Filmes de 2011 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½  Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *

SANTUÁRIO * *
[Sanctum, EUA/AUS, 2011]
Aventura - 109 min
Nem mesmo o 3D underwater salva o roteiro morno e afundado em clichês desta típica Sessão da Tarde do século XXI. James Cameron bancou o projeto dirigido por um tal de Alister Grierson e ele próprio fez questão de apresentar o trailer do filme como a mais nova revolução da experiência (importante lembrar isso: até agora é uma experiência) da terceira dimensão no cinema. Com a cara de pau, vendeu gato por lebre. Ainda que tenha conseguido mostrar que as câmeras 3D estão ficando mais leves e agora podem ser utilizadas em baixo d’água – em certos momentos, essa imersão é de fato interessante, dependendo da profundidade do campo e do rio, lagoa ou mar –, a tecnologia está longe de substituir os atributos humanos da narrativa. Inspirada numa história real, a trama carece de emoção e originalidade, sobrando personagens rasos e situações-clichês já vistas um milhão de vezes. O design da caverna foi claramente desenhado em virtude da exploração da profundidade de campo, mas quando há vários pontos diferentes de foco no campo alguns parecem artificiais. Um problema a ser resolvido, pois joga o espectador para fora do filme o tempo todo. A sensação de se estar submerso deve reter mais trabalho técnico de direção. Aqui se pode vislumbrar a potencialidade desse recurso, só que ainda está verde. A verdade? Cameron usou o trabalho de Grierson (diretor inexpressivo com um enredo fraco) para testar a tecnologia, ver como o público reage a ela e aprimorá-la para suas sequências de Avatar, cujos rumores indicam os oceanos de Pandora como os cenários. Se isso se confirmar, pode chamar a iniciativa de James Cameron com este Santuário de picaretagem. Das grossas. [cinema]

A PELE QUE HABITO * * * *
[La Piel que Habito, ESP, 2011]
Suspense - 117 min
Pedro Almodóvar surpreende com um suspense psicológico com um quê de bizarro, original e interessantíssimo. Depois da recepção fria de “Abraços Partidos”, em 2009, o cineasta espanhol resolve brincar com as regras do gênero e faz mais do que um exercício, ele personaliza o estilo. A trama, extraída do livro de Thierry Jonquet, “Tarantula”, tem todos os ingredientes de um filme de Almodóvar, dessa vez embalados num plot complexo e cheio de camadas. Antonio Bandeiras protagoniza, 21 anos após sua última colaboração com o diretor (em “Ata-me”), alcançando um desempenho digno de alguma nota – algo que não acontecia há um bom tempo. Elena Anaya (“Um Quarto em Roma”, de Julio Meden) também se sai como uma ótima escolha para uma personagem que encerra em si diversas questões abordadas por Almodóvar ao longo de sua carreira. Se algumas viradas são óbvias, ao menos o processo é sórdido o suficiente para relevarmos esse detalhe. Não é um filme brilhante, mas uma pérola adulta de um artista em sua maturidade. [01.01.12 – Belém-PA]

PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN * * * *
[We Need to Talk about Kevin, RU/EUA, 2011]
Drama - 113 min
Tilda Swinton alcança magnífica performance num papel difícil nesse drama forte e controverso. A cineasta Lynne Ramsay (“O Romance de Movern Callar”) adapta, junto com o marido, o livro da jornalista norte-americana Lionel Shriver, cujo foco é o relacionamento de uma mulher com seu filho mais velho problemático. Problemático é eufemismo; o garoto é um psicopata desde pequeno e apenas a mãe percebe que há alguma coisa errada. Prestes a completar 16 anos, ele provoca uma terrível tragédia, melhor dizer chocante, devastadora. A narrativa vai e volta no tempo mostrando a mãe, destroçada e socialmente julgada, lidando com isso, ao mesmo tempo em que fragmentos da vida familiar tentam montar um tortuoso quebra-cabeça. O que mais perturba é a falta de uma explicação fácil. Embora o filme flerte com a possibilidade de uma depressão pós-parto ter influência no modo como o garoto vê a mãe, expandindo daí sua personalidade, a fúria dele para com o mundo é algo a suscitar todo tipo de reflexão. Há também a indulgência do pai, feito por John C. Reilly, ou a própria incapacidade do menino de criar laços afetivos – em nenhum momento ele é mostrado com amigos ou interessado em garotas. O forte da narrativa de Lynne Ramsay é nos lançar nessa história pesada e nos fazer refletir o tempo todo, procurando, dentro e fora do filme, explicações que nos confortem. Não há. Assim como não há conforto para tragédias como a de Columbine (1999) e a de Realengo (2011). Steven Soderbergh é produtor executivo dessa desconfortante – e oportuna – experiência que nos conduz a refletir sobre os desvios oblíquos da sociedade contemporânea. [06.01.12]

TOO BIG TO FAIL * * * ½
[Idem, EUA, 2011]
Drama -  min
O eclético cineasta Curtis Hanson investiga, nesse elogiado telefilme da HBO, as tramoias particulares por trás da crise econômica de 2008 nos Estados Unidos. Centrada no Secretário da Fazenda de George Bush, Henry Paulson, a narrativa extraída do livro de Andrew Ross Sorkin, repórter do New York Times, é pungente e segue as jogadas para impedir os maiores bancos de crédito norte-americanos de quebrarem, o que poderia leva à queda do sistema econômico como um todo. De fato, por um triz a águia não se joga numa 2ª Depressão, e Hanson consegue dar urgência a essa possibilidade. A ficção serve como interessante complemento ao oscarizado documentário de Charles Ferguson, “Trabalho Interno”, para se ter uma visão ampla – e aterradora – do que foi essa crise. Do elenco composto só de nomes conhecidos, os destaques vão para William Hurt e Paul Giamatti. Merece ser visto. [09.01.12]

