Filmes de 2010 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *
 
NÃO ME ABANDONE JAMAIS * * * ½
[Never Let Me Go, GB/EUA, 2010]
Drama – 103 min
Não é tão fácil de assistir a este belo filme que nos leva a refletir sobre o valor da vida humana. Difícil não projetarmos nossas próprias angústias em relação à morte nessa história sobre pessoas criadas com o único objetivo de serem doadores de órgãos. Como lidar com o amor e os impulsos de vida diante de uma existência conscientemente breve em prol da longevidade de outros? Baseado no livro de Kazuo Ishiguro, os personagens são quase transcendentais ao se conformarem com seu destino, ao mesmo tempo em que jogam para a arte o desafio de representar suas almas. Temas essencialmente tortuosos tratados com delicadeza e sensibilidade, resultando numa experiência rara. O elenco é composto por jovens talentos em ascensão, incluindo o queridinho do momento Andrew Garfield (o novo Peter Parker/Homem-Aranha). Veja com a guarda abaixada. [23.01.11]
 
O TURISTA *
[The Tourist, EUA, 2010]
Suspense – 103 min
Remake do francês Anthony Zimmer – A Caçada, de 2005, com roteiro tão bobo e preguiçoso quanto as atuações de Angelina Jolie e Johnny Depp. Saído do ótimo A Vida dos Outros, o alemão Florian Henckel von Donnersmarck (acredite, este não é o nome completo dele) estreia na direção de filmes norte-americanos com o pé esquerdo. Ao tentar remeter ao clima de obras como Ladrão de Casaca (1955), de Hitchcock, e Charada (1963), de Stanley Donner, produtos elegantes e genuínos do subgênero suspense romântico, Donnersmarck entrega um filme morno, sacal, mais preocupado em fotografar corretamente Veneza do que em contar uma história interessante. Quase metade da projeção é uma tentativa mal desempenhada de nos fazer acreditar num romance entre o abobalhado personagem de Depp e a fria Jolie. As quase inexistentes sequências de ação são na verdade gags forçadas que arruínam mais ainda a suposta diversão. O casal central escolheu um péssimo trabalho para finalmente contracenarem juntos. Infelizmente, porque ambos são ótimos atores. Mas não aqui, nesta sessão medíocre de tropeços, extremamente óbvia do início ao fim, mesmo para quem não assistiu ao original, um pouco melhor de ritmo. Nada de novo ou digno de nota. Descartável. [25.01.11 - cinema]
 
DIÁRIO DE UM BANANA * * *
[Diary of a Wimpy Kid, EUA, 2010]
Comédia – 94 min
O divertidíssimo livro ilustrado de Jeff Kinney se transforma numa boa comédia sobre tentar ser quem você não é. Embora haja um quê de Doug Funnie para aqueles que se deixarem levar pela imaginação, o tom e o timing aqui são completamente diferentes, unindo o texto esperto de Finney com o humor físico advindo, como um eco, das comédias norte-americanas dos anos 80. É fácil se identificar com as angústias de quem está encarando a difícil missão de sobreviver ao ensino fundamental, no caso aqui usando as táticas erradas para se tornar popular na escola, algo que nem todos compartilham como prioridade de estudante. Parece mais um sintoma da sociedade efusiva e competitiva de lá, certamente encontrando correspondência em algumas personalidades de outras sociedades ou classes sociais. Contudo, o filme surpreende por arrancar risos genuínos sem forçar tanto a barra, mesmo aqui e acolá não escapando desse artifício. Nenhuma comédia escapa – cinema é, em essência, o exagero da realidade. Enxuto e com o elenco certo, Diário de um Banana diverte sem apelar e ainda por cima passa mensagens fortes e significativas para um espectador mais atento. Assista sob o risco de se descobrir um completo banana.
 
TEMPLE GRANDIN * * * ½
[ Idem, EUA, 2010]
Drama – 103 min
Premiadíssimo e revigorante telefilme da HBO com uma personagem (real) que conseguiu reverter suas limitações em possibilidades. Diagnosticada como portadora de autismo desde 1950, quando tinha três anos, Temple Grandin superou toda e qualquer expectativa ao se graduar em psicologia e fazer mestrado em comportamento animal, destacando-se pelos artigos que escrevia e pela sua peculiar maneira de ver o mundo por meio de imagens. Hipersensível ao toque humano, inventou a máquina do abraço para suprir a carência em pessoas com a mesma característica. Notabilizou-se mundialmente pelo tratamento humanista dispensado ao gado por mecanismos de banho e abatimento menos agressivos. Neste belo telefilme dirigido por um especialista no formato, Mick Jackson, Temple Grandin ganha vida sob a extraordinária atuação de Claire Danes, a outrora Julieta na versão de Baz Luhrmann de 1996. Aqui ela é a alma do filme, num despenho notável que lhe valeu o Emmy e o Globo de Ouro, ocasião na qual pudemos ver a verdadeira Grandin. Um trabalho engrandecedor e até mais otimista do que Rain Man, com Dustin Hoffman. Procure ver.
 
ZÉ COLMEIA – O FILME * *
Yogi Bear, EUA, 2010]
Comédia – 80 min
A anos-luz do espírito do desenho, esta mistura de live action com CGI é divertida, porém boba e assumidamente infantil. A série animada durou de 1961 a 1988, configurando-se como uma das mais populares de sua geração. Infelizmente, o filme chega atrasado, pois nem os produtores souberam evocar o clima original. Aqui se sucede o mesmo processo de Scooby-Doo, personagens digitais com atores de carne e osso, com a diferença de ter sido rodado em 3D. Quanto ao uso da tecnologia, surpreende o fato do diretor Eric Brevig (que já havia ensaiado o formato com Viagem ao Centro da Terra, de 2008) explorar a profundidade de campo na composição das imagens, jogando o espectador para dentro delas, ainda que não consiga driblar o impulso de jogar coisas para fora da tela. A imersão é o grande barato do 3D, todos os elementos da imagem dialogando organicamente. É preciso que os realizadores, e o público, tomem consciência disso para não precisarmos esperar décadas para um amadurecimento da terceira dimensão no cinema. Fora isso, é curioso perceber que há mais química entre Zé Colmeia e Catatau, personagens digitais, do que entre o Guarda Smith e Rachel, personagens reais. Será isso algo sintomático neste entrelaçamento da narrativa humana com o estupor do alcance tecnológico? Fiquemos observando.
 
UM QUARTO EM ROMA * *
[Habitacíon en Roma, ESP, 2010]
Romance – 109 min
Esse romance erótico do espanhol Julio Medem passa longe de fazer jus ao talento de quem concebeu obras cultuadas como Os Amantes do Círculo Polar e Lucía e o Sexo. A câmera quase não consegue disfarçar seu vouyerismo ao misturar sequências de sexo entre duas estranhas que se conhecem numa noite no quintal do papa e discussões acerca da História da Arte. Na verdade, trata-se de um remake lésbico do chileno En la Cama (Na Cama, aqui no Brasil), dirigido por Matías Bize em 2005, sobre conexão entre dois estranhos – Entre Lençóis, com Reynaldo Gianecchini, é uma tentativa atrapalhada desse subgênero. O interessante do roteiro de Medem são os jogos e as falsas mentiras dessas personagens para manter uma distância saudável de seus mundos reais e, assim, viver essa fantasia de uma noite apenas. Contudo, à medida que a madrugada avança, junto com uma aproximação mais delicada, vão-se revelando as camadas, sempre doloridas, de suas verdadeiras personalidades. O problema é que os assuntos são banais, batidos, e terminam soando, em sua maioria, desinteressantes. Como se a preocupação de Medem fosse outra. As atrizes Elena Anaya e Natasha Yarovenko estão particularmente desinibidas, literalmente passando o filme inteiro nuas, e a cena da flechada metafórica na banheira se destaca do resto, bem realizada. Pautado por inversões de expectativa, algumas óbvias, o roteiro caminha lentamente ao desfecho comum e melancólico, porém realista e sem nenhuma novidade ao subgênero de desconhecidos tendo um caso, seja qual for a configuração do casal da vez. No último momento, há uma reviravolta para deixar a história em aberto. Tarde demais, pois já estamos com esse irremediável sentimento de perda.
 
DEIXE-ME ENTRAR * * *
[Let Me In, EUA, 2010]
Terror – 116 min
Remake praticamente cena a cena do sueco “Deixe Ela Entrar”, de 2008, mas ainda tenso e melancólico com a boa direção de Matt Reeves. Na verdade, o realizador de “Cloverfield – Monstro” se empenha numa quase reconstituição do filme original escrito por John Ajvide Lindqvist, também autor do livro “Lat den Rätte Komma In”, sobre a amizade entre um garoto e uma menina vampira de doze anos... mais ou menos. É como se os estadunidenses tivessem apertado a tecla SAP; eu particularmente não vi nada de novo ou diferente em relação ao sueco, fora a localização geográfica, agora no Novo México, e o elenco. Aliás, o elenco mostra o quanto Reeves entende o processo de ter as pessoas certas em seus respectivos personagens. Desde Kodi Smit-McPhee (o Garoto de “A Estrada”) a Chloe Moretz como a vampira (ela é talentosíssima com apenas quatorze anos e caminha para ficar linda), passando por Richard Jenkins e Elias Koteas, como o guardião e o policial, respectivamente, todos caem como luvas em seus papéis, ajudando o espectador a imergir nesse conto de terror cheio de camadas e em certas partes aterrorizante. Prova de que a história é forte e interessante, independente da língua. Todavia, muito boa a escolha de deixá-la transcorrer nos anos 80, nunca mostrar direito a mãe do garoto e toda a questão do bullying sofrido por ele na escola. Aliás, o mal nos seres humanos é terrível e injustificado aqui, saindo-se como um excelente contraponto para simpatizarmos com a menina e compreendermos o desfecho. Em meio à infantilidade dos vampiros bobões da “Saga Crepúsculo”, “Deixe-me Entrar” é um verdadeiro oásis. Ainda que requentado.
 
SANTUÁRIO * *
[Sanctum, EUA/AUS, 2011]
Aventura – 109 min
Nem mesmo o 3D underwater salva o roteiro morno e afundado em clichês dessa típica Sessão da Tarde do século XXI. James Cameron bancou o projeto dirigido por Alister Grierson (quem?) e ele próprio fez questão de apresentar o trailer do filme como a mais nova revolução da experiência (importante lembrar isso: até agora é uma experiência) da terceira dimensão no cinema. Com a cara de pau, vendeu gato por lebre. Ainda que tenha conseguido mostrar que as câmeras 3D estão ficando mais leves e agora podem ser utilizadas em baixo d’água – em certos momentos, essa imersão é de fato interessante, dependendo da profundidade do campo e do rio, lagoa ou mar –, a tecnologia está longe de substituir os atributos humanos da narrativa. Inspirada numa história real, a trama carece de emoção e originalidade, sobrando personagens rasos e situações-clichês já vistas um milhão de vezes. O design da caverna foi claramente desenhado em virtude da exploração da profundidade de campo, mas quando há vários pontos diferentes de foco no campo alguns parecem artificiais. Um problema a ser resolvido, pois joga o espectador para fora do filme o tempo todo. A sensação de se estar submerso deve reter mais trabalho técnico de direção. Aqui se pode vislumbrar a potencialidade desse recurso, só que ainda está verde. A verdade? Cameron usou o trabalho de Grierson (diretor inexpressivo com um enredo fraco) para testar a tecnologia, ver como o público reage a ela e aprimorá-la para suas sequências de “Avatar”, cujos rumores indicam os oceanos de Pandora como os cenários. Se isso se confirmar, pode chamar a iniciativa de James Cameron com este Santuário de picaretagem. Das grossas.
 
O VENCEDOR * * *
[The Fighter, EUA, 2010]
Drama – 114 min
Graças à qualidade das atuações, essa história inspirada em fatos verídicos cresce em humanismo e supera a própria estrutura tradicional de filmes de boxe. Contudo, é triste comprovar que a maioria das obras do gênero ainda não consegue conter o impulso de concluir em torno de uma luta importante e catártica, seja para o bem ou para o mal. “O Vencedor” não foge à regra, mesmo tendo plenas condições para tal. Pois é focado em seus personagens, nos seus dramas pessoais, e o tom semidocumental conferido pela câmera na mão de David O. Russell (especialista em comédias originais, como “Três Reis” e “I ♥ Huckabees”) acentua o realismo das performances. E que performances! Do limitado Mark Wahlberg (também produtor) a Amy Adams muito diferente da meiguice e inocência de seus papéis anteriores, todos brilham em absoluto. O conjunto de elenco é mesmo sensacional. Os destaques, obviamente, ficam por conta de Melissa Leo no papel mais difícil, é o da mãe dominadora, e de Christian Bale como o irmão do protagonista, cheio de boas intenções, mas comprometido pelo vício em crack. Uma figura trágica e divertida, fácil de simpatizar. Bale sem dúvida rouba o filme e merece todo o reconhecimento. Pena as sequências das lutas serem fracas e sem criatividade. Scorsese, em “Touro Indomável”, ainda não foi superado. Sorte o filme de Russell ser concentrado nessa família disfuncional. E, acredite, ajeitar toda uma família se mostra uma tarefa mais árdua e excruciante do que vencer uma luta de boxe. [08.02.11 - cinema]
 
BRAVURA INDÔMITA * * * ½
[True Grit, EUA, 2010]
Western – 110 min
Algumas opções narrativas deixam o público em segundo plano, enquanto noutras os Coen acertam em cheio. Em relação às primeiras, podemos citar o fato do filme não mostrar o assassinato que motiva a trama (o original de 1969 começa com ele). Há um lindo plano evocativo, cortesia do fotógrafo Roger Deakins, e já corta para a garota Mattie Ross diante do caixão do pai e decidida a caçar o assassino Tom Chaney. Ora, com isso não há um envolvimento emocional do espectador, pois essa parte é narrada por meio de diálogos expositivos, distanciando-o do trauma desencadeador do filme. Quando lá pelas tantas Mattie cruza com Chaney e este diz “estou reconhecendo você”, essa fala não provoca o suspense que seria capaz caso tivéssemos a par do background da relação desses personagens. Aliás, é frustrante passarmos a produção indo à busca de um vilão que se revela um tremendo bundão, nada ameaçador, o capanga mole de uma gangue – porque os Coen se concentram tanto na caçada em si que dá tempo cada um idealizar o grande vilão a fazer jus a todo o tempo gasto. Hitchcock formulou: “Quanto melhor o vilão, melhor será o filme.” Aqui o trataram quase como um MacGuffin e ele morre sem provocar o impacto que deveria. Tentam transferir isso para outro vilão, mas que também tem sua despedida sem grandes dificuldades. Quanto aos aspectos positivos de “Bravura Indômita”, que não é tão distante assim da produção que deu o Oscar a John Wayne, está o elenco, em particular Jeff Bridges, ainda melhor do que em Coração Louco, pelo qual foi premiado em 2010. O sintomático tom sombrio dos irmãos Coen substitui o caráter solar e idílico da direção de Henry Hathaway e a relação do trio central – Rooster Cogburn, Mattie Ross e o Texas Ranger LaBeouf – convence sem maiores problemas. O que torna realmente envolvente a belíssima sequência, perto do fim, de Cogburn correndo para salvar a vida de Mattie, feita aqui com talento e certa dose de arrogância pela jovem Hailee Steinfeld. Sob um chocante céu estrelado, difícil não se emocionar quando o cavalo despenca de exaustão e Cogburn continua com a menina nos braços. Os Coen se superam aí e fazem a experiência valer a pena. O triste é ser apenas no finalzinho. [18.02.11 - cinema]
 
A SOLIDÃO DOS NÚMEROS PRIMOS * * *
[La Solitudine dei Numeri Primi, ITA/ALE/FRA, 2010]
Drama – 119 min
Sobre como a tristeza que carregamos pela vida nos impede de um verdadeiro contato com o outro. Porque nos trancamos em nós mesmos remoendo nossas falhas, culpas e tragédias. Essa é a existência solitária vivida pelos personagens Mattia e Alice, extraídos do romance escrito pelo italiano Paolo Giordano, que coassina a adaptação junto ao diretor Saverio Constanzo. A narrativa entrecorta três épocas distintas da vida do casal de amigos ligados – e separados – por seus traumas. Por negligência, ele perdeu [literalmente] a irmã gêmea com problemas mentais, enquanto ela manca por conta de um acidente ao esquiar forçada pelo pai. Como esses dois mundos marcados de modo tão negativo coabitarão no mesmo tempo e espaço? É essa resposta que Giordano e Constanzo perseguem, num vai e vem dinâmico, sempre óbvio, mas nunca desinteressante. Como veremos, não é uma resposta nada fácil de ser encontrada. Todo o elenco está bem, com o destaque sendo mesmo Alba Rohrwacher, que faz Alice adulta. Eis uma bela, e sofrida, reflexão sobre a fragilidade humana diante do passado impossível de ser reescrito. [21.01.13]
 
QUE MAIS POSSO QUERER * * *
[Cosa Voglio di Più, ITA/SUE, 2010]
Drama – 124 min
As performances humanistas e a narrativa realista salvam esse drama do italiano Silvio Soldini sobre o velho tema traição e culpa. Se bem que velho aqui significa eterno, a traição sempre irá incomodar os hipócritas da classe média, já que a alta lida com isso sem perder a chiquereza e a baixa, meu amigo, compreende muitíssimo bem a insatisfação humana ocidental. Traição é invenção pequeno-burguesa, prato cheio para autores em épocas de infertilidade criativa. Soldini quer incomodar o espectador conservador ao fazê-lo acompanhar a personagem Anna, bem na vida, casada com um sujeito legal, cheia de amigos, que se lança nas artimanhas requeridas para manter um caso extraconjugal com Domenico, macho alfa, também casado e pai de dois. E lá se vão os dois pombinhos protagonizar boas cenas de sexo e ceder às mentiras típicas as quais só o marido bonachão de Anna é incapaz de perceber. Onde está o problema? É por que ele é gordo, simpático e não ciumento? É ela que surta com o nascimento da sobrinha e a pressão para ser mãe? Sim, pois a única culpa de Domenico, segundo o filme, é ser homem e não resistir ao chamado da fêmea – sobretudo quando isso serve como fuga da crise econômica pela qual está passando. Como podemos ver, Silvio Soldini não traz nada de novo ao tema, nem se esforça a isso; entende que por si só a história rende bons frutos, sobretudo se o espectador for assisti-la acompanhado. E quem vai ao cinema com frequência ou confere filme italiano? A classe média, intelectualizada ou não, traindo a própria sombra e com medo dela o trair. A postura neorrealista de Soldini apenas reflete o incômodo do próprio diretor com seu tema, que ganha peso cinematográfico graças aos atores, em particular Pierfrancesco Favino e Alba Rohrwacher. É incrível como eles conseguem uma simpatia para com o público mesmo executando comportamentos moralmente execráveis. É somente a classe média se identificando com ela mesma. [22.01.13]
 
GRIFF THE INVISIBLE * * ½
[Idem, AUS, 2010]
Comédia romântica - 90 min
Comédia romântica vinda diretamente da Austrália simpática e inofensiva sobre os "superpoderes" que unem as pessoas antissociais. Como Griff e Melody, os protagonistas do début em longas do ator Leon Ford. O primeiro sofre bullying dos colegas de trabalho, não tem amigos e acredita ser um super-herói à noite, enquanto a garota é ainda mais introspectiva e pesquisa uma maneira de atravessar paredes. Mas, para deixar tudo mais complicado, entre os dois está Tim, irmão de Griff e namorado de Melody. Por acaso, liguei a televisão e estava passando esse filme, com pegada despretensiosa, jeito de indie; terminei ficando até o final e, ora, gostando do tom da narrativa. Griff vive em seu próprio mundo e usa isso para não virar um adulto, sendo justamente essa a característica que atrai Melody. O tema super-herói atrapalhado torna a produção uma prima pobre de “Kick Ass – Quebrando Tudo”, mas não aconselho tomar esse viés. O charme do olhar de Leon Ford é a relação entre os personagens deslocados, a maneira com a qual se aproximam e se afastam, como o amor os leva a ver e acreditar em seus próprios superpoderes. Isso foi o que me fez simpatizar com esse filme ligeiro e praticamente desconhecido por aqui. Fica, então, a dica de uma agradável descoberta. [03.02.13]

APENAS UMA NOITE * *
[Last Night, EUA/FRA, 2010]
Drama - 93 min
A iraniana Massy Tadjedin reflete sobre infidelidade em sua estreia como diretora. Contudo, nunca vai além da superfície do batidíssimo tema ou ao menos foge do trivial ou do senso comum. O roteiro, da própria Tadjedin, põe o casal feito por Keira Knightley e Sam Worthington para testar a força dos laços matrimoniais. Ele perante a sedução de uma colega de trabalho [Eva Mendes] e ela com a visita inesperada de um amor do passado [Guillaume Canet... ops, sr. Marion Cotillard]. Isso acontece na mesma noite em lugares diferentes. Não questiono a premissa do filme, pois acredito que sempre pode haver novos pontos de vista, mesmo num tema tão usado e abusado pelo cinema. O original reside nos olhos a versarem acerca de um determinado assunto, seja inédito [existe?] ou minguado. Infelizmente, a questão aqui não é nem chover no molhado [usei um chavão, não acredito...], e sim simplesmente pairar no vácuo, a ponto de reduzir a narrativa a apenas uma expectativa: quem será o primeiro a ceder. Sim, porque, para a cineasta, não existe outro caminho a seres humanos amordaçados pelos relacionamentos, eles possuem o ímpeto de ir além, mesmo que possam contê-lo em prol do compromisso feito. Minto, para não lidarem com suas próprias consciências; amor seria somente o subterfúgio para racionalizarem a contrição dos desejos. Massy Tadjedin “explora” a angústia maior da classe média pequeno-burguesa com um simplismo típico de quem não possui nada de interessante para dizer. E ela não diz nada de maneira tão elegante que pode ser capaz de envolver o espectador menos clínico num espírito saudosista da nouvelle vague. O pior de tudo não é nem o paralelismo forçado da frágil estrutura narrativa, é ela própria ceder ao empirismo sintomático das mulheres traídas de que, enquanto têm o desprendimento de abrir mão das verdadeiras paixões por uma “causa” nobre, os homens não aguentam por muito tempo as investidas para o sexo casual. Como somos, nós, homens, patéticos no jogo do acasalamento. Assim nos diz a roteirista-diretora, apoiada no elenco esforçado, porém sem dar muita conta do recado. Keira Knightley está bonita aqui, mas continua sem dizer a que veio, enquanto Worthington é absolutamente insosso, sobretudo quando não pode usar o ritmo e os efeitos visuais como muletas de interpretação. O desfecho é abrupto, oportunista, nunca saberemos se o silêncio hipócrita dos protagonistas suportarão suas próprias consciências. Ela arrisca abrir o bico, mas Tadjedin a corta de imediato, como quem dissesse: “Não revele o segredo, querida. Eles provaram que são fracos. Nunca vão entender.” Como homem que sou, fraco e patético, apenas me é concedido um direito: o de permanecer calado. [19.02.13]

AMORES IMAGINÁRIOS * * ½
[Les amours imaginaires, CAN, 2010]
Drama - 96 min
O canadense Xavier Dolan carrega no estilo para tornar mais atraente seu triângulo de desejos não consumados. Possui defensores fervorosos entre os amantes de cinema indie, e de certo possui um charme muito peculiar, com uso interessante da versão em italiano da música “Bang Bang”, cantada pela egípcia Dalida. No fundo, trata-se de uma reimaginação personalíssima e ao contrário da obra-prima de Pasolini, “Teorema” [1968]. Com o extra de boas referências cinematográficas. [01.03.15 – Netflix]

 

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