tendo o humor como tema central, o filme dirigido por David Seltzer vai pelo caminho oposto, mostrando que todos têm seus problemas e que a persistência sempre leva a algum lugar. Tem momentos monótonos, mas o carisma e competência dos atores garantem o interesse pela história. [1999]

ARMADILHA MORTAL * * *
[Deathtrap, GB, 1982]
Suspense - 116 min
Michael Caine faz um teatrólogo fracassado que, mesmo a contragosto de sua mulher doente do coração, planeja assassinar um jovem escritor iniciante para se apossar de sua peça, intitulada, logicamente, de “Armadilha Mortal”. Um clima angustiante – a história se passa em apenas um único cenário – e boas reviravoltas garantem duas horas de um suspense raro e às vezes irônico, sob uma grande condução de Sidney Lumet. Christopher Reeve está magnífico e em plena forma como Cliff, o jovem autor que logo revela ser um perigoso sociopata, assim como seu ídolo. [1999]

HEAVY METAL – UNIVERSO EM FANTASIA * * * *
[Heavy Metal,  EUA, 1981]
Animação/Ficção - 90 min
Esse verdadeiro cult da animação para adultos são várias histórias interligadas por uma bola verde brilhante – que representa a maior força do mal – em que todos os personagens acabam de certo modo sendo corrompidos. Mas também existe a força do bem, representada por uma sensual mulher. Sexo, mulheres nuas e muita violência explícita (tudo isso em desenho, claro) faz de “Heavy Metal, produzido por Ivan Reitman e dirigido por Gerald Potterton, uma pequena e rara obra-prima, mesmo com uma história tão simples. Quem se amarra neste tipo de desenho, não há do que reclamar. É um barato! [1999]

NASCIDO PARA MATAR * * * *
[Full Metal Jacket, EUA, 1987]
Drama /Guerra - 116 min
Stanley Kubrick destila seu cinema-arte para criar mais uma obra-prima de impacto. Aqui, somos espectadores diretos de um espetáculo de loucura envolvendo a Guerra do Vietnã. Antes de serem mandados para o caos da guerra, recrutas norte-americanos passam por duro e traumatizante treinamento. Logo de cara vemos que esse é um autêntico filme de Kubrick, com sua câmera perfeita e sua personalidade de tocar de alguma maneira a ferida do pobre espectador que não está preparado. Feito sete anos depois de “O Iluminado”, tem um ponto de vista diferente sobre o tema abordado. Considerado um dos melhores filmes do gênero, é uma obra bastante atípica, de um gênio que, como muitos poucos, sabia exatamente o que estava fazendo. [08.01.01]

CASANOVA E A REVOLUÇÃO * * * ½
[La Nuit de Varennes, FRA/ITA, 1982]
Drama - 122 min
Considerado um dos grandes filmes históricos realizados pelo cinema, “Casanova e a Revolução” reconta a frustrada fuga do rei Luis XVI da França e seu séquito, incluindo aí Maria Antonieta, sua esposa, no dia 20 de junho de 1791. Dirigido por Ettore Scola (“Nós que Nos Amávamos Tanto”, 1974), aqui se utilizando do termo mise-en-scène, bem apropriado, o evento é testemunhado por ilustres e inusitados personagens periféricos a ele, como o escritor Nicolas Restif de la Bretonne, a condessa Sophie de la Borde, o revolucionário Thomas Paine e, obviamente, o grande galanteador italiano Giacomo Casanova, aqui com idade avançada, mas ainda mantendo seu charme. Toda a obra é transcorrida numa viagem de encontros e desencontros, na qual Scola é hábil ao reunir os personagens na mesma diligência, que persegue a do rei, para discutir os assuntos e tabus de sua própria época, valendo-se da política ao sexo. Embora velho, Casanova matem-se como uma figura fascinante graças à performance de Marcello Mastroianni, um dos grandes atores de todos os tempos, e que aqui parece zombar de si sem zombar do personagem. As intervenções didáticas da narrativa para esclarecer algum comportamento ou evento são poucas, curtas e não atrapalham o ritmo, além de não esconderem um senso de humor. Toque especialíssimo de Ettore Scola. Indispensável para cinéfilos, o filme foi indicado à Palma de Ouro em Cannes e arrebata público e crítica até hoje, mostrando o vigor de seu realizador em narrar um acontecimento histórico – no caso, com importantes conseqüências para a Revolução Francesa – sem ficar preso à burocracia do desenlace oficial, como ocorre na grande maioria dos filmes do gênero. Uma pena esta versão de 122 minutos (existem outras mais completas) soar ligeira e por vezes confusa, além da dublagem em espanhol (ainda não decifrei esse enigma) ser obstáculo à apreciação da obra. Mas fica o registro, de todo modo.

CALENDÁRIO DA MORTE *
[The January Man, EUA, 1989]
Suspense - 97 min
Só se vista como uma sátira aos filmes de seriais killers para aceitar a premissa estupidamente desenvolvida. Foi o veterano cineasta Norman Jewison quem produziu esse péssimo roteiro de John Patrick Shanley, recém-premiado com o Oscar de roteiro original por “Feitiço da Lua”, dirigido por Jewison dois anos antes. Kevin Kline estava prestes a receber seu Oscar de ator coadjuvante pelo hilário “Um Peixe Chamado Wanda” [1988] quando esse projeto de suspense estreou nos Estados Unidos. Sorte não ter perdido a estatueta dourada, visto que as críticas não foram lá muito caridosas e o Oscar é um prêmio quase político. Ele interpreta um ex-detetive demitido pelo próprio irmão [Harvey Keitel], agora casado com sua ex-namorada [Susan Sarandon], que é reintegrado à polícia para capturar um assassino de mulheres. O sujeito mata uma por mês e está a uma morte de fechar o calendário. Durante a pseudoinvestigação, o detetive se envolve com a filha do prefeito [Mary Elizabeth Mastrantonio]. Os elementos narrativos são muito mal inseridos na trama, soam forçados, nada credíveis. Se falo em pseudoinvestigação, é porque o filme gasta mais tempo mostrando o rancor entre os personagens do que a busca pelo psicopata. Aliás, impossível compreender o que está de fato por trás das mortes ou como o protagonista liga os números primos e a posição das cenas dos crimes com astrologia. Shanley não nos permite ter os insights junto com o detetive de Kline – é um computador, veja só, que o ajuda a resolver a charada. Quem assina a direção é Pat O’Connor, mais lembrado pelo público feminino pelo romance “Doce Novembro” [2001], com Charlize Theron e Keanu Reeves. Aqui, sua condução é burocrática, sem personalidade, investindo sempre que possível num humor à beira do patético, como o é o confronto desastrado entre o herói e o serial killer ao final. Uma amostra pré-“Seven” do gênero; um exemplo de como o filão saturado precisava se reinventar para não ser enterrado de vez. E isso só aconteceria em 1995. [12.07.11]

THIS IS SPINAL TAP * * * *
[Idem, EUA, 1984]
Comédia Musical - 86 min
O mundo do hard rock/heavy metal setentista/oitentista é brilhantemente satirizado nesse "rockumentary" que virou cult. Mas não foi assim quando Rob Reiner lançou seu début na direção. As pessoas perguntavam por que não escolhera uma banda mais conhecida para ser objeto de seu documentário. Na verdade, a atribulada banda inglesa Spinal Tap não existe, assim como o filme. Trata-se de um “mockumentary”, ou seja, um falso documentário sobre a mal fadada turnê norte-americana da fictícia Spinal Tap. Mas isso é o suficiente para as anedotas do rock’n’roll da época virarem gags geniais e resultarem numa comédia praticamente seminal. Além do casamento de gêneros, é impossível não curtir as brincadeiras e referências a bandas como Led Zeppelin e Black Sabbath. É bom conhecer os bastidores desses gêneros musicais, e até mesmo o cinema do período, para não deixar escapar nenhuma de suas interessantíssimas piadas. A maior parte foi improvisada pelos atores, incluindo aí Christopher Guest, que repetiria a dose (do “mockumentary” sobre uma banda fictícia) muitos anos depois com “A Mighty Wind – Os Grandes Músicos”, dessa vez como diretor. Não foi pequeno o número de músicos a se identificarem com o filme. Contam que Ozzy Osbourne não soltou nenhuma risada, por acreditar se tratar mesmo de um documentário. [08.01.12]

POSSESSÃO * * *
[Possession, FRA/ALE, 1981]
Terror - 124 min
O ucraniano Andrzej Zulawski propõe uma metáfora bizarra para falar da liberação sexual feminina. Sam Neill e Isabelle Adjani fazem um casal em crise. Enquanto ele surta com a descoberta de um amante, ela parece possuída por um horrível monstro que a domina mental e sexualmente. Nem tente fazer certas perguntas, apenas se permita ser sacudido por esse filme forte e, no mínimo, inusitado. Ótima performance de Adjani, num papel sem dúvida desafiador. Ficou famoso pela cena de sexo entre ela e tal monstro criado por Carlo Rambaldi – o mesmo por trás do ET de Spielberg. [14.01.13]

OS SAFADOS * * * ½
[Dirty Rotten Scoundrels, EUA, 1988]
Comédia - 110 min
O talento de Michael Caine e Steve Martin, numa química arrasadora, garante as boas risadas nesse remake do filme de 1964, “Dois Farristas Irresistíveis”, com Marlon Brando e David Niven. Dirigido por Frank Oz, tudo se passa na Riviera Francesa, onde Lawrence Jamieson [Caine] vive de aplicar golpes em mulheres ricas. A coisa vai bem até seu caminho cruzar com o de Freddy Benson [Martin], vigarista de marca menor que se encanta com o estilo de vida do outro. Ao encontrar dificuldade para livrar-se de Freddy, Lawrence propõe uma aposta: quem arrancar primeiro 50 mil dólares da jovem herdeira do magnata do sabão, Janet Colgate [Glenne Headly], ganha o direito de permanecer na cidadezinha litorânea... sozinho. Clássico da Sessão da Tard... quer dizer, da comédia dos anos 1980, o que não faltam aqui são gags antológicas para o elenco brilhar. Steve Martin é uma força da natureza, impossível não rir dele em cenas absurdas, como nas quais finge ser o irmão retardado de Michael Caine, este entrando como uma luva na pele do bon vivant que se passa por um príncipe perseguido para seduzir as mulheres. O interessante é que, a princípio, o projeto estava sendo desenvolvido para Mick Jagger e David Bowie protagonizarem, após a boa recepção do videoclipe da regravação da música “Dancing in the Street”, em 1985, no qual dividem a cena. Contudo, a ideia morreu na praia depois de quase se concretizar, e passou por outros atores de calibre na época, como Eddie Murphy, até acontecer com Caine e Martin. O jeitão britânico do primeiro e a malandragem estadunidense do segundo funcionam muito bem, ninguém fica pensando em como seria se... Deixa para lá. Talvez a cena mais engraçada seja aquela em que Caine chicoteia as pernas de Martin enquanto este finge ser paralítico na frente da personagem de Headly, o elemento mais fraco e óbvio do roteiro escrito a seis mãos. Há uma certa inocência na retratação dos dois pilantras por Frank Oz, o titereiro do boneco do Mestre Yoda nos “Star Wars” originais, e curiosamente o mordomo-cúmplice do personagem de Michael Caine é Ian McDiarmid, o próprio Imperador do Mal da série espacial de George Lucas. Apenas notas de rodapé numa produção que cumpre muitíssimo bem o prometido. [19.03.13]

ATRAIÇOADOS * *
[Betrayed, EUA/JAP, 1988]
Suspense - 127 min
Costa-Gavras dirige a premissa polêmica do roteiro mal alinhavado de Joe Eszterhas [“Instinto Selvagem”]. O que parecia explosivo implode num romance pouco convincente entre os personagens de Debra Winger e Tom Berenger. No fim, muito barulho por nada. [07.02.14 – madrugada]

SID & NANCY * * *
[Sid and Nancy, GB, 1986]
Drama - 113 min
A narrativa de Alex Cox se lança na fúria punk inglesa do final dos anos 1970, focando no relacionamento autodestrutivo de seus protagonistas. Em início de carreira, Gary Oldman entrega uma performance visceral do controverso baixista da banda Sex Pistols. [05.07.14]

HISTÓRIAS DE FANTASMAS * * ½
[Ghost Story, EUA, 1981]
Terror - 111 min
O elogiadíssimo livro de Peter Straub, "Os Mortos-Vivos" [1979], adaptado com muita atmosfera, ritmo trôpego e elenco de primeira – nada menos que Fred Astaire, Melvyn Douglas, Douglas Fairbanks Jr. e John Houseman, tendo sido o último trabalho no cinema dos três primeiros. Pena o roteiro de Lawrence D. Cohen [“Carrie – A Estranha”, de 1976, e “It – A Obra-Prima do Medo”, de 1990] ter dificuldade em fugir da estrutura literária, com longos flashbacks quebrando a fluência narrativa. Ponto alto para a maquiagem de Dick Smith, falecido recentemente, e a dupla presença de Alice Krige. [04.08.14]

VIAGENS ALUCINANTES * * *
[Altered States, EUA, 1980]
Terror
102 min
Uma trama no mínimo intrigante, que levanta discussões curiosas [hoje um tanto datadas] sobre drogas alucinógenas e estados alterados da consciência, com consequências perturbadoras. O premiado roteirista Paddy Chayefsky [“Marty”, de 1955, e “Rede de Intrigas”, de 1976] adapta seu único livro, publicado dois anos antes, assinando com pseudônimo por causa das desavenças com o diretor britânico Ken Russell. Marca a estreia no cinema do ator William Hurt, além de ter a primeira participação da então garotinha Drew Barrymore. Chayefsky morreu seis meses após o lançamento do filme. [07.08.14]

PROJETO FILADÉLFIA * * ½
[The Philadelphia Experiment, EUA, 1984]
Ficção - 101 min
Tinha todos os elementos para ser uma experiência fascinante, contudo a narrativa se contenta em ser mediana. Baseia-se numa suposta tentativa de tornar o contratorpedo USS Elbridge invisível, em 28 de outubro de 1943, aplicando a teoria do campo unificado de Einstein. A marinha estadunidense sempre negou tal experimento, mas o desaparecimento do navio por alguns minutos se transformou tanto em lenda urbana quanto em alvo das mais mirabolantes teorias da conspiração. O roteiro adapta o livro escrito por Charles Berlitz e William L. Moore, numa trama com apelo, que põe Michael Paré indo parar em 1984 junto com um amigo. Talvez seja o trabalho mais lembrado do cineasta Stewart Raffill [fora o crédito no argumento de “Passageiro 57”, com Wesley Snipes, de 1993], que cortou boa parte do blá-blá-blá científico em prol de um nada credível romance entre os personagens de Paré e Nancy Allen. John Carpenter, que fora convidado a comandar o filme, assina a produção executiva. [27.08.14]

RUAS DE FOGO * * *
[Streets of Fire, EUA, 1984]
Ação - 93 min
Só mesmo Walter Hill para conceber um filme de ação musical. Na época, foi um fracasso de bilheteria. Hoje é um verdadeiro cult dos anos 1980. O início é antológico: Diane Lane “cantando” a contagiante “Nowhere Fast”, que escuto neste exato instante, enquanto a iluminação revela aos poucos o vilão feito por Willem Dafoe. Tão logo a música termina, ele e sua gangue de motoqueiros invadem o palco e simplesmente sequestram a cantora. Em seguida, o filme nos apresenta ao herói interpretado por Michael Paré, que retorna à cidade com a única missão de resgatar a ex-namorada. Apesar de todos os deslizes na plausibilidade, esse é um bom modo de se iniciar “uma fábula de rock & roll”, como nos informa a primeira cartela, seguida de “outra época... outro lugar”. Hill vinha do sucesso de “48 Horas” [1982], com Nick Nolte e Eddie Murphy, e certamente apostou suas fichas, junto com as do produtor Joel Silva, num hit de ação embalado por performances musicais de rock. Inclusive, o título vem da canção de Bruce Springsteen, que terminou não liberando a faixa. Tinha tudo para ser uma trilogia protagonizada por Tom Cody, seu jeito ríspido e seu sobretudo à la “Blade Runner – O Caçador de Androides” [1982], mas o canastrão Paré só voltaria ao papel 18 anos depois, em “Road to Hell” [2012]. Curiosamente, quem iria encarnar Cody era o ex-beatle Paul McCartney. Imaginá-lo dando um gancho de direita na namorada só para tirá-la do perigo é algo que eu pagaria para ver. Numa realidade paralela, quem sabe. Porque nesta é Michael Paré, um astro B naquele tempo, quem parte para o ataque, com a ajuda da soldada feita por Amy Madigan e do empresário musical franguinho incorporado por Rick Moranis. Walter Hill e o corroteirista Larry Gross não perdem tempo, e embora a narrativa seja ágil eles conseguem encaixar os “números de música” sem atrapalhar a ação. A trilha sonora é um primor do gênero, além de ajudar a empurrar a história. Entre os destaques, temos além da já citada música do Fire Inc., “Sorcerer” [Marilyn Martin], “One Bad Stud” [The Blasters] e “Hold That Snake” [Ry Cooder]. Hill nunca perde a chance de justificar o título, explodindo tudo o que dramaticamente é permitido. Além do mais, tanto a edição de Jim Coblentz, Freeman Davies e Michael Ripps [não creditado] quanto a fotografia assinada por Andrew Laszlo se sobressaem em diversos momentos específicos. Apesar da atmosfera cartoon, realçada vez ou outra, por conta de propositais elementos retrô da década de 1950, confesso ter achado o filme bem resolvido e muito divertido. Não sei dizer se seu fracasso nos cinemas foi justo, é preciso uma análise mais contextual. Se bem que o herói é bruto como um cavalo selvagem, enquanto a mocinha só não faz cara feia quando está no palco, ou seja, a química entre os dois é algo discutível. De qualquer maneira, o tempo sempre conspira para colocar tudo no seu devido lugar. [14.09.14]

BARFLY – CONDENADOS PELO VÍCIO * * * ½
[Barfly, EUA, 1987]
Drama - 100 min
O mundo-sarjeta de Charles Bukowski, regado a álcool, sexo e uma sensibilidade poética no olhar para os marginalizados. O escritor nascido na Alemanha, mas radicado nos Estados Unidos, costumava dizer que as pessoas reais se encontravam nos bares e nas ruas, geralmente buscando sobreviver. De texto enxuto, sem firulas digressivas, e tom seco, escreveu compulsivamente sobre o lado B do “sonho americano”, seja em poemas, contos ou romances, usando ele mesmo como referencial. Este seu único roteiro original, baseado na sua época de alcóolatra em Los Angeles, foi encomendado pelo cineasta Barbet Schroeder, no que viria a ser seu primeiro filme made in USA. Quem interpreta Henry Chinaski, ébrio alter ego do autor, é Mickey Rourke, bem antes de ficar com o rosto quase deformado, contracenando com Faye Dunaway e diversos copos de cerveja e uísque. Seria só mais um drama sobre o encontro entre pessoas perdidas em seus comportamentos autodestrutivos se não fosse a astúcia dos diálogos de Bukowski, que faz uma participação na cena dos protagonistas se conhecendo, muitas vezes romantizando o estilo de vida retratado, mas sem esquecer a melancolia em volta dos personagens. Schroeder somente destaca a câmera no início e no final, quando emula a “mosca de bar” do título; no mais, deixa as linhas bukowskianas guiarem a narrativa. Linhas essas que contêm muitas pérolas textuais e observações particulares acerca da vida em sociedade. A produção concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes e teve várias dificuldades para ser realizada. O próprio Bukowski tratou de retratá-las no divertidíssimo “Hollywood”, livro publicado dois anos depois. Para ver e ler. [17.11.14]

JOHNNY, O GÂNGSTER * *
[Johnny Dangerously, EUA, 1984]
Comédia - 90 min
Um jovem Michael Keaton emula James Cagney nessa sátira meia-boca do gênero que teve seu auge nos 1930/1940. Amy Heckerling vinha do sucesso de “Picardias Estudantis” [1982] quando pôs em cheque seu talento para a comédia. O filme não é um desastre, apenas não decola. Heckerling até se esforça, brinca com recursos narrativos, mantém o timing, insere uma animação protagonizada por testículos... Enfim, vai do gosto ao desgosto para acertar em algo. Inclusive, repete uma mesma gag usada por Mel Brooks em “Silent Movie” [1976]. Sem querer querendo algumas coisas saem engraçadas, mas no geral é uma pizza fria com pouco queijo. E queijo, numa pizza, é essencial. [25.01.15 – Telecine Cult]

PARIS, TEXAS * * * *
[Idem, ALE/FRA/GB/EUA, 1984]
Drama - 145 min
O cult road movie de Wim Wenders, atravessando a alienação social derivada de um árido "american way of life". Exaustivamente comparado, com alguma razão, ao clássico de John Ford “Rastros de Ódio” [1956], o qual expunha a crise do Velho Oeste, traz a jornada de um homem se reconectando ao mundo que o feriu. Para depois entender não pertencer mais a ele, incluindo o filho pequeno e a ex-esposa. O texto do ator/dramaturgo Sam Shepard é uma pérola, desfia as camadas do enredo aos poucos, sem se atropelar ou perder o tom. O inusitado protagonista é feito por Harry Dean Stanton, marcado até hoje. Ele custa a falar, mas quando o faz domina o quadro. Seu monólogo de costas para o vidro que o separa de Nastassja Kinski é fantástico – e logo em seguida há aquela sensacional sobreposição do rosto dele no dela. Wenders faz um inspirado uso do enquadramento para mover a história, auxiliado pela fotografia “viva” do holandês Robby Müller. Da mesma forma, impossível não comentar o score de guitarra executado por Ry Cooder, visitando a canção gospel-blues de Blind Willie Johnson sobre a crucificação de Cristo, “Dark Was the Night, Could Was the Ground” [1927]. É fácil entender o status alcançado pela produção ao longo dos anos, as influências provocadas pela narrativa intimista de Wim Wenders, seguindo um personagem que tem consciência, dolorida, do seu não pertencimento. O quanto não passa de um estranho em sua própria vida. [26.01.15]

MEU QUERIDO COMPANHEIRO * * *
[Longtime Companion, EUA, 1989]
100 min - Drama
Com sensibilidade e leveza [até onde é possível], traça um painel muito humano do assombro da AIDS nos anos 1980. Estreia de Norman René na direção de longas – ele só faria mais dois filmes, todos com roteiros de Craig Lucas –, foi a primeira produção estadunidense a levar o tema para o grande público. O elenco de jovens rostos conhecidos trata tudo com delicadeza, sem afetação ou overacting. Contudo, o destaque é mesmo Bruce Davison dizendo ao amante [ou companheiro de longa data, como colocavam os jornais da época] que está tudo bem se ele quiser morrer, numa cena comovente. No fundo, trata-se de uma bela celebração do amor sem julgamentos, da amizade e da vida. [18.02.15]

MISTÉRIO NO PARQUE GORKY * * ½
[Gorky Park, EUA, 1983]
Suspense - 128 min
Esse suspense policial que se passa na fria/extinta URSS tem início promissor, mas, ao arrastar demais a trama, desliza aqui e ali em redundâncias ou movimentos óbvios. Dirigido por Michael Apted, é baseado no livro de Martin Cruz Smith, publicado dois anos antes. O detalhamento da investigação conduzida pelo personagem de William Hurt parece ser mesmo o ponto forte da narrativa. Pena nos privar de reviravoltas mais surpreendentes. [27.02.15 – Netflix]

A PRINCESA PROMETIDA * * ½
[The Princess Bride, EUA, 1987]
Aventura - 98 min
Divertida sátira aos contos de fada dirigida por Rob Reiner. Trata-se de um filme muito querido pelos estadunidenses. Para eles, um verdadeiro cult oitentista. Adaptado por William Goldman do seu próprio livro, publicado publicado em 1973, possui um tom ingênuo que pode não encontrar eco em todo mundo. Reiner estava em grande fase, vindo do ótimo “Conta Comigo” [1986]. Em seguida, faria “Harry & Sally – Feitos um para o Outro” [1989]. Nesse entremeio, lançou a jovem e linda Robin Wright, hoje fazendo sucesso na série “House of Cards”. Há ainda uma hilária participação de Billy Crystal, escondido numa pesada maquiagem. Fora a icônica frase repetida seis vezes por um eloquente Mandy Patinkin [“Olá. Meu nome é Inigo Montoya. Você assassinou meu pai. Prepare-se para morrer.”] e a presença do lutador de wrestling André the Giant, falecido em 1993. Uma obra de fantasia para ser vista como a mesma se apresenta: sem pretensão. [03.02.15 – Netflix]

PARA SEMPRE NA MEMÓRIA * * *
[Permanent Record, EUA, 1988]
Drama - 92 min
Título evocativo, tanto o original quanto o brasileiro, para uma sensível narrativa sobre precisarmos lidar com perdas que não entendemos. Quem tem mais de 30 anos certamente deve se lembrar desse drama com Keanu Reeves, ainda em começo de carreira, muito popular no final dos anos 1980 – ou então nas exibições na TV na década seguinte. Ele faz esse estudante secundarista, um tanto aéreo e com vocação musical [pré-“Bill & Ted – Uma Aventura Fantástica”, 1989], cujo melhor amigo se suicida durante uma festa, afetando todos da turma. O roteiro escrito a seis mãos consegue nos passar a angústia da morte do personagem David, uma vez o mesmo sendo falso protagonista por um terço da fita. Assim, o vazio e a confusão sentidos pelos colegas chegam também até nós, sobretudo quando os motivos do rapaz, bem estimado por seus pares e com futuro promissor, não são tão esclarecidos, ficam na sutileza de um desconforto existencial pouco perceptível. A diretora Marisa Silva alcança o tom harmônico de uma música triste que trata dos sonhos interrompidos e dos questionamentos surgidos com a dor. A vida continua, sempre, como mostra a chorosa cena da canção “Wishing on Another Lucky Star”, composta por J. D. Shouther. Embora a cerca de arame do último plano permaneça para gravarmos permanentemente o que um dia foi perdido. [05.04.15]

OS 7 SUSPEITOS * * ½
[Clue, EUA, 1985]
Comédia - 94 min
Divertida "crime comedy whodunit" [quem matou?], com plot ao estilo Agatha Christie e elenco cheio de energia encabeçado por Tim Curry, o dr. Frank-N-Furter de “The Rocky Horror Picture Show” [1975]. Estreia na direção de Jonathan Lynn [“Meu Primo Vinny”, 1992], trata-se do primeiro filme baseado num jogo de tabuleiro, no caso o popular “Detetive”. Possui três diferentes resoluções, à época exibidos em cópias e sessões distintas, agora reunidas em sequência. Não chega a ser tão inspirado no conjunto final, mas há gags impossíveis de não rir. Virou cult. [10.05.15 – Netflix]

ADORADORES DO DIABO * *
[The Believers, EUA, 1987]
Suspense - 114 min
Pena a premissa com potencial macabro ser jogada no lixo por um desenvolvimento tão fraquinho. E não ajuda o fato da legendagem brasileira dos canais Telecine, como muitos já apontaram, confundir Santeria – religião africana com sacrifício de animais e, no filme, crianças – com Candomblé, apesar de compartilharem alguns elementos. Foi o premiado John Schlesinger [“Perdidos na Noite”, 1969] quem comandou com indulgência essa adaptação do livro de Nicholas Conde. O roteiro de Mark Frost, criador, ao lado de David Linch, da cult série “Twin Peaks” [1990-1991], não evita os clichês ou os personagens caricatos. Sem falar no controverso teor racista da produção, lançada no mesmo ano do muito melhor “Coração Satânico”. Mas qualquer comparação com “O Bebê de Rosemary” [1968] soa ainda mais ridículo. Tanto na época quanto hoje. [26.05.15 – Telecine Cult]

007 – NA MIRA DOS ASSASSINOS * * *
[A View to Kill, GB, 1985]
Ação - 131 min
Aquele que traz Christopher Walken como vilão e marca a despedida de Roger Moore após sete Bonds. Também é o último de Lois Maxwell, intérprete de Miss Moneypenny desde “O Satânico Dr. No” [1962]. Moore alegou a idade [tinha 57 à época] para deixar o cargo, enquanto Maxwell percebeu que nunca seria promovida a M. A canção-título é interpretada pela banda Duran Duran, a contragosto de John Barry, e concorreu ao Globo de Ouro. A trama melhora depois que deixa para trás a parte dos cavalos, encontrando tempo para fazer o agente transar com quatro mulheres, igualando Sean Connery no não oficial “007 – Nunca Mais Outra Vez” [1983]. Até a capanga feita por Grace Jones [a Zula de “Conan, o Destruidor”, 1984] ele não deixa passar. Há um ótimo “setpiece” [sequência de perseguição com logística complicada] envolvendo uma fuga num caminhão de bombeiro. [07.08.15 – Telecine Cult]


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