AS FLORES DA GUERRA * * * ½
[Jin líng shí san chai, CHI/HK, 2011]
Drama - 144 min
Yimou Zhang comanda com firmeza essa superprodução chinesa que recria o controverso Massacre de Nanquim. Ou “estupro de Nanquim”, como também é chamado para enfatizar as atrocidades cometidas pelo exército japonês na então capital da República da China, logo no início da 2ª guerra sino-japonesa, em 1937. Baseado no livro “As 13 Mulheres de Nanquim”, de Geling Yan, centra na figura de um agente funerário norte-americano que termina se passando por padre para salvar um grupo de estudantes (meninas) e um grupo de prostitutas. Muito interessante como a narrativa lida com esses dois grupos dentro do ambiente da igreja, onde se escondem. De um lado, as virgens, puras, inocentes, e do outro as mulheres “da vida”, com suas cicatrizes já bem absorvidas. Isso se revela fundamental para o último ato do filme, quando um desses grupos se sacrifica pelo outro. A produção recria com brilhantismo uma cidade destruída, sob escombros e desespero; um set gigantesco que possibilitou Yimou Zhang ter liberdade com a câmera e conceber um ótimo plano-sequência. Não à toa, é tido como o filme chinês mais caro da história. Zhang importou o astro Christian Bale para o papel central, seguindo a recomendação de Steven Spielberg (o début de Bale foi em “O Império de Sol”, de Spielberg, e que também se passa na China no mesmo período). Boa performance, não arrisco a elogiar, num personagem cujo arco dramático não soa orgânico, a transformação me parece repentina, contagiando todo o resto do filme. Contudo, é de fato uma história envolvente que, apesar de um pouco longa e com alguns detalhes difíceis de engolir, nos mantém interessados até o término. Por mais absurdo que pareça, existe uma ala japonesa que nega o Massacre de Nanquim, embora as evidências de tão horrível evento sejam verdadeiras marcas d’água. [12.01.12]

O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS * * * *
[Tinker Tailor Soldier Spy, FRA/RU/ALE, 2011]
Suspense - 123 min
O sueco Tomas Alfredson (“Deixe Ela Entrar”) concebe um brilhante exercício de estilo nesse thriller de espionagem à moda antiga. Baseado no livro de John Le Carré, que já havido se transformado numa elogiada minissérie em 1979, o filme tem em cada plano o autêntico DNA dos suspenses setentistas cujas tramas se desenrolavam durante a Guerra Fria. Para quem é fã do subgênero, como eu, além de um presente, a produção representa uma rara oportunidade de conferir um thriller adulto, excitante, envolto numa atmosfera tensa e ao mesmo tempo melancólica – exatamente como se sentem seus velhos personagens. Alfredson demonstra inteligência cinematográfica ao estetizar sua narrativa com as referências dos anos 70, usando largamente os zoom ins típicos da época, além de dar extrema atenção aos detalhes, com uma coerente direção de arte, sem jamais perder o foco de que as diversas camadas da história vêm das interações entre os personagens. Gary Oldman está soberbo na pele de um agente aposentado do serviço secreto britânico incumbido de descobrir quem é o espião soviético infiltrado na agência. A intricada trama de Carré, que foi um agente britânico na vida real, avança a ritmo lento, sem atropelos, num formalismo a nos permitir investigar junto com o protagonista. É inquestionável a influência de “A Conversação”, de Coppola, e outras pérolas que abrilhantaram esse modelo de cinema. Se o filme tem um pecadilho, é o de não frustrar nossas expectativas mais do que seria plenamente capaz. [13.01.12]

SHERLOCK HOLMES: O JOGO DE SOMBRAS * * *
[Sherlock Holmes: A Game of Shadows, EUA, 2011]
Aventura - 129 min
Guy Ritchie fez uma sequência calculadamente sob medida para evitar surpresas na bilheteria. Para ser sincero, ainda não consegui curtir o que fizeram com o personagem criado por sir. Arthur Conan Doyle em 1887: pegaram o famoso detetive que soluciona seus casos por meio do método científico e da dedução lógica e o transformaram num verdadeiro herói de ação com um dom de observação quase sobre-humano. Sinal dos tempos, fazer o quê? A atmosfera clássica dos mistérios cede lugar a um roteiro frenético que prioriza a ação e as gags para manter a audiência acordada até o final. Aqui, Holmes e Watson vão tentar impedir o professor Moriarty de dar início à Primeira Guerra Mundial, numa trama mais complicada e menos absorvente do que um filme desse tipo requeria. Não há dúvidas de que Robert Downey Jr. foi a escolha ideal para essa reinvenção do personagem, embora as gags soem insistentes demais. O recurso dos flashbacks e flashfowards das deduções de Holmes oram funcionam ora só fazem quebrar o fluxo da narrativa. A sequência da fuga na floresta é sem dúvida a melhor coisa do filme, que daí para o final consegue melhorar – e muito. Gosto do embate dedutivo entre Holmes e Moriarty numa das últimas cenas, embora canse esses vilões com planos maquiavélicos para propósitos bobos, quase infantis. Noomi Rapace, estrela sueca da trilogia “Millennium”, não demonstra ter tido seu talento bem aproveitado, e a participação de Stephen Fry como o irmão de Sherlock Holmes é um dos acertos da produção. [14.01.12 – cinema]

CAVALO DE GUERRA * * *
[War Horse, EUA, 2011]
Drama - 147 min
Um dos filmes mais fracos da estimada carreira de Steven Spielberg, alongado demais e narrativamente indulgente. Ele rodou esse aparente épico sobre um cavalo literalmente atravessando a Primeira Guerra Mundial para voltar para casa enquanto “As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne” estava sendo renderizado nos megacomputadores da Weta Digital. Tudo soa pretensioso aqui, sem, todavia, atingir seu objetivo de provocar uma emoção genuína. Talvez pelo fato da história em si, baseada no romance do britânico Michael Morpurgo, manter a estrutura de um best seller feito para agradar seus leitores. Se Spielberg ganha mérito por fazer nos importar com o cavalo Joey, o mesmo não acontece com o resto em torno do animal. Vale lembrar que tudo acontece em meio à guerra, que impressionantemente não provoca qualquer impacto. Isso vindo do cineasta que concebeu obras seminais como “A Lista de Schindler” e “O Resgate do Soldado Ryan”. É como se o horror da guerra não fosse tão horrível aos olhos de um animal quanto é para um ser humano. Há um quê de fantasia para toda a família na jornada de Joey, o que faz os momentos-chave da produção soarem fracos e artificiais. Sem dúvida, a grande sequência do filme é a disparada do cavalo pelas trincheiras, aí ele acerta a mão; mas fazer a guerra parar a fim de se ajudar um cavalo preso nos arames farpados é forçar demais a suspensão da descrença. O elenco de carne e osso não marca maior presença, até porque parecem pequenas histórias vividas por Joey dentro do mesmo contexto. A fotografia de Janusz Kaminski é evocativa o suficiente para fazer um upload da cena final de “...E o Vento Levou”, como se um grande épico norte-americano estivesse terminando. Longe disso, sr. Spielberg. Longe disso. [15.01.12]

MARGIN CALL – O DIA ANTES DO FIM * * * ½
[Margin Call, EUA, 2011]
Drama - 107 min
A crise econômica de 2008 nos Estados Unidos rendendo mais um interessante filme no qual o capital é protagonista – e, de certa forma, vilão. A quebra dos maiores bancos de créditos de fato afetou ainda mais o sentimento de segurança dos norte-americanos. Não tem sido um início de século proveitoso para o ego deles, e o cinema, enquanto janela história da época, termina por refletir isso. Primeiro os atentados terroristas e a “guerra ao terror”, agora a vulnerabilidade econômica do todo poderoso tio Sam sendo leitmotiv dos conflitos dramatúrgicos. E deve ser apenas o começo. O estreante em longas J. C. Chandor mostra as tensas 24h antes da quebra oficial de um grande banco de crédito, juntos às jogadas, honestas ou não, para minimizar o prejuízo da empresa. A narrativa é especialmente eficaz ao ir desenrolando a hierarquia típica de uma empresa de grande porte, o chefe tem um chefe que tem um chefe, e eles vão aparecendo de maneira orgânica à medida que a situação requer suas presenças. Obviamente, o capitalismo seria o chefe dos chefes, mas mesmo ele, numa análise mais antropológica, estaria subordinado a algo maior. O elenco é estrelar, composto tanto por
veteranos do cinema hollywoodiano [Jeremy Irons] quanto pela geração que está despontando [Zachary Quinto]. Até estrelas cadentes [Demi Moore] fazem parte dessa incrível constelação reunida por um novato. Chandor não se furta de, aqui e ali, soltar um comentário mais sutil e corrosivo. No mais, não se perder em meio a tantos personagens se esbarrando faz dele um nome a se dar atenção. [17.01.12]

O ARTISTA * * * *
[The Artist, FRA/BEL, 2011]
Comédia musical – 96 min
Um presente delicioso para quem curte o cinema em seu estado bruto essa comédia musical feita como se fosse nos anos 20. É errado, embora corriqueiro, utilizar a expressão “cinema mudo” para se referir aos filmes realizados entre 1900 e 1930, pré-advento da captação sonora direta. O certo seria “cinema silencioso”, uma vez que a imagem falava por si própria [talvez mais do que agora], além da projeção ser acompanhada por um pianista ou uma orquestra inteira. Nessa muito bem vinda produção francesa, o cineasta Michel Hazanavicius propõe ao espectador um revival dos filmes da época, utilizando as técnicas que marcaram o período, como o soft focus para dar um ar etéreo aos personagens em preto e branco e as transições de cena características. Jean Dujardin está excelente como um astro que amarga a decadência depois que os filmes começaram a “falar”, enquanto Bérénice Bejo [linda] faz a escalada oposta – a sequencia na qual seu nome vai ganhando importância nos créditos é uma ótima sacada de diegese. Inspirado nos Rodolfos Valentinos da vida, George Valentin [Dujardin] é um autêntico purista que acredita na morte do cinema enquanto arte com o advento sonoro. Hazanavicius retrata essa crise de fala, digamos assim, com recursos de sonoplastia numa cena interessantíssima, embora torne sua narrativa mais sombria do que se a mesma história fosse contada em 1930. Um detalhe até bobo diante do prazer que o filme confere, assim como o fato da trama ser mesmo uma espécie de junção de “Nasce uma Estrela” [1937] com “Cantando na Chuva” [1952], não há como ignorar isso. Prefiro ver como homenagem sincera e muito bem realizada do que como pretensa obra de arte. Do elenco norte-americano, os destaques são James Cromwell e John Goodman. Se há três coisas impossíveis de esquecer nesse filme é a magnífica trilha sonora assinada por Ludovic Bource [praticamente conduz a narrativa], o cãozinho Uggie e a melancolia sublinhada em cada frame por não se fazerem mais obras assim. Como dizem os franceses, “c’est la vie”. [22.01.12]

OS DESCENDENTES * * * *
[The Descendants, EUA, 2011]
Drama - 115 min
O cineasta Alexander Payne põe George Clooney numa situação difícil - e com isso consegue uma atuação sensacional. E que situação! Clooney é um marido ausente que para e reflete sobre a vida quando a esposa sofre um acidente e entra em coma. Como se não bastasse, é obrigado pelas circunstâncias a aprender a lidar com as duas filhas, cada uma problemática a seu estilo. Para piorar mais ainda, descobre que a mulher tinha um amante e estava prestes a pedir o divórcio. Tudo isso em meio à venda milionária das terras de sua família no Havaí. Todos os elementos de um grande melodrama à la Douglas Sirk. Mas essa é uma comédia dramática de Alexander Payne, um sujeito com uma invejável qualidade na filmografia, assim o filme foge de todas as armadilhas que a premissa poderia ter. Ao invés de ficar em casa esperando a morte da esposa, o protagonista vai, junto com as filhas, atrás do amante para o mesmo ter sua chance de se despedir da moribunda. Payne, e mais dois atores-humoristas-roteiristas-desconhecidos, simplesmente escreveram um roteiro brilhante a partir do livro de Kaui Hart Hemmings. O desenrolar da história é, fazendo uma média aritmética, fantástico, uma vez contando com todos esses elementos tragicômicos sem pesar demais num lugar ou amolecer noutro. O personagem de Clooney administra toda a pressão de uma maneira a jogá-la sobre nós. Certamente ele entrega uma de suas melhores performances, talvez a melhor de sua carreira até agora. Shailene Woodley é a descoberta da vez, a garota acertou o tom aqui e conseguiu a atenção de público e crítica. Há algumas pequenas participações surpreendentes, como Robert Forster, Beau Bridges e [pasmem] Matthew Lillard. Quem? Vocês vão ver. Com o Havaí sendo um [importante] personagem à parte, é incrível como o filme extrapola a trama central, conseguindo falar de tradição de maneira fresca. Sem dúvida alguma, Payne, mais uma vez, acertou na mosca. [22.01.12]

MILLENNIUM – OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES * * *
[The Girl with the Dragon Tatoo, EUA/SUE/RU/ALE, 2011]
Suspense - 158 min
David Fincher tenta pôr sua assinatura nesse remake, porém entrega uma versão "suecada" – nos termos de Michel Gondry. O que não deixa de ser irônico, uma vez o original sendo sueco. Quando assisti à primeira adaptação do romance de Stieg Larsson há uns dois anos, achei a trama envolvendo um jornalista, uma hacker punk e uma família cheia de segredos mais literária do que cinemática, digamos assim. E a sensação persistiu conferindo o filme dirigido por Fincher. É uma estrutura fortemente literária, embora a maioria dos críticos não comente. Nem mesmo a extrema habilidade do nome por trás de “Zodíaco” em criar clima consegue ultrajar tal fato. Sua esperteza o leva a tentar expor num comentário cinestésico as fragilidades da história concebida por Larsson [falecido em 2004], decompondo-a perante seus elementos de suspense. Assim, se esforça para manter o tempo todo um crescendo, uma expectativa de que algo aterrador está para acontecer. Nesse sentido, aplausos para como o cineasta usa a fotografia de Jeff Cronenweth e a fantástica trilha sonora da dupla Trent Reznor e Atticus Ross. Fincher diz que quis fazer um filme político; nota-se isso pelo modo como os temas são tratados. O problema é que me pareceu um filme de produtor, pois mesmo com a ideia de direcionar o filme para o público adulto ele não insiste nas cenas que seriam mais pesadas. Para o cara que nos presenteou “Seven” [a violência que ninguém vê] e “Clube da Luta” [a violência que esmurra nossas vísceras], essa é uma observação relevante. E lá vai mais uma vez a intrigante personagem Lisbeth Salander salvar o dia, ou melhor, o filme. Rooney Mara toma o lugar que foi de Noomi Rapace com muita vontade de repetir o êxito da atriz sueca. Salander ganha aqui contornos de vulnerabilidade, e Fincher escancara ao final o quanto é uma personagem trágica. Aliás, um final que demora a acontecer, encerrando de maneira ousada com um anticlímax. Ganhando ponto em manter a geografia original [isso pesa positivamente no resultado], esse remake não diz muita coisa a mais. É mais absorvente em suas explicações – vocês sabem: americano é burro –, bem finalizado, com rostos conhecidos, um deles literalmente entregando a “surpresa” da história. Mas não senti que David Fincher deu aqui tudo o que poderia dar. Passou foi longe. [24.01.12]

A LONELY PLACE TO DIE * * *
[Idem, RU, 2011]
Suspense - 99 min
Esse suspense de ação vindo do Reino Unido dribla as derrapadas da trama com um ritmo de cortar o fôlego. O filme dos irmãos Julian [direção, roteiro, montagem] e William [roteiro, montagem] Gilbey começa de forma promissora nas montanhas escocesas. A câmera de Julian o permite se distanciar de similares como “Risco Total” [1993] e “Limite Vertical” [2001], sempre jogando com a subjetiva e a grande angular – vertigem e tensão garantidas. A coisa toma um rumo quando encontram uma menina croata mantida num cativeiro subterrâneo. Enquanto a ação se estabelece num ótimo nível, o roteiro se encarrega de apresentar surpresinhas a cada dez minutos. Mas então vem o último ato num vilarejo e, ao sair do ambiente inicial, o filme tem seu brilho um tanto diminuído. Embora ganhe ponto por não trazer um daqueles sequestros tradicionais com pais sofredores e polícia a tiracolo, peca por não resistir aos clichês do gênero e deixar a trama menos absorvente do que se poderia esperar desse tipo de produção. As cenas de montanhismo são, como já me referi, tensas e as reviravoltas da metade inicial nos deixam grudados na narrativa. Graças à montagem de Julian e Will [eles já são parceiros habituais], converte-se num thriller de ação mesmo, com sequências vertiginosas e um ritmo muito bom. Do elenco, o nome supostamente mais conhecido é o da australiana Melissa George, de “Horror em Amitvylle”, “30 Dias de Noite” e da série “In Treatment”. Sem dúvida eficiente em sua proposta, lograria mais êxito caso tivesse um roteiro mais talentoso. [26.01.12]

ESPOSA DE MENTIRINHA * *
[Just Go With It, EUA, 2011]
Comédia romântica - 117 min
Vejam Adam Sandler interpretando mais uma vez ele mesmo nesse remake forçado da comédia "Flor de Cactus". E não se enganem se gostarem dos ecos de “screwball comedy” que vêm do filme de 1969 e, sobretudo, da peça francesa na qual se baseia, escrita por Pierre Barillet e Jean-Pierre Grédy. O original tinha nada menos que um elenco principal composto por Walter Matthau, Ingrid Bergman e Goldie Hawn, que ganhou seu Oscar de coadjuvante aqui. No lugar deles, entram, além de Sandler, Jennifer Aniston e a desconhecida Brooklyn Decker. A história gira em torno de um cirurgião plástico que finge ser casado para pegar as mulheres sem se comprometer. Quando se apaixona, o tiro sai pela culatra. Então, ele usa sua assistente [Aniston] para fingir um processo de divórcio. O resto não é tão difícil de imaginar. Embora eu tenha simpatia por Sandler e Aniston, e a química entre o dois até arrisque funcionar, devo reconhecer que está a anos-luz do meu ideal de comédia romântica. Os personagens são todos burros demais, além das situações exigirem muito da nossa boa vontade. O diretor é o operário-padrão do protagonista, Dennis Dugan. Só em 2011, fizeram dois filmes, ambos sem qualidade substancial. Para piorar de vez, só mesmo a participação antipática de Nicole Kidman. A cena dela e Aniston numa competição de hula hula já é uma das mais pateticamente antológicas que assisti. Depois, como manda o figurino, o filme descamba para o romantismo. Mas nem mesmo isso é bem trabalhado; a metragem longa para o gênero faz o desfecho ser apressado. Bom aqui são, como comentei, os ecos – que se silenciam a cada piada sem graça. [26.01.12]

A DAMA DE FERRO * *
[The Iron Lady, RU/FRA, 2011]
Drama - 105 min
Não fosse o apelo da fantástica performance de Meryl Streep, esse drama de Phyllida Lloyd nunca chamaria qualquer atenção. O que ela faz com o papel de interpretar a, no mínimo, polêmica primeira-ministra do Reino Unido [1979-1990] é espantoso. Ajudada por uma maquiagem impecável, Streep literalmente some dentro dessa mulher com um forte objetivo na vida. Sua inclinação para a política e o serviço público a fez deixar sua vida pessoal num segundo plano por vezes cruel. Suas opiniões quase sempre iam de encontro com a maioria dos colegas [homens] e seu modo de lidar com a questão dos sindicatos e com sua política neoliberal a fizeram ganhar esse apelido de “dama de ferro”. E era uma mulher dura mesmo, devemos reconhecer. O incrível é que Streep nem tenta torná-la simpática, mas sim humana, com todas as motivações e falhas de caráter. Decisão corajosa, que evita o panfletarismo – seja de apoio ou de oposição. Mas essa não é uma biografia de Margaret Thatcher nos moldes tradicionais [até porque ela ainda está viva]; a maior parte do tempo foca nela velhinha e senil, alucinando com o marido morto [Jim Broadbent, que não tem chance diante do furacão Meryl], enquanto os flashbacks vêm mais como reminiscências. E aí a pretensa diretora, aqui em seu segundo trabalho [nem se incomodem em ver “Mamma Mia!”, também com Streep], escancara sua indulgência ao enfatizar, cena após cena, que se trata de uma mulher perfurando o mundo dos homens. Sua abordagem é apenas essa, e o roteiro de Abi Morgan chega ao cúmulo de fazer a personagem tomar uma decisão política importante “inspirada” nessa lógica pós-feminista. Enfim, é um filme sombrio e quase inteiramente dominado por uma frieza emocional. Por isso mesmo, Meryl Streep fez um milagre genuíno ao tornar a obra obrigatória de se ver. Só por causa dela. [02.02.12]

UM MÉTODO PERIGOSO * * * ½
[A Dangerous Method, RU/ALE/CAN/SUE, 2011]
Drama - 99 min
David Cronenberg narra a relação entre Sigmund Freud e Carl Jung com muita elegância e pouco de ousadia. Esperava-se que fosse o casamento perfeito, afinal estamos falando do sujeito que concebe obras cuja atração está no obscuro dentro do ser humano. Em vez disso, Cronenberg entrega um filme estruturalmente correto e até mesmo sem a ambivalência com a qual costuma carregar em seus personagens. Perde-se por um lado, mas se ganha por outro. Sendo a narrativa calcada nos diálogos, é fascinante a maneira como Christopher Hampton [autor também da peça inspirada no livro de John Kerr] consegue manter o interesse com uma estrutura teatral – e mais fascinante ainda é acompanhar essas figuras inteligentíssimas desbravando a mente e o comportamento humano com absurda racionalidade. Carl Jung é interpretado pelo ator do momento, o alemão Michael Fassbender. Ele vê em Sabrina Spielrein [Keira Knightley, ora boa ora perdida em seus excessos] a oportunidade de pôr em prática o método da cura pela fala de Freud [Viggo Mortensen, adequado no papel]. Estariam ali inventando a psicanálise. Mas Hampton, experiente, explora até onde pode os relacionamentos periféricos e as autodescobertas de seus ilustres personagens. Embora o foco principal seja no caso entre Jung e Spielrein, que viria a ser uma das primeiras mulheres psicanalistas, é nas conversas e embates entre Freud e Jung que o filme ganha força e interesse. A empatia é instantânea de um para com o outro [o primeiro encontro dos dois é famoso por ter durado 13 horas], e Freud logo toma Jung como seu herdeiro intelectual. De fato, uma relação de pai e filho, muito bem expressa nas célebres cartas entre eles. Quando Sabrina vira amante de Jung, vemos um eclipse do verdadeiro Cronenberg nas breves cenas de sadismo. Todavia, muito distante do sujeito que fez “Crash – Estranhos Prazeres”. O que seria uma espécie de triângulo intelectual não toma muito tempo de tela, assim como o personagem mais interessante da história, Otto Gross, o nada ortodoxo psiquiatra feito pelo francês Vincent Cassel. [04.02.12]

UM DIA * * *
[One Day, EUA/RU, 2011]
Romance - 107 min
Da última safra de amizades coloridas que não dão certo, esse romance com casal carismático é, apesar dos tropeços, o mais eficiente. Deve agradar sem dificuldades os fãs de “Harry e Sally – Feitos um para o Outro”, com Billy Cristal e Meg Ryan. Aqui o tom é mais romântico mesmo, menos cômico, embora não falte senso de humor. É um daqueles milagres do cinema, pois o espectador acompanha a história de Emma e Dexter por mais de 20 anos, só que sempre no mesmo dia do ano, que seria o dia no qual se conheceram após a formatura do colegial. Anne Hathaway e Jim Sturges funcionam muito bem juntos como grandes amigos que, apesar de quererem, resistem ao máximo a um envolvimento amoroso. E olha que resistem muito, viu? Apesar disso, o filme segue além, desferindo um final que pode não satisfazer todo muito. A direção é da dinamarquesa Lone Scherfig, do fraquinho “Educação”, aqui narrando a história com certa competência, nada que já não tivesse sido feito antes. Ao contrário da sacada de “(500)Dias com Ela”, que bagunça bem a cronologia, a estrutura do roteiro de David Nicholls [autor também do livro] segue quase que burocraticamente ano a ano. Não que seja ruim, mas há anos em que praticamente nada importante acontece na vida de cada um. Há um período longo dele como apresentador de um programa de TV medíocre, enquanto ela namora um comediante sem graça. Mas o texto mantém os diálogos num bom nível e vez por outra sai do cerco do tema central para refletir sobre outros assuntos e relações. Hathaway [a nova Mulher-Gato] está simplesmente linda, com diversos penteados caracterizando a época e o momento da personagem. De quebra, vale destacar a participação da ótima Patricia Clarkson e o bonito score de Rachel Portman. [05.02.12]

SHAME * * * ½
[Idem, RU, 2011]
Drama - 101 min
Mais uma vez, o cineasta britânico Steve McQueen arranca uma performance notável de Michael Fassbender, num filme sobre a angústia provocada por nossas compulsões. No caso aqui, trata-se do vício pelo prazer do orgasmo experimentado pelo personagem de Fassbender, na segunda boa parceria com McQueen – a primeira foi no visceral “Hunger”. Não é um prazer de regozijo que vemos no rosto do bem-sucedido Brandon, mas da eliminação de uma angústia que se retroalimenta, levando-o a uma rotina de prostitutas, estranhos e muita masturbação, seja em casa ou no trabalho. Ele é emocionalmente distante, e tudo à sua volta reflete isso, graças à habilidade da direção em passar a mensagem sem ser redundante. Até que sua irmã Sissy [a superestimada Carey Mullingan], que é exatamente o seu oposto, aparece de repente para balançar um pouco as coisas. Esse é o filme que polemizou em 2011 por causa do tema abordado e da nudez frontal do alemão, em poucas e rápidas cenas, nada escandaloso. O povo tem a mania de exagerar para tornar tudo mais controverso. Contudo, não me pareceu tão forte assim. Claro, é um filme adulto para adultos, um estudo sóbrio de personagens tendo de conviver com seus próprios limites, assim como a solidão que os cerca. Não deixa de ser um comentário contundente sobre as relações pós-modernas de ninguém se importando com ninguém, bem como as consequências psicológicas do modo como o sexo é vendido tão facilmente, até no meio virtual. Optaram por não psicologizar demais os personagens, ou seja, não foram à infância de cada um buscar a raiz do problema. Decisão inteligente de McQueen e da corroteirista Abi Morgan [“A Dama de Ferro”], que também ousaram deixar em aberto o arco dramático do protagonista. Enfim, um que deve ser visto e, sobretudo, discutido. [05.02.12]

O ABRIGO * * * *
[Take Shelter, EUA, 2011]
Drama - 120 min
Michael Shannon numa performance simplesmente arrebatadora nessa grata, e absurdamente tensa, surpresa. Talvez seja uma das melhores atuações do ano [passado], infelizmente ignorada pelo Globo de Ouro e pelo Oscar. Não importa, isso não diminui em nada o impacto que esse filmaço provoca. Com muito pouco, quase nada, o diretor e roteirista Jeff Nichols [guardem o nome] consegue nos deixar pregados na tela durante toda a produção. Não se trata de um suspense ou de um terror com sustos a torto e a direito. Muito longe disso. Quando o filme começa, não se tem nenhuma pista acerca do que vai acontecer – até estar-se preso na história. É um drama sobre um homem comum que começa a ter pesadelos e alucinações com a vinda de uma terrível tempestade. A partir de então, seu comportamento vai se tornando mais e mais estranho, semelhante ao que acontecera com a mãe antes de ser diagnosticada com esquizofrenia paranoide. Ele começa a reformar o abrigo contra tornados no seu quintal, ao mesmo tempo em que tenta compreender o que lhe está acontecendo. Fantástico como Nichols não tem nenhuma pressa em desenvolver sua ideia, levando o espectador a acompanhar o cotidiano dessa família, que, além da esposa dedicada [Jessica Chastain, que parece estar em tudo o quanto é filme agora], há a filha surda. Todavia, não é um filme parado, pois a tensão de ver o protagonista ir sucumbindo à loucura, ainda que de maneira muito racional [afastando-se do que possa ser trágico], só faz crescer a expectativa de que a qualquer momento alguma coisa terrível irá acontecer. Surpreendentemente, a narrativa evita todas as supostas armadilhas da própria premissa; o filme nunca deixa de ser um drama sobre alguém lutando contra si mesmo na tentativa nobre de não abandonar sua família. Contar mais seria estragar uma experiência imperdível, com um
desfecho que é, numa só tacada, lindo e aterrador. [06.02.12]

TÃO FORTE E TÃO PERTO * * *
[Extremely Loud & Incredibily Close, EUA, 2011]
Drama - 129 min
O talentoso Stephen Daldry se esforça ao máximo para emocionar com esse drama sobre as marcas individuais do pós-11/09. Mas passa longe. Dono de uma filmografia ainda pequena, porém invejável, o britânico mantinha uma indicação ao Oscar de direção por cada trabalho, corrente quebrada justamente aqui. Ele exagera tanto no açúcar em cada frame que o resultado fica doce demais. Quem sabe a culpa não tenha sido de Daldry, e sim do material propriamente dito, que evoca um tom de fábula para narrar o sentimento de um garoto que perde o pai nos atentados ao World Trade Center. O texto é de Eric Roth, que adora relativizar poeticamente as coisas, extraído do livro de Jonathan Safran Foer [autor também de “Uma Vida Iluminada”, que rendeu uma adaptação bem curiosa]. Num comentário mais cínico, talvez esse fosse um projeto errado para os estilos de Daldry e Roth. O garoto Thomas Horn segura as pontas direitinho [exagera um tanto, é verdade] como o protagonista que anda por toda Nova York, a princípio sozinho e depois na companhia de um velho que não fala, na tentativa de descobrir qual segredo guarda uma chave encontrada no paletó do seu pai, feito sem maiores pretensões por Tom Hanks. Para quem contribuiu aos Oscars de Nicole Kidman [“As Horas”] e Kate Winslet [“O Leitor”], é estranho colocar a personagem feminina [Sandra Bullock] em último plano apenas para lhe conceder um epílogo forçadamente catártico e literariamente superficial, o qual a mente de Eric Roth não parece capaz de enxergar. De maneira surpreendente, quem dá brilho ao filme é o sueco Max von Sydow, veterano do cinema. Ele rouba todas as suas cenas sem pronunciar uma palavra sequer, sendo o único a compreender que não se vence realmente a dor transformando-a num bonito faz de conta. [09.02.12]
A SEPARAÇÃO * * * * *
[Jodaeiye Nader az Simin, IRN, 2011]
Drama – 123 min
Excepcional drama iraniano que faz um raio-x dos desencontros morais provocados pela cultura religiosa do país. O mais impressionante é o fato de Asghar Farhadi ter conseguido viabilizar seu filme sob as rígidas regras do Ministério da Cultura e da Orientação Islâmica e ainda assim alfinetar os pontos negativos da sociedade pós-Revolução Islâmica de 1979. Autorizado pelo próprio governo de Mahmoud Ahmadinejad, agora é alvo do mesmo por conta do estrondoso sucesso obtido no ocidente. A alegação é que os grandes festivais de cinema estariam usando o filme para criticar os princípios conservadores do islamismo. Seja como for, é inegável que Farhadi tenha concebido uma pequena obra-prima de apelo universal. Começa num processo de divórcio entre Nader e Simin. Ela quer sair do país para dar à filha uma melhor perspectiva de futuro, enquanto ele não quer largar o pai com Alzheimer. São um casal de classe média liberal, o que contrasta com o outro casal da história, Razieh, ultrarreligiosa que vai cuidar do velho, e Hodjat, um desempregado que enxerga num incidente ocorrido com a esposa a chance de conseguir dinheiro para quitar suas dívidas. Tal incidente deflagra uma bola de neve de verdades, mentiras e meios termos, em que o caráter de cada personagem é testado mediante suas crenças morais e, sobretudo, religiosas. Sem artifícios dramáticos superficiais, Asghar Farhadi fez filme absolutamente tenso pelo modo como a estrutura narrativa joga com os pontos de vista dos personagens, cada qual com sua “versão da verdade”. O roteiro, também do cineasta, é todo construído nos detalhes, que vão se aglomerando a cada tentativa de resolver os impasses propostos. As relações são “observadas” com absurda perspicácia, montando um microcosmo bem delineado do Teerã contemporâneo. Nesse aspecto, a dinâmica dos dois casais envolvidos é fundamental. Hodjat leva a esposa a bater de frente com seus princípios religiosos tão profundamente introjetados pelas já três décadas de revolução. Mais liberal, Nader conduz a filha a pôr em xeque seus conceitos de moral e ética, isso sem nunca dizer diretamente a ela qual atitude tomar [obviamente, sua figura de pai não deixa de ser coercitiva]. De certo forma, é cruel a desconstrução a qual assistimos de camarote; mas tudo muito humano, complexo, difícil até de tomar partido. Farhadi não deixa a peteca cair em momento algum, escancarando no desfecho em aberto que o mais trágico desencontro sempre foi o do casal central. Um filme surpreendente, sem dúvida.

A OITAVA PÁGINA * * *
[Page Eight, GB, 2011]
Suspense - 99 min
O tom melancólico do mundo da espionagem marca a narrativa desse telefilme britânico escrito e dirigido por David Hare. “Quem é David Hare?”, podem perguntar os mais dispersos. É o homem das palavras, roteirista de “As Horas” e “O Leitor”, ambos dirigidos por Stephen Daldry. Hare já tem experiência na direção de longas metragens, nada muito expressivo fora do circuito. É um escritor-diretor, ou seja, sua condução é calculada para não atrapalhar a trama engendrada e, sobretudo, a dramaticidade dos diálogos. Bill Nighy é um veterano espião do serviço de inteligência britânico que se envolve numa situação complicada ao expor o detalhe de um relatório que passou despercebido e o qual põe em cheque logo o primeiro-ministro. Ao mesmo tempo, passa a se relacionar com a vizinha, interpretada por Rachel Weisz, que de estranha se torna a única pessoa na qual pode confiar. É certo que o potencial da história se dilui em virtude do formato, mas até que Hare lida bem com isso fazendo um filme de personagem. O protagonista tem lá seus escorregões, perdeu mulher e filha, é tão obcecado com o trabalho que só confia desconfiando. São essas as questões primas da narrativa de David Hare. A fotografia de Martin Ruhe se apoia nas sombras para retratar uma realidade envolta por camadas cinzentas. Em algum ponto, lembra “O Espião que Sabia Demais” pela atmosfera. Hare deseja que o personagem de Bill Nighy faça parte de uma trilogia. Eu não me oporia de maneira alguma. [17.01.13]
ROCK BRASÍLIA – ERA DE OURO * * * ½
[Idem, BRA, 2011]
Documentário - 115 min
O documentarista Vladimir Carvalho reconstrói com didatismo, e algum preciosismo, a época áurea do rock nacional dos anos 80, especificamente o cenário formado pelas bandas brasilienses Plebe Rude, Capital Inicial e Legião Urbana. Discípulo de Eduardo Coutinho, o cineasta irmão do brilhante fotógrafo Walter Carvalho se insere na narrativa para extrair verdade e espontaneidade de seus entrevistados. Ora consegue ora só distrai o espectador, como de fato acontece nesse estilo invasivo de documentário, no qual o realizador também é personagem. Apesar disso, a sequência de eventos flui bem, mais ainda sob a égide da cronologia. Testemunha-se desde a formação da chamada Turma da Colina a morte de seu guru Renato Manfredini Júnior, vulgo Renato Russo. Vladimir Carvalho usa muitas imagens de arquivo, inclusive suas, além de encenações cinematográficas e até animação, tudo para tornar a experiência mais atrativa possível. Não que precisasse tanto, os depoimentos são claros e bem articulados. Não sou crítico musical nem ouso destrinchar a influência das bandas citadas no filme para a música brasileira, mas sempre questionei o motivo da reverência da maior parte da nossa geração à música oitentista, seja a nacional ou a estrangeira. Deve ser lembrança afetiva da nossa primeira década consciente dentro da existência. Mas deixemos de lado a filosofia. O que mais não me saía da cabeça enquanto assistia ao documentário era o quanto somos inoperantes, hoje como juventude, sem qualquer herança da atitude política dos jovens de ontem. É um tema periférico muito forte no olhar de Vladimir Carvalho, um passar por cima que acaba ecoando sem querer. É de envergonhar vermos os estudantes protestarem contra, por exemplo, a visita do diplomata estadunidense Henry Kissinger ou promoverem o Badernaço na presidência de José Sarney, ao passo que hoje todos nós cruzamos os braços perante o Mensalão e deixamos os “adultos” resolverem a “parada” “democraticamente”. Ah, mas tem a Ficha Limpa! Quem? Só os otários, meu amigo. Uma das passagens mais fortes do filme é o fatídico show da Legião Urbana no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, 1988, quando Renato Russo surtou após os seguranças baterem num fã que invadira o palco de apenas 2 metros. O caos tomou conta quando o cantor resolveu abandonar o show. Falecido em 1996 de uma depressão provocada por ser soro positivo, Renato Russo exibe uma articulação de ideias notável, não se pode negar, e mesmo morto puxa o tapete dos demais entrevistados. O que, infelizmente, desequilibra a relação democrática que Vladimir Carvalho tenta manter com as três bandas expoentes do recorte narrativo. Mesmo assim, a melhor coisa do filme se encontra na última cena, quando Briquet Lemos, pai de Flávio e Fê Lemos [Capital Inicial], tenta articular como percebe hoje a história dos filhos. Emocionado, ele mal consegue dizer que dessa vez foram eles, os pais, a aprenderem com os filhos. E deixa o local para, longe dos nossos olhos, derramar suas lágrimas. [01.02.13]

ISTO NÃO É UM FILME * * * ½
[In Film Nist, IRN, 2011]
Documentário - 75 min
Comovente registro da angústia do cineasta iraniano Jafar Panahi diante da proibição de praticar sua arte. Aguardando o resultado da apelação contra a condenação de passar 20 anos sem filmar e seis anos preso, Panahi tenta encenar um roteiro em sua sala de estar, desabafa com a câmera do colega Mojtaba Mirtahmasb e até arrisca uma conversa fora do apartamento. Um manifesto simples, mas contundente, mostrando o cerceamento dos direitos dos indivíduos em sociedades autoritárias. Meses depois dessa filmagem, saiu o resultado da apelação: negada. [04.01.13]

BABYCALL * *
[Idem, NOR/ALE/SUE, 2011]
Suspense – 92 min
Suspense fraquinho de dá pena, no qual os clichês só antecipam o suposto grande mistério do enredo. Atuação média de Noomi Rapace, a atriz norueguesa mundialmente projetada com os filmes originais da trilogia “Millenium”, extraída dos livros de Stieg Larsson. Aqui, ela em nada lembra sua forte personificação da hacker punk Lisbeth Salander. Interpreta uma mulher fragilizada em fuga com o filho de oito anos do marido abusivo. Para isso, conta com a orientação de dois assistentes sociais, mas o medo é tanto que compra um babycall [aqueles interfones móveis para pôr perto do berço] a fim de dormir ouvindo a respiração tranquila do filho no quarto ao lado. Só que ela começa a perder o controle da situação [alguma vez o teve?] quando escuta pelo aparelho um pai assassinando o próprio filho, bem no momento em que o seu aparece com um estranho colega da escola. Se você soltou um “a-ha!” apenas lendo isso, imagine a tristeza de acompanhar uma narrativa medíocre que permite ao espectador estar sempre à frente dela. A direção kamikaze de Pal Sletaune complica aqui e ali, numa trapaça fajuta para distrair o espectador, porém no máximo consegue aborrecê-lo. E ainda passa por cima de cada cratera do próprio roteiro como se pudesse flutuar, quando na verdade a narrativa segue trôpega e sem condução num veículo velho com os amortecedores estourados. Deu para entender a mensagem? [04.02.13]
FEBRE DO RATO * * * ½
[Idem, BRA, 2011]
Drama - 105 min
O pernambucano Cláudio Assis investe numa narrativa libertária, hedônica, apoiada na total disposição do elenco. Após “Amarelo Manga” [2006] e “Baixio das Bestas” [2006], o cineasta mantém a linha de um cinema provocador, mas dessa vez seus excessos estão melhor contextualizados. O que torna esse seu filme mais acessível, embora mantenha um tom monocórdio temático, o qual parece engessar a própria narrativa para não fugir da discussão proposta. E o que a obra discute? Na figura do poeta Zizo, muitíssimo bem interpretado por Irandhir Santos, a produção enquadra de maneira esteticista uma Recife emergente, marginal, para falar do hedonismo ético. Sim, muito sexo, bebida e drogas à vontade, o prazer visto como a coisa mais importante da vida, já que, segundo Epicuro, somos frutos do acaso; mas sempre priorizando a coletividade, a consciência de que todos têm o direito de viverem suas existências do modo mais agradável possível. Por isso Zizo faz questão de panfletar suas ideias no jornalzinho que dá título ao filme, como se, tal qual quer dizer a expressão, ele estivesse fora de controle. Por isso Zizo não se conforma quando Eneida [Nanda Costa, fraquinha] lhe nega prazer, ficando obcecado com a moça. Quando se habita um mundo no qual as regras são mais frouxas, nem sempre se compreende os limites ou as motivações do outro, e isso é retratado no núcleo do casal em crise, feito por Matheus Nachtergaele e Tânia Granussi. Essa questão de cinema-manifesto, com algo a dizer, foi recentemente melhor trabalho por José Eduardo Belmonte em “A Concepção” [2005], esse sim mais subversivo, cult e até mesmo mais empolgante em sua proposta e discurso. Reconheço todas as qualidades de Cláudio Assis como cineasta, ele usa brilhantemente a fotografia em preto e branco do mestre Walter Carvalho, como se quisesse conferir luxo ao lixo. O ponto fraco de seu filme é a insistência do roteiro escrito por Hilton Lacerda [parceiro habitual] em manter a sensação de não ter de fato uma história para contar, quase numa estrutura típica do “romance de ideias” ou “romance de tese”, aqui no seu equivalente cinematográfico. Seria de extrema eficácia caso o texto fosse menos raso, tematicamente. Libertário, sim – anarquista, nem tanto. [14.02.13]
ROUBO NAS ALTURAS * * ½
[Tower Heist, EUA, 2011]
Comédia – 104 min
O versátil [talvez nem tanto] Brett Ratner dirige essa inofensiva comédia de ação, mais preocupado com a comédia do que com a ação em si. Ben Stiller é o gerente de um luxuoso prédio em Nova Iorque que reúne um time para roubar o ocupante da cobertura investigado pelo FBI por desviar do mercado milhões de dólares, incluindