Filmes de 2015 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *

BOB ESPONJA: UM HERÓI FORA D'ÁGUA * * ½
[The SpongeBob Movie: Sponge Out of Water, EUA, 2015]
Animação - 93 min
Demora um pouco a desenrolar o meio de campo, porém ganha ao manter o humor característico da popularíssima série do Nickelodeon. Essa continuação do filme de 2004 leva Calça Quadrada e companhia de volta à superfície, agora desafiando o pirata-cozinheiro feito por Antonio Banderas, divertindo-se como nunca. A mistura de animação e live action agora tem o auxílio do 3D para embalar o apelo do personagem criado pelo biólogo marinho e desenhista Stephen Hillenburg junto a crianças e adultos. De maneira inteligente, mantiveram na direção Paul Tibbitt, veterano da série, craque no timing para agradar os fãs. A trama, escrita pela dupla Glenn Berger e Jonathan Aibel [“Kung Fu Panda”, 2008], gira em torno do roubo da receita secreta do hambúrguer de siri, o que leva a Fenda do Biquíni a um verdadeiro apocalipse. Além das piadas/gags inspiradas, a produção brinca, já em sua reta final, com a onda de super-heróis em voga no cinema e na TV. Do lado educativo, evoca a importância do trabalho em equipe. Claro, sem deixar de tirar um bom sarro disso também. [05.02.15 – cinema]

O DESTINO DE JÚPITER * * ½
[Jupiter Ascending, EUA, 2015]
Ficção - 127 min
Os Wachowskis investem no campo das "space operas", mas o roteiro esquemático nunca faz jus ao espetáculo visual. Mila Kunis [“Cisne Negro”, 2010] encarna Jupiter Jones, diarista em Chicago cuja rotina sacal é quebrada quando passa a ser disputada por três irmãos de uma nobreza intergaláctica com pretensões sobre a Terra. Para protegê-la, um deles envia Channing Tatum [“Foxcatcher”, 2014] na pele do ex-militar geneticamente modificado Caine Wise. Entre uma e outra escapada, eles se apaixonam. Há ideias interessantes nessa tentativa dos irmãos cineastas de construir uma nova mitologia, assim como fizeram em “Matrix” [1999]; inclusive dando outras explicações para o que antes eram falhas no sistema. Agora há tênis especiais para, literalmente, surfar na gravidade – algo só soma ao melhor do filme: suas eletrizantes sequências de ação – enquanto nosso planeta vira parte de uma colmeia para a realeza extrair tempo. Infelizmente, o desenvolvimento do mirabolante plot não sustenta a própria ambição, perdendo fôlego à medida que as burocracias narrativas nos conduzem a twists shakespearianos óbvios, voltados para o vilão fraquinho feito por Eddie Redmayne [“A Teoria de Tudo”, 2014]. Com o lançamento adiado em nove meses por causa do trabalho de pós-produção, a parte estética da produção é sensacional, bem como os efeitos visuais são empolgantes. Em contrapartida, a história corre sem freio, sem o tempo [ops...] necessário para torná-la mais consistente e aprofundar os personagens. Os aficionados por sci fi menos exigentes podem até desfrutar da experiência sem maiores problemas, sobretudo com a homenagem de Andy e Lar... Lana Wachowski a “Brazil: O Filme” [1985], com a participação de ninguém menos do que Terry Gilliam. Isso, sim, é imperdível. [05.02.15 – cinema]

CINQUENTA TONS DE CINZA *
[Fifty Shades of Grey, EUA/GB, 2015]
Romance - 125 min
A adaptação do "pornô para mamães" da britânica E. L. James se revela uma narrativa absurdamente misógina. E sem pornô algum. Obviamente, a única relevância dessa última afirmação é somente pelo “fascínio” dos leitores com as cenas detalhadas de BSDM, a prática sexual sadomasoquista, que o personagem Christian Grey impõe a Anastasia Steele como eixo do relacionamento deles. Não entrarei no mérito do livro publicado em 2011 – li o primeiro capítulo e me lembro de ter detestado a escrita juvenil –, mas sou consciente da “comoção” provocada por ele e suas duas continuações na vida de mulheres e casais. Contudo, assistindo ao filme dirigido por Sam Taylor-Johnson [também uma mulher, por sinal] e sentindo a reação efusiva da plateia a cada diálogo ou cena mais quente, fiquei me perguntando se não estava diante de outra produção. Quem sabe numa realidade paralela. Porque o que eu via era uma obra audiovisual desinteressante, cujo roteiro, assinado por Kelly Marcel, nunca convencia na relação entre os personagens, apresentava sérias distorções no conceito de BSDM, trazia provocações rasteiras [as cenas de sexo/nudez não são nada demais], uma estrutura esquemática e com furos. Além de subjugar a mulher ao absoluto domínio masculino, mostrando não compreender o que significa a palavra submissão no “contrato” sadomasoquista, uma vez que a ingênua Anastasia [Dakota Johnson, o melhor do pior da sessão] passa longe do prazer em sua condição imposta por Grey [Jamie Dornan, fraquinho]. Resumindo: era um filme de duas longas horas que girava em torno dela relutante em assinar um contrato de completa despersonalização. Literalmente. Eu realmente estava vendo o mesmo filme daquela plateia com indiscretos orgasmos sublimados? Sim, estava. Eu, que cresci numa cultura machista e derrapo numa ou noutra brincadeira/comentário sexista, acreditando não fazer por mal, senti vergonha de ser homem. Sendo assim, prefiro nem imaginar os verdadeiros motivos das mulheres gostarem tanto dessa fanfiction de “Crepúsculo” [livros/filmes] completamente vazia. No mínimo, seria devastador. [12.02.15 – cinema]

GOLPE DUPLO * * ½
[Focus, EUA, 2015]
Comédia/Ação - 105 min
Will Smith ensaia um retorno ao carisma nessa comédia de ação com roteiro que se acha mais esperto do que de fato é. Se bem que a primeira parte do filme consegue nos enganar direitinho, inserindo-nos na gangue de golpistas liderada por Smith. O modus operandi da trupe, coreografado como um balé pela dupla de diretores/roteiristas  Glenn Ficarra e John Requa [“O Golpista do Ano”, 2009], é divertidíssimo, gera boa expectativa quanto ao que vem a seguir. Pena depois da sequência das apostas durante a partida de futebol a narrativa não prosseguir no mesmo nível. Mesmo assim, há uma leveza no tom de esperteza, não é difícil deixar-se levar pelos meandros da farsa com pretensão de alcançar alguma relevância dentro do subgênero. Não chega a ecoar clássicos como “Golpe de Mestre” [1973] ou pérolas do naipe de “Nove Rainhas” [2000], mas há um senso de humor muito bem vindo. Margot Robbie, revelada em todo o seu esplendor em “O Lobo de Wall Street” [2013], garante o núcleo romântico motivador do conflito, a tentação de desviar a trama por um caminho mais fácil de vender ao público médio. Will Smith tenta cicatrizar as feridas egoicas deixadas por seus últimos trabalhos, principalmente “Depois da Terra” [2013], fracasso de bilheteria. Aqui, parece mais humilde na atuação do que de costume. Pegando carona no título original, está mais focado. Nosso compatriota Rodrigo Santoro não causa maior impressão, com sotaque carregado. Pudera, só entra em cena quando o filme já perdeu o foco e investe em reviravoltas fáceis de antever, tentando se equilibrar na linha ingrata que corta o genial do fogo de monturo. [12.03.15 – cinema]

RENASCIDA DO INFERNO *
[The Lazarus Effect, EUA, 2015]
Terror - 83 min
O documentarista David Gelb debuta na ficção com esse terror reciclado em sua trama sem maior desenvolvimento, perigoso por martelar no público uma "culpa católica". O espectador mais atento vai perceber a mistura insalubre de “Frankenstein” [1931], “Linha Mortal” [1990] e “Lucy” [2014], embora o filme estivesse pronto para ser lançado desde 2013. Só agora resolveram jogar a bomba no nosso colo. Depois que Olivia Wilde é ressuscitada por Mark Duplass [o que você faz aí, cara?] e equipe, a ciência é deixada de lado em prol das introjeções religiosas, quase numa propaganda descarada da angústia inerente ao catolicismo – remoa sua culpa para escapar do inferno. Manter a ação num único ambiente não melhora a narrativa, mas o contrário, é a descida ao inferno cinematográfico. E o que posso dizer da utilização da conhecida ária de Mozart, a agudíssima “Queen of the Night”, para identificar a presença da vilã-protagonista? Não se usa música clássica como recurso numa narrativa tão pífia. É um desrespeito desesperado à genialidade. [20.03.15 – cinema]

CINDERELA * * ½
[Cinderella, EUA, 2015]
Romance - 105 min
De fato, é quase uma reverência luxuosa à animação de 1950, embora o novo roteiro suavize o quanto pode o sexismo da fábula. A Cinderela de Lily James até canta alguns versos da ingênua [quando ficamos tão cínicos?] “A Dream is a Wish your Heart Makes” e tem a gentileza altruísta como bússola de caráter, mas também é norteada pela coragem de ir em busca do que deseja. O príncipe no cavalo branco? Pode até ser, com o detalhe de fazer o público cada dia mais politicamente correto [i.e.: sem senso de humor] compreender que dessa vez ela decide o seu próprio destino. Só não espere Cinderela dizer não ao príncipe [Richard Madden, o Robb Stark de “Game of Thrones”] para ficar com um camponês. A Disney ainda não é tão progressiva assim. Dirigido pelo shakespeariano Kenneth Branagh, a primeira parte da história roteirizada por Chris Weitz é eficiente ao mostrar como a personagem chegou ao ponto de ser a empregada da casa, governada pela madrasta má [a diva Cate Blanchett] e suas duas filhas chatinhas. Daí para frente, segue todo o protocolo narrativo conhecidíssimo praticamente ao pé da letra, com uma ou outra alteração sutil. Ainda não conseguem explicar de maneira convincente porque apenas os sapatinhos de cristal não se desfazem após a meia-noite. Só porque um ficou para trás? Não faz sentido, porém é em prol da construção dramatúrgica do conto de fadas popularizado pelo francês Charles Perrault a partir de 1697. Deixe estar. Da produção propriamente dita, os destaques vão para o magnífico design de produção do mestre Dante Ferretti e o figurino estonteante de Sandy Powell, com algumas homenagens a outros clássicos Disney. Nunca fui fã da animação original, mas até posso recomendar essa versão live action para os incuráveis românticos, sobretudo aqueles ainda não afetados pelos sintomas de uma época com cada vez menos magia. [26.03.15 – cinema]

CADA UM NA SUA CASA * * ½
[Home, EUA, 2015]
Animação - 94 min
Essa animação da DreamWorks possui personagens simpáticos e muito bom humor, com premissa extraída do livro de Adam Rex, “The True Meaning of Smekday”. Todavia, eu esperava uma sessão bem mais empolgante. Não sei até que ponto o divertidíssimo jeito de falar errado de Oh pode influenciar mal quem está começando a entender a língua [3-5 anos] e por qual motivo, para quem já decorou e desaprendeu o alfabeto, lembra [vagamente?] outra animação, “Lilo & Stitch” [2002], da Disney. Por que será? [02.04.15 – cinema pré-estreia]

PONTE AÉREA * * ½
[Idem, BRA, 2015]
Romance - 100 min
A crônica romântica entre uma paulista e um carioca até envolve e tem ritmo, apesar da estrutura pobre do roteiro com falhas e da rasura dos personagens. A diretora Julia Rezende [“Meu Passado me Condena”, 2013] fez um filme que já vimos antes, em outras pontes aéras. Mas acerta ao focar no amadurecimento dos sujeitos da trama, no crescimento individual de cada um. Só poderia ter sido um pouquinho menos obvia, trabalhado mais as interações no entorno desse amadurecer – no caso dele, o irmão recém-descoberto; no dela, o ambiente de trabalho. A química entre Letícia Colin e Caio Blat é uma ajuda e tanto, mesmo ela se sobressaindo a ele, um desses tristes casos de atores que só interpretam si mesmos. Felizmente, a trilha musical parece escolhida a dedo e o desfecho é coerente. [02.04.15 – cinema]

VELOZES & FURIOSOS 7 * * *
[Furious 7, JAP/EUA, 2015]
Ação - 137 min
James Wan entrega sequências de ação capazes de fazer o espectador se segurar à poltrona com toda força e quase faz esquecer que se trata de um filme de despedida. Quase. Iniciada em 2001 com base num artigo sobre a subcultura dos rachas de rua, a franquia se solidificou aos longo dos anos, mesmo com seus pontos baixos, graças ao carisma dos personagens encabeçados por Vin Diesel, sua ação cada vez mais adepta do exagero e, sobretudo, à importância que prega da família. Aqui, temos a fórmula elevada à nona potência quando Toretto e companhia passam a ser alvos de Jason Statham, que definitivamente não brinca em serviço. Melhor nem ligar para a falta de profundidade do roteiro de Chris Morgan, na série desde “Desafio em Tóquio” [2004] e do qual esse sétimo é descendente direto. O segredo é aproveitar a orquestração de Wan [“Invocação do Mal”, 2013] para mexer com a nossa adrenalina. Adoro a câmera girando junto com os atores nas cenas de luta, exaustivas só de olhar. Assim como consegue usar bem os elementos no gênero que o consagrou, o terror, o cineasta é esperto na dialética dos enquadramentos e na montagem para mostrar que o cinema de ação não é para cardíacos. Não se espante caso repita “Puta que p...” sem fôlego a cada dez minutos, o testemunho incrédulo diante de carros saltando de paraquedas ou literalmente atravessando dois prédios pelo ar.  Wan também não se furta de angular as mulheres daquele jeito que deixa as feministas sem senso de humor com vontade [só vontade] de sofrerem um enfarto, quando quem deveriam enfartar são os homens. Vá entender... A estrutura em três atos comete alguns deslizes, como transformar as aparições de Stathan em insistentes gags que soam over e prejudicam a imersão na história. Por outro lado, a narrativa explora tão bem a interação entre seus personagens a ponto de ser impossível não nos sentirmos parte da família de Domenic Toretto. Não sofrermos também a perda de Paul Walker, falecido num acidente de carro em 2013. Com a ajuda dos irmãos dele, de imagens não utilizadas nos filmes anteriores e do fabuloso CGI da Weta Digital, o ator prossegue até o último minuto, protagoniza a talvez melhor cena de ação [a do ônibus caindo no penhasco] e tem uma despedida que fará muito marmanjo bombado alegar um cisco no olho. Walker nunca foi um talento unânime, mas seus adeus tão lindamente elaborado nos comove tanto por ser mais um que se vai jovem quanto pelo amor demonstrado por seus amigos. Numa franquia com testosterona em excesso, um pouco de humanidade, mesmo nessas circunstâncias, faz uma diferença danada. [02.04.15 – cinema]

VINGADORES: ERA DE ULTRON * * *
[Avengers: Age of Ultron, EUA, 2015]
Aventura - 141 min
Joss Whedon assume riscos maiores nessa sequência que almeja levar seus heróis a um nível mais humano. Enquanto o primeiro filme, lançado em 2012, era mais redondinho em sua estrutura de três atos bem definida e voltada a juntar o time, agora impera a urgência desde os minutos iniciais – quando se percebe o quanto a narrativa assumiu um abrupto salto temporal para mostrar os heróis já [re]unidos em substituição a S.H.I.E.L.D., relegada à clandestinidade. Claro, para o fio da meada não escapulir, é preciso ter visto, ao menos, “Capitão América: O Soldado Invernal” [2013] e a série da TV liderada pelo ressuscitado Agente Phil Coulson. O problema mesmo é que a tal pressa mencionada reverbera negativamente no surgimento do interessante vilão Ultron [voz mixada de James Spader] e no fato do filme apenas encostar no filmaço prometido pela massiva publicidade. Como assim? Há ação de cortar o fôlego, o tom mais sombrio de segundo filme e espaço para explorar os personagens sem seus uniformes/armaduras de supers. Você não viu o filme? Sim, cara pálida, eu vi o filme. Ou pelo menos o que a plateia ensandecida de pré-estreia me permitiu ver. Assumindo roteiro e direção novamente, Whedon é experto o bastante para emular o próprio trabalho, acreditando estar subvertendo alguma coisa. O que se sobressai é o seu carinho pelos personagens, o humor entre eles, a química certeira que gostamos de testemunhar. Química essa que rende um dos filmes mais românticos do já alardeado Universo Cinematográfico Marvel, uma vez três Vingadores terem seu lado amoroso evidenciado pela primeira vez. Em meio ao caos da devastadora briga entre Hulk [Mark Ruffalo] e Homem de Ferro [Robert Downey Jr.], dentro do Hulkbuster, há tempo para afeto e família. Pena o desenvolvimento da trama em si ser um tanto indulgente, às vezes repetitivo, embora brincar com os valores morais em prol do bem universal, radicalizando suas semânticas, seja um dos bons truques do roteiro. Se Ultron é de fato um Pinóquio sem cordas com péssimas interpretações sobre como salvar a humanidade, os gêmeos Aprimorados [só a Fox pode chamá-los de mutantes] Feiticeira Escarlate [Elizabeth Olsen] e Mercúrio [Aaron Taylor-Johnson] trazem o tempero cinzento para colocar cada herói em contato íntimo com seus traumas e medos. Outra figura muita aguardada, Visão [Paul Bettany], “nasce” com toda a pinta mítica, somente para logo em seguida ser mais um dentre tantos. Se na produção de 2012, Whedon construiu com maestria o contexto que levou ao primeiro plano da trupe unida, aqui esse plano, em slow e tudo, ocorre quase que imediatamente ao fade in do prólogo, antecipando a falta de impacto que será vê-los se separarem. De todo modo, trata-se de uma sessão Marvel divertidíssima. Sobretudo como parte de uma franquia com muito a render ainda. Isso se não bagunçarem demais o meio de campo. [22.04.15 – cinema pré-estreia]

ENTRE ABELHAS * * *
[Idem, BRA, 2015]
Drama/Comédia - 100 min
Ian SBF e Fábio Porchat surpreendem com uma curiosíssima comédia dramática kafkaniana sobre, pegando carona na síndrome na qual o título é inspirado, "perder a colônia". Sim, as abelhas estão desaparecendo do mundo já há alguns anos. Porchat seria a abelha que permanece, a abelha cuja maldição é ver [ops, “ver”] as companheiras da colmeia simplesmente irem sumindo. No reino humano, seria a inversão distópica da aldeia global de McLuhan. A metáfora da individualização social do sentir-se sozinho. Estranho? Não tanto o quanto eu me pegar gostando [muito] de um filme protagonizado por Fábio Porchat. Mas dou a mão à palmatória. Minha simpatia por quem se arrisca fora da sua zona de conforto encontra eco num gênero dificílimo de agradar, a dramédia. Egressos do canal do YouTube Porta dos Fundos, SBF [Samarão Brandão Fernandes] e o amigo-sócio comediante acreditam na estranheza de sua fábula como fator positivo. Coautores do roteiro, o primeiro dirige enquanto o segundo tenta atuar sem as caras e bocas familiares ao grande público. A narrativa comete grandes acertos. Logo na primeira cena, a introdução da cadeira [elemento retomado depois] com a voz em off do amigo dá a dica de que o cineasta está atento às possibilidades da premissa. E as usa sem medo, como mostra a recriação cômica de uma cena do filme de Paul Verhoeven, “O Homem sem Sombra” [2000]. Há exemplos mais apurados: a inversão de perspectiva da condição do personagem principal e o chefe “invisível” apenas aparecer quando ele se levanta e extrapola os limites do enquadramento. Detalhes preciosos. Porchat não se permite exagerar; reage sem forçar o riso e por isso o consegue. Para um drama sem graça para alguns, até que eu ri bastante. Sobretudo nas cenas com Irene Ravache e Luis Lobianco, o humor é quase britânico, para quem compreende a piada. Refinado? Comparado ao nível rasteiro das comédias brazucas, diria seminal. No outro lado da balança, o drama não se furta de situações pesadas, como um atropelamento e um caixão cujo morto não está lá. A figura do psiquiatra seria dispensável, mas o modo como concretiza o insólito destino do protagonista o justifica muito bem. Quando o contraste com os planos iniciais de Porchat por entre os transeuntes cariocas [visualize um incomum Rio de Janeiro em tons acinzentados] nos ensina uma valiosa lição sobre o mal necessário de Rosseau. Sim, há questionamentos existenciais na jornada do herói, mesmo não implicando em mudanças mais profundas de comportamento. Seria pedir demais? E como não admirar a ousadia do desfecho abrupto, um semideus ex machina, que pede ao espectador que fabule o seu próprio final? Com todos os problemas de equilíbrio, ritmo, performance e vazio narrativo que os exigentes apontarem [e com razão], quero ver – sem aspas agora – mais filmes brasileiros assim, desprendendo-se da própria tradição. Seja do drama ou da comédia. [04.05.15 – cinema]

NOITE SEM FIM * * ½
[Run All Night, EUA, 2015]
Ação - 114 min
Liam Neeson tem apenas uma noite para se redimir dos pecados, reconquistar o afeto do filho e matar os bandidos. A única diferença é que ele também é um. No caso, um capanga remoído pelas mortes que perpetuou para o chefe, e melhor amigo, feito por Ed Harris. A correria pela sobrevivência do título original começa mesmo quando o protagonista salva o próprio filho [Joel Kinnaman, o Robocop de José Padilha] estourando a nuca do filho do patrão. Já falaram da semelhança da trama com a de “Estrada para Perdição” [2002] e de como Neeson se converteu num Charlie Bronson moderno desde o primeiro “Busca Implacável” [2008]. Aqui ele até tenta sair um pouco do piloto automático, pois o roteiro de Brad Ingelsby [“Tudo por Justiça”, 2014] adiciona uma fina camada psicológica à ação com violência gráfica. Nada profundo, mas é interessante a relação entre Neeson e Harris e como o primeiro não permite que o filho dê o passo capaz de torná-lo igual a ele. Pena ter um óbvio diálogo expositivo explicando isso. A direção do espanhol Jaume Collet-Serra [“Sem Escalas”, 2014] passa por cima dos clichês e dos buracos contidos no plot para desfilar excessos estéticos em animações 3D de Nova York e sequências de ação sob medida. O arremate da sessão é simples: situações de extremo perigo, no cinema, sempre são ótimas, e batidíssimas, deixas para reatarem-se os laços familiares. Pena geralmente serem tarde demais. [05.05.15 – cinema]

MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA * * * ½
[Mad Max: Fury Road, EUA/AUS, 2015]
Ficção - 120 min
Testemunhe a ópera rock pós-apocalíptica de George Miller, numa sequência-reboot tardia, mas com energia alucinante. Sim, já se passaram 30 anos desde o mediano “Mad Max: Além da Cúpula do Trovão” [1985] encerrar a trilogia ozploitation protagonizada por Mel Gibson. Agora é o britânico Tom Hardy que veste a carapuça atormentada do Guerreiro da Estrada e participa de um filme no mínimo prodigioso, cheio de mensagens e muito [mesmo] a ensinar aos atuais filmes de ação. Aos 70 anos de idade, o australiano Miller, diretor-roteirista de toda a série, executa uma perseguição de duas horas com reverberação sensorial de cortar o fôlego, sem se esquecer de contar uma história e desenvolver a dinâmica dos seus personagens. Não há dúvidas de que, no meio do caos no qual somos jogados, com um empurrãozinho do 3D, o maestro tem o controle da situação: arquiteta sequências ininterruptas à moda antiga [efeitos práticos, pouca computação gráfica] como um elaboradíssimo desfile de carnaval se desconstruindo insanamente em meio ao mundo desértico melhor apresentado em “Mad Max 2: A Caçada Continua” [1981]. Há mais referências a esse segundo filme do que aos outros, ainda que Max Rockatansky continue o mesmo herói relutante da produção de 1979 e, sobretudo, suas duas continuações. Detalhe sintomático, pois mostra que ele, enquanto personagem, tem pouco ou quase nada a acrescentar à sua versão século 21. O problema se resolve com outro problema; Max termina sendo um coadjuvante no seu próprio filme – e isso só não incomoda mais porque o desvio da atenção para a Furiosa de Charlize Theron é tão natural quanto o talento e a beleza da atriz sul-africana. Ainda há o interessante Nux feito por Nicholas Hoult, uma investigação nos processos por trás de um terrorista-kamikaze guiado pelo fanatismo religioso. Sem falar no discurso feminista longe da afetação radical, portanto temos atrizes lindas em trajes sumários, só que contextualizados e servindo tanto ao enredo quanto ao discurso, reforçado pelos diálogos entre elas. A proeza da ação, com planos de câmera e montagem sensacionais, sem falar no uso do frame rate acelerado e na fotografia com uma variação magnífica cores, duela apenas com a maneira como Miller explorou o fiapo de enredo para exercitar uma estética neopunk com algo a dizer. O filme funciona bem até para quem não é iniciado no universo Mad Max. Estamos diante do blockbuster mais autoral do ano? Fiquemos observando. O fato é que a lisérgica experiência ressuscita o interesse por uma franquia agora com mais estilo, e fúria, do que nunca. [14.05.15 – cinema]

POLTERGEIST – O FENÔMENO *
[Poltergeist, EUA, 2015]
Terror - 93 min
Por razões obvias, fui ao cinema sem esperar muito, mas não achava que assistiria a um remake tão ridículo em seu "diálogo" com o original. Se por acaso existirem motivações interessantes [sério?] em se refazer uma obra, seriam a dialética da nova produção com a fonte [como ela se coloca no mesmo universo da outra] e de que maneira atualiza o enredo e os temas já trabalhados. O resto é marketing. Dito isso, não me resta outra opção para concluir: a nova versão do clássico de terror dirigido por Tobe Hooper em 1982, com argumento de Steven Spielberg, falha nas duas coisas. E falha feio. Sai o charme do original – o fascínio pelo sobrenatural se convertendo num pesadelo familiar – e fica o carbono genérico pós-˜Identidade Paranormal” [2009], que apela para os sustos gráficos e sonoros como forma de manter o espectador acordado. O máximo que o diretor Gil Kenan [“A Casa Monstro”, 2006] faz são gags com o filme de Hooper, como a abertura partindo do detalhe dos pixels e saindo por um tablet [hum...] e a cadeira de balanço onde antes sentava o boneco de palhaço. Nessa versão, a história é vista pelos olhos do filho do meio, e por alguns momentos ficamos na dúvida sobre quem será levado para o outro lado. E se não íamos junto com a mãe resgatar a garotinha Carol Anne [rebatizada como Madison], agora um drone traz imagens direto de lá. O roteiro de David Lindsay-Abaire [“Oz: Mágico e Poderoso”, 2013] tenta ser experto antecipando a reviravolta que levava à última sequência no filme de Tobe Hooper, mas apenas dá um tiro no pé, pois não põe nenhuma novidade no lugar. Quanto ao elenco, é só coisa da minha cabeça ou Sam Rockwell parece estar no filme contra a vontade? E o que dizer dos fantasmas, que agora “surfam na rede elétrica” de forma quase explícita? Ou da médium feita Zelda Rubinstein como uma figuraça, substituída por um Jared Harris sem graça? Ou da televisão, que perde o impacto dramático o qual já teve um dia? Sem qualquer inspiração digna do mínimo elogio, o caça-níqueis da união entre Fox e MGM nem arrisca mexer na nossa memória afetiva de um terror tão assustador quanto comovente. A não ser que você seja o medroso insensível dos dias de hoje. [21.05.15 – cinema]

TERREMOTO – A FALHA DE SAN ANDREAS * * ½
[San Andreas, EUA, 2015]
Ação - 114 min
Os efeitos visuais bem finalizados junto ao esforço e carisma do elenco ajudam [ora não?] a embarcar nesse filme-catástrofe absorvente. E quando falo em carisma, refiro-me a Dwayne Johnson, ex-The Rock [ou para sempre The Rock], um brutamontes que simpatizo e o qual finalmente começa a ser protagonista dos próprios blockbusters. Não é grande ator, mas sua presença em cena é simpática e quase compensa sua canastrice. Quase. O argumento de Andre Fabrizio e Jeremy Passmore, apoiado no medo estadunidense em relação à Falha de San Andreas, é, em si, uma falha. Afinal, a única escolha moral do herói recai em abandonar o serviço [ele é um bombeiro de resgate] para socorrer a família. Mas podemos julgá-lo por isso? Não me atrevo. Só me atrevo a pensar que Carlton Cuse tentou explorar o fiapo de enredo no limite de sua capacidade, esboçando um roteiro que toma o caminho mais fácil: tornar a escala de destruição o apelo para ajeitar todas as questões [ah, meus tempos de gestalt] familiares. Num nível não exigente demais, cumpre a função, mesmo que passe por cima de tropeços básicos e clichês como se não os tivesse vendo. Tampouco nós, com aqueles malditos óculos 3D que apenas tiram o brilho e as cores da imagem. Brad Peyton é quem orquestra o espetáculo tenso e, em seus melhores momentos, de mexer com nosso fôlego, sem se importar se há mais emoção barata do que conflito dramático, ou personagens rasos recitando frases de efeito batidíssimas, vivendo dramas dantes já vistos. Nesse sentido, há uma sensação de déjà vu cuja relação com “Twister” [1996] é sintomática do colapso das ideias dessa geração. Você saberá quando a sentir, garanto. No mais, esqueça todas essas bobagens de críticos amargurados e se divirta com edifícios caindo e tsunamis lavando os escombros, enquanto os personagens arrumam tempo para paquerar e reaver casamentos. Depois, não remoa tanto a culpa por, durante duas horas, ter abstraído a tragédia recente no Nepal. Afinal, Hollywood não é tão sensível quanto aos desastres reais que acontecem à sua volta. E não se preocupe: se The Rock não for correndo salvar você é porque a família sempre vem em primeiro lugar. Ou então ele está muito ocupado fazendo 105 selfies em três minutos e entrando para o Guinness Book, o livro dos recordes inúteis. Como ele deixa claro no filme, um sujeito legal valoriza suas prioridades. [29.05.15 – cinema]

CHAPPIE * *
[Idem, EUA/MEX/ZAF, 2015]
Ficção - 120 min
O tom cartunesco dispensado por Neill Blomkamp soterra as potenciais questões abordadas – existenciais, religiosas e sociais –, transformando a sci-fi num bagunçado pastiche de si mesma. Sim, é divertido em vários momentos, o que ganha peso [ou perde peso ganhado] com o realismo dos efeitos visuais. Por outro lado, os movimentos do roteiro de Blomkamp e sua esposa Terri Tatchell nunca soam consistentes, como se estivéssemos diante de uma “screwball comedy” sem o timing correto. Para piorar, os personagens são rasos, caricatos, não criam empatia. Até o robô-título, carismático em sua busca por apreender o certo e o errado e evitar sua iminente morte, é mais um fantoche tentando dar o mínimo de coerência à narrativa, versão ampliada do seu primeiro curta, “Tetra Vaal” [2004]. O cineasta sul-africano que foi sensação em 2009 com “Distrito 9” parece recuar mais um passo depois do bem intencionado [e só] “Elysium” [2013]. Espero que não esteja sofrendo o “efeito Shyamalan”, sobretudo quando seu próximo trabalho dará prosseguimento às desventuras da tenente Ripley na franquia “Alien”. Que ele não use as referências erradas, como fez aqui. Mesmo com a melhor das intenções. [03.06.15]

TOMORROWLAND – O LUGAR ONDE NADA É IMPOSSÍVEL * * *
[Tomorrowland, EUA/ESP, 2015]
Ficção - 130 min
A imaginativa sci-fi com apelo retrô de Brad Bird defende o pensamento otimista como a chave para salvar o futuro. Em virtude disso, talvez seja um pouquinho mais difícil o filme encontrar seu público. No cinismo da era em que vivemos, parece ser mais confortável taxar a obra de ingênua, boba, do que embarcar nela, com ou sem pin, e absorver toda a positividade que ela emana. Sem falar do nosso preconceito “progressista” em relação a filmes com mensagem [por serem politicamente corretos]. Bem, aqui vai uma dica: esqueça o parti-pris sintomático do nosso estado de espírito e se divirta como se ainda fosse uma criança sonhadora querendo consertar o mundo. É esse o charme da história de Damon Lindelof, Bird e Jeff Jensen, baseada numa atração temática da Disney. É esse o convite. Por que não aceitá-lo? Sim, o desenvolvimento do plot não é esse primor todo, há falhas em várias direções. Quando a verdadeira trama se estabelece, muito tempo já foi gasto, o que nos faz saltar direto para o final. Em compensação, o tom do filme é ótimo, meio anos 1950, com referências geeks [a começar pela produtora, a A113] e gags engraçadíssimas, mas sem nunca perder de vista o contexto e não dispensando a sensação de perigo quando necessária, com alguma violência robótica. Em seu segundo trabalho em live action, Brad Bird [“Os Incríveis”, 2004] imprime ritmo e fluência spielberguianas a um enredo que pode parecer confuso, com dimensões paralelas, mas que se revela absorvente quando as peças estão todas montadas. O elenco se diverte de maneira notória, sobretudo George Clooney e as jovens Britt Robertson e Raffey Cassidy. A produção talvez não esconda sua pegada de autoajuda acerca do mundo doente por conta da negatividade entorno dele, porém isso diz mais sobre nós, espectadores, do que sobre o filme. Abaixe a guarda fatalista e aproveite o blockbuster mais bem intencionado dos últimos anos. Dificilmente veremos outro parecido. [04.06.15 – cinema]

JURASSIC WORLD – O MUNDO DOS DINOSSAUROS * * *
[Jurassic World, EUA/CHI, 2015]
Aventura - 124 min
O cineasta Colin Trevorrow acerta em cheio ao fazer dessa nova sequência uma homenagem nostálgica ao filme original, lançado há exatos 22 anos. Ele sabe que, por mais realistas que sejam os atuais efeitos especiais, não há nada de novo em ver dinossauros correndo atrás de pessoas. Ou vice-versa. Sua solução criativa? Ser honesto consigo mesmo. Ele e Derek Connolly, que escreveu seu filme anterior, a sci-fi indie “Sem Segurança Nenhuma” [2012], pegaram o tratamento do roteiro feito pelo casal Amanda Silver e Rick Jaffa e o reformularam como um revival de “Jurassic Park – Parque dos Dinossauros” [1993], dirigido por Steven Spielberg. O resultado funciona. E como! Trevorrow emula a sensação de deslumbramento com a própria proeza que o primeiro filme passava tão bem, com o adendo de ser usado como comentário acerca da inexorável substituição da sensação anterior pelo desespero. Jeff Goldblum também verbaliza algo parecido no segundo filme da franquia, ignorado aqui. A narrativa é consciente do lugar no qual se coloca, da sua repetição arquetípica, se a expressão cabe. Tanto que comete uma gag genial logo no início, com uma “pesada” que brinca em cima [esse foi sem querer, juro] de outra bastante conhecida, e nem dá atenção quando o T-Rex surge no fundo da cena, preferindo focar num personagem falando ao celular. Mas relaxe, o momento do nosso herói por acidente está guardado. Até porque o astro jurássico da vez é o Indominus Rex, um híbrido genético inteligente e sanguinário. Depois que o monstro gigante arquiteta sua fuga e inicia a matança, a adrenalina se mantém alta quase de maneira ininterrupta, cabendo ao carismático Chris Pratt [“Guardiães da Galáxia”, 2014] e companhia salvarem o dia. Colin Trevorrow conduz a aventura com mais acertos que erros, potencializando os momentos de perigo e focando nos personagens. Muitas vezes, os dinossauros surgem com as cabeças cortadas ou apenas no fundo da ação, mostrando que o interesse da narrativa é humana, não tecnológica. Ótima opção. Claro, tecnicamente é uma produção irrepreensível, do tipo segure-se na poltrona para não ser devorado. Por outro lado, não se esquiva de um humor e diálogos espertos, levantando questões as quais, sem aprofundá-las, anima o espectador mais atento. Mas nada disso supera [num nível pessoal, talvez] as referências que Trevorrow faz à própria experiência com o filme de 1993, e como transmite isso a quem também experimentou o mesmo impacto das possibilidades oferecidas pelo cinema. Nesse sentido, o uso do icônico tema musical de John Williams, mesclado ao score de Michael Giacchino, é de aflorar a emoção da criança boquiaberta: resgata coisas daquela ida ao cinema, há mais de 20 anos, capazes de deixar um sorriso de orelha a orelha. No fim das contas, estamos diante de uma genuína “fanfiction”, realizada com a cabeça e o coração. E todo o aparato que dá vazão a esses dois. [11.06.15 – cinema]

DIVERTIDA MENTE * * * * ½
[Inside Out, EUA, 2015]
Animação - 94 min
Impossível não entrar de cabeça [eu sei...] e se encantar com a experiência engenhosa e muito humana nos presenteada pela Pixar. A narrativa mostrando o que se passa na mente da garotinha Riley, notadamente as cinco emoções que ajudam a compor sua personalidade, enquanto ela lida com a mudança de cidade é uma das premissas mais bacanas do estúdio. Embora não seja a mais original [assista no YouTube a um episódio da série “Herman’s Head”, 1991-1994], é cativante e complexa o suficiente para sairmos do cinema com a sensação de que algumas coisas não serão mais as mesmas. Pelo menos eu não recordo um filme que trabalhasse de maneira tão estimulante as mudanças de humor nos seres humanos. Óbvio que quantidade de emoções é muito maior do que as selecionadas pelo diretor Pete Docter [“Up! – Altas Aventuras”, 2009] e seu codiretor Ronaldo Del Carmen, mas era preciso simplificar para não espantar o público-alvo. Eles usaram, como já mencionei, cinco emoções básicas – Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojo –, diferindo da classificação do psiquiatra canadense Eric Berne [1910-1970] apenas por substituir Afeto por Nojo, esta com insuspeita cara de brócolis. Aliás, todas as emoções possuem uma forma característica daquilo que representam e algumas das melhores partes da animação ocorrem por conta das suas interações umas com as outras, nem sempre harmônicas, na chamada sala de controle, que talvez pudesse ter recebido um nome menos behaviorista. Seja como for, a história complica quando Alegria e Tristeza são acidentalmente lançadas para fora da sala, deixando Medo, Raiva e Nojo sem saber como contornar a menina em estado neutro, apático. Tal destaque nas duas emoções tentando retornar aos seus lugares nos conduz à grande mensagem da obra, comovente, e ousada [humanista?], pela defesa da melancolia em detrimento da felicidade constante [egoísta?] como rito de passagem. Quantas animações já tocaram na questão da tristeza subjacente ao fim da infância? Não precisa contar muito. Apenas deixe as fortalezas de adulto ser derrubadas por diálogos inteligentíssimos, sacadas imaginativas [as do inconsciente e do pensamento abstrato são fantásticas] e gags geniais num passeio pelos recantos mentais de uma garota tentando compreender tanto o mundo quanto si mesma. Uma daquelas experiências com poder de marcar. [18.06.15 – cinema]


MINIONS * * ½
Animação - 91 min
O carisma dos capanguinhas amarelos de fala hilária justifica essa prequel spin-off de "Meu Malvado Favorito" [2010]. Na condição de coadjuvantes, eles roubaram a cena do vilão-protagonista Gru, sobretudo na continuação de 2013. Quando ficou claro que era inevitável uma produção focada somente nessas criaturas cuja razão de existir é servir a um “gênio” do mal. De fato, a primeira parte contendo seus idos primórdios e suas tentativas atrapalhadas de encontrar um mestre para preencher o vazio existencial dão o tom certo da narrativa. Pena estarem no trailer. Pena o enredo não melhorar muito depois disso. Quando encontram a candidata à vilã Scarlett Overkill, o roteiro assinado por Brian Lynch embola, morde o próprio rabo e custa a soltá-lo. A sorte é termos Pierre Coffin, que esteve por trás de todos os filmes, continuando como codiretor. Mantém o humor característico, além da identidade visual da série. Fora as gags e referências à época retratada - a Londres de 1968. De tudo, o melhor ainda é a indizível linguagem dos minions, dublada pelo próprio Coffin [portanto a salvo da dublagem nacional, cada dia infestando mais as salas de cinema]. Eu pagaria sem pestanejar para ver tiraram a narração e os diálogos humanos. Imaginou um “Minions” estilo “A Gangue” [2014], em que só há a linguagem dos sinais e sem legendas? Mais fácil ousar na Ucrânia do que em Hollywood. Certo? [24.06.15  cinema]

​O EXTERMINADOR DO FUTURO: GÊNESIS * * ½
[Terminator: Genisys, EUA, 2015]
Ficção - 126 min
Para o bem ou para o mal, homenageia os dois primeiros filmes de James Cameron [1984 e 1991], ao mesmo tempo que os subverte sem dó. E não digo isso de maneira negativa. Inclusive, recomendo rever as produções [eu o fiz] para não perder nenhuma das referências que tentam se integrar organicamente à nova premissa. Garanto que é a parte mais divertida. Principalmente pelo fato do roteiro de Laeta Kalogridis e Patrick Lussier ter como inspiração o conceito da linha temporal alternativa/modificada de “De Volta para o Futuro 2” [1989] para justificar esse reboot da franquia. A intenção é ótima. Revisitamos cenas do original sobre outro ponto de vista, dessa vez de Alan Taylor, que chamou a atenção na série “Game of Thrones” e migrou de vez [hum...] para o cinema com “Thor: O Mundo Sombrio” [2013]. Aqui, comprova ser um diretor eficiente e com noção de ritmo, mas ainda sem personalidade. Muitas vezes, Taylor copia os mesmos planos de câmera de Cameron apenas para depois testar algo diferente. Uma delícia. Assim como as mirabolantes reviravoltas da primeira metade da trama, capazes de fazer os mais afeiçoados pela série [odeio a palavra fãs, embora já a tenha usado muito] coçando a cabeça. O humor também tenta ser mais equilibrado – nada tão pavoroso quanto a gag dos óculos e o “Talking to the Hand” de “A Rebelião das Máquinas” [2003], ignorado junto com “A Salvação” [2009] –, com o sorriso forçado de Schwarzenegger e o bordão “Velho, não obsoleto” retirados do segundo filme. Aliás, o velho Arnold continua esbanjando carisma, agora como o Guardião [spoiler?], e nem a presença de Emilia “Khaleesi” Clarke, trazendo de volta Sarah Connor, ofusca seu sotaque forçado. Todavia, quando as surpresas terminam, a história adquire problemas para empolgar. Há tantas questões lançadas que pode ressoar num filme confuso para alguns espectadores. Mas não é. O problema é “apenas” o roteiro não saber o que fazer direito com elas, deixando até perguntas sem respostas. O início de uma trilogia, está certo. Estamos na época em que um único filme não cabe em si. Pura deturpação comercial e que não alivia a indulgência do caminho para onde conduzem os personagens e certas “forçações de barra” – ainda não engoli aquele upgrade do exterminador no final. O próprio James Cameron endossou a sequência, dizendo ser a terceira parte da saga que ele começou há 31 anos. Eu já esperava que a radicalização fosse ser mais fundamentada, sólida. Apelo e potencial sem dúvida tem que sobra. Os direitos da franquia retornam para o “rei do mundo” em 2019. Aí eu quero ver como [e se] ele vai consertar o que não tem mais jeito. [02.07.15 – cinema]​

CIDADES DE PAPEL * * ½
[Paper Towns, EUA, 2015]
Comédia/Drama - 109 min
Já assistimos a esse filme antes, em outras Sessões da Tarde, o amadurecimento caminhando junto com a valorização da amizade. No embalo do sucesso de “A Culpa é das Estrelas” [2014], outro livro do vlogger John Green ganha adaptação cinematográfica. Mantiveram até a mesma dupla de roteiristas, Scott Neustadter e Michael H. Weber, que provavelmente tiveram mais trabalho. Não li o livro, mas dizem que a produção o supera, é mais dinâmica. O próprio Green comenta que uma cena não existente no livro é tão boa que lamenta não ter pensado nela durante o processo da escrita. De todo modo, a história é mais bobinha, cheia de incoerências e personagens mal escritos. Incluindo aí a própria Margo [não vi essa magia toda em Cara Delevingne], egocêntrica e desinteressante. Sua suposta química com o Quentin de Nat Wolff, mais carismático, é forçada pela boa intenção do espectador. Felizmente, o longa se volta para o trio de amigos, Quentin, Ben e Radar, como o verdadeiro espírito da obra. Isso salva a experiência do desastre arquitetado pelas frases feitas que saem da boca dos personagens. Green pode até falar a língua da juventude – estadunidense –, mas, nesse caso, deixa os arquétipos pronunciarem os diálogos. Ironicamente, o título parece bem adequado à estrutura da trama, uma mistura de “Garota Exemplar” [2014] versão teen com “Os Goonies” [1985] versão sem aventura. O diretor Jake Schreier [“Frank e o Robô”, 2012] se esforça para criar uma atmosfera de nostalgia a esse rito de passagem. Melhora de maneira considerável quando se transforma num “road movie”, parando para refletir acerca das mudanças que chegam com o futuro – nos Estados Unidos, é o fim da “high school” o estopim da reflexão. Todavia, os produtores têm tanta consciência que o apelo do filme é seu pedigree que colocam uma participação especial de um dos atores da adaptação anterior. Para o desespero bestial da plateia púbere pré-sexo que, isso é certo, não sabe direito nem por que está gritando. Impossível, para mim, não repetir baixinho o bordão de Danny Glover [quem?, a mesma plateia pergunta] na série “Máquina Mortífera”: I’m too old for this shit! Mas não desisto. Eu acho. [09.07.15 – cinema]

HOMEM-FORMIGA * * *
[Ant-Man, EUA, 2015]
Aventura - 117 min

Investe no cinema de gênero, o "heist movie", e num humor inspirado a fim de tornar grande o que tinha tudo para ser pequeno. Em outras palavras, eu não nutria muitas expectativas em relação ao primeiro filme baseado no herói dos quadrinhos criado em 1962 por Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby. Sobretudo após a saída de Edgar Wright [“Scott Pilgrim Contra o Mundo”, 2010] da direção e a entrada de Peyton Reed, mais conhecido pelas comédias românticas, como o ótimo “Separados pelo Casamento” [2006]. Por outro lado, já foi comprovado que, em sua missão de dominar o mundo [cinematográfico], a Marvel não dá murro em ponta de faca, e quando o faz usa luva de ferro. Embora seja impossível não pensar no que o talentoso Wright entregaria, também é difícil não se divertir à vontade com o resultado alcançado por Reed com notável equilíbrio. Claro, a estrutura clássica em cima da temática “passar o bastão” é esquemática na medida certa para não deixar espaço ao erro, girando em torno de arquétipos surrados para cativar o público. E o pior é que, no geral, o plano funciona bem, graças ao tom da produção e do carisma de seu elenco. Começando por Paul Rudd e sua persona gente fina, aqui tendo a oportunidade de mudar o rumo da carreira. O cara é ladrão, mas a gente torce por ele. Ponto. Michael Douglas estava precisando voltar ao mainstream, e dessa vez sem protagonizar “porn thrillers”. Evangeline Lilly segue sua escalada na Hollywood para as massas. Podemos culpá-la? E Corey Stoll faz o que pode com o vilão caricato. Encare o filme como a comédia de ação que ele é; assim a frustração com uma ou outra derrapada infantil é um bafo de calor distante. Peyton abusa do efeito de lentes macro, associado à janela 1:85, para nos deixar minúsculos como o herói-título. E a brincadeira de alternar esse ponto de vista com o tamanho real das coisas é a gag registrada do filme. Se a Marvel fosse irônica, teria colocado Joe Johnston [“Querida, Encolhi as Crianças”, 1989] para dirigi-lo. Se fosse ousada, teria deixado Edgar Wright reinventar o personagem. Todavia, o UCM [vá ao Google, se você não for geek] não admite riscos fora do controle de Kevin Feige. Mesmo que o link direto entre o fim da Fase Dois [aqui] e o início da Fase Três [“Capitão América: Guerra Civil”, 2016] se esconda na segunda, e um tanto forçada, cena pós-créditos finais. E quem se incomoda quando o plano, até o momento, parece estar funcionando direitinho? Até já escuto algum reaça encher os pulmões e gritar “chupa DC”. Hora de mudar o disco de lado, galera. [15.07.15 – cinema, pré-estreia]

PIXELS * *
[Idem, EUA, 2015]
Comédia - 106 min

Sim, há o apelo nostálgico oitentista dos jogos de fliperama e o tributo sempre bem-vindo aos nerds [não, passo longe de ser um]. Contudo, que roteiro mais canhestro e com humor forçado! Parece um daqueles “clássicos B” da Sessão da Tarde que você só lembra quando passa a chamada. Baseado no interessante curta homônimo que o francês Patrick Jean lançou na internet em 2010,  a produção desenvolve a ideia de um ataque alienígena a pixelizar os alvos-postais. Menos a Muralha da China; essa fecha o mercado. Chris Columbus dirige no ritmo de videogame – pelo menos, no ritmo de um Atari. Outrora um nome de gabarito na indústria, Columbus nunca mais fez as pazes com as bilheterias após deixar a franquia “Harry Potter” [comandou os dois primeiros] para ficar um pouco com a família. Cada escolha, uma renúncia. Os críticos mais “entusiastas” falam em uma boa oportunidade de diversão original reduzida a “um filme de Adam Sandler”. E não dos melhorzinhos. De fato, o que tinha tudo para ser uma “sci-fi comedy” em cima dos filmes de invasão extraterrestre, com um charme extra para quem já passou dos 30 e tantos, naufraga nas piadas sem graça que ocasionalmente funcionam. As referências pipocam no 3D desarrumado e escuro [os óculos não estão sendo “higienizados” direito, seu João Claudino] a todo momento, e são o melhor do filme. Pena o roteiro assinado por Tim Herlihy e Timothy Dowling ser tão infantil e indulgente e cheio de falhas e... Espere aí. Tem Pac-Man, Galaga, Space Invaders, Centopeia, Donkey Kong, Q*bert. Tudo isso não conta? Sim, e muito. Apenas reuniram a galera num jogo pobre, no qual são os bugs que saem vencedores. [30.07.15  cinema]

QUARTETO FANTÁSTICO * *
[Fantastic Four, EUA, 2015]
Aventura - 100 min
Muitíssimo aquém do esperado, visto os nomes capitaneados numa produção que nunca descobre o próprio tom. Sim, os filmes de Tim Story [2005 e 2007] foram bobinhos, mas pelo menos se assumiam como tal, tinham uma pegada despretensiosa. E não vou comentar a versão de 1994 porque, sinceramente, não me lembro dela; dizem ser bem ruinzinha. Josh Trank, diretor e corroteirista desse novo, havia feito o interessante “Poder sem Limites” [2012] e parecia a pessoa certa para dar ao quarteto de super-heróis criados nos anos 1960 uma roupagem cinematográfica empolgante. Apenas parecia. De maneira visível, há no filme um abismo entre intenção e resultado que confere desconforto ao espectador mais atento. A primeira metade soa arrastada e mesmo assim não consegue tornar os personagens menos rasos. O elenco se esforça, sobretudo Miles Teller. Uma pena todos seguirem um mapa óbvio. Jamie Bell tem potencial, não tempo. Não há conflito nos personagens, ou entre eles, que dure mais de cinco minutos. Lapidaram tanto o roteiro que tiraram o tutano, sobra a casca do que poderia ter sido. Quando o último ato chega, o vilão, mais uma vez o Doutor Destino, possui as motivações genéricas de todos os vilões, além de levar o fraquinho e apressado embate final para outra dimensão, sem graça. Trank ensaia uma pegada mais sombria aqui e ali, como na sequência de apresentação dos poderes ainda sem controle, e até acerta na conformação atualizada da família de Sue e Johnny Storm, interpretados por Kate Mara e Michael B. Jordan. Contudo, o corte vem rápido demais, pula etapas, fazendo a casca cobrir apenas o vácuo. O resultado indulgente deixa a sensação de que o interesse da Fox em realizar o reboot era mesmo somente manter os direitos sobre a franquia. Poderia ter feito isso sem arrastar tanta gente talentosa junto. [06.08.15 – cinema]

MISSÃO: IMPOSSÍVEL – NAÇÃO SECRETA * * * ½
[Mission: Impossible – Rogue Nation, EUA/HNK/CHI, 2015]
Ação - 131 min
É formidável o fôlego do cinquentão Tom Cruise, e da própria série, para caprichar na ação e na trama inteligente. Um dos fatores de chegarmos ao quinto filme pedindo mais, sem dúvida, é a alternância de diretores a cada produção. Do hitchcockiano Brian De Palma ao espirituoso Brad Bird, é sempre um aperitivo extra perceber como os cineastas mantêm elementos característicos do universo criado por Bruce Geller ainda na década de 1960, quando estreou como série televisiva, e ao mesmo tempo imprimem personalidades distintas às missões do agente Ethan Hunt. Agora é a vez de Christopher McQuarrie trazer uma atmosfera old school ao plot que finalmente traz o Sindicato, a Spectre da série original, uma organização secreta cuja agenda, até onde entendi, é promover o caos,  tornar o mundo um lugar menos seguro. Para complicar, a IMF é dissolvida por conta dos eventos de “Protocolo Fantasma” [2011] – aliás, um dos grandes baratos da nova produção são as referencias quase pontuais às anteriores, portanto esteja atento – e Hunt é perseguido pela CIA. Para provar a existência do Sindicato, o roteiro assinado por McQuarrie promove ótimas piruetas, mesclando sequências ora tensas ora divertidíssimas de ação com reviravoltas e suspense noir que nos remete a clássicos como “O Homem que Sabia Demais”, de 1956 [as cenas na ópera em Viena], e “Casablanca”, de 1942 [a personagem feita pela sueca Rebecca Ferguson, um dos destaques aqui]. Quem mais se diverte, fora Cruise e suas proezas sem dublês [a já famosa cena dele do lado de fora do avião acontece logo no começo], é o alívio cômico feito Simon Pegg, que finalmente vai a campo. Dentre todos os acertos, apenas o fato do filme ser mais rápido do que suas duas horas e 11 minutos é um certificado de que funciona muitíssimo bem. Estou curioso para ver se Tom Cruise chega aos 60 nesse pique todo. De qualquer maneira, nunca subestime o poder de uma boa dieta. [13.08.15 – cinema]

O PEQUENO PRÍNCIPE * * ½
[The Little Prince, FRA, 2015]
Animação - 108 min
Revela-se mais como homenagem ao clássico livro de Saint-Exupéry, debaixo de uma alegoria às pesadas expectativas do mundo adulto cinzento e mecanizado. De certo, a abordagem de Mark Osborne [“Kung Fu Panda”, 2008] racha as opiniões em relação a essa nova versão de uma das obras mais lidas do século XX. Desde sua primeira publicação, em 1943, a história do principezinho com cabelos de ouro encontrado pelo aviador no Deserto do Saara, além de ser uma bela e melancólica fábula da solidão infantil perante a estranheza dos adultos, vem reverberando ensinamentos tão valiosos que viraram clichês, como “O essencial é invisível para os olhos”. Essencial que se transforma em lema competitivo pela obsessão de uma mãe em fazer a filha entrar num colégio elitista. O cruel programa de estudo é abalado quando a menina tem contato com o vizinho velho e maluco e suas histórias sobre quando seu avião caiu no deserto, fazendo-o conhecer um menininho loiro que queria voltar ao seu planeta, o asteroide B 612, com saudades da vaidosa rosa deixada sozinha a mercê dos baobás. É visível a intenção de Osborne de realçar a alusão à fuga da realidade proporcionada pelo livro. Nesse sentido o faz muito bem, recriando trechos da obra em um lindo stop motion. Por outro lado, deixa a impressão de estar mais interessado na leitora do que no livro, e isso pode ser frustrante para alguns. Não é o segmento mais atraente do filme [há ecos assumidos de “Up – Altas Aventuras”, 2009], embora a própria narrativa insiste que sim. O último ato resvala numa fantasia distópica meio “Peter Pan esquecido no mundo adulto corporativista onde crianças precisam ser lobotomizadas e as estrelas aprisionadas para gerar energia”. Rende sequências visuais interessantes, sem dúvida. Mas algo se perde pelo caminho: a consistência narrativa. O resultado final não deixa de cativar, a pedido da raposa. Mesmo que seja por descaminhos arriscados. [20.08.15 – cinema]

TED 2 * * ½
[Idem, EUA, 2015]
Comédia - 115 min
O lado bom: o humor continua ácido e politicamente incorreto. O ruim: não traz qualquer vestígio do impacto de antes. Eu fui um dos que receberam a primeira incursão de Seth MacFarlane no cinema como uma das melhores surpresas de 2012. Agora, sem o frescor da ousadia, a estrutura narrativa evidencia sua indulgência. Descaradamente arrastada, destaca-se mais pela maneira como usa as referências ao UCP – Universo Cinematográfico Pop – do que pela história em si. E olha que há toda uma pegada de luta pelos direitos civis. No caso, do urso que precisa provar no tribunal que é um ser vivo e não mera propriedade. Não me incomodo com o teor das piadas de MacFarlane e sua dupla de corroteiristas, se as mesmas servem à narrativa. Tenho a impressão de que as gags eram mais orgânicas, ou pelo menos bem costuradas, no filme anterior. Aqui, muitas parecem estereotipadas, sem necessariamente mover a ação adiante. O resultado é aquela sensação de esquetes, a maior parte reciclada de “Family Guy”, série animada do agora cineasta exibida pela Fox. As mais interessantes conduzem nossas lembranças a filmes como “Touro Indomável” [1980], “Antes Só do Que Mal Acompanhado” [1987] e, a mais refinada, uma mistura de “A Praia” [2000] com “Jurassic Park” [1993] e “Contato” [1997]. Derrapa ao repetir algumas coisas, como o retorno do personagem de Giovanni Ribisi, e acerta por se manter fiel ao seu humor escrachado. Se Ted, o urso, tem alguma mensagem significativa a nos passar, é que nos dias de hoje o politicamente incorreto pode – deve – ser um estilo de vida. Saudável ou não, vai depender se a piada for de fato engraçada. [27.08.15 – cinema]


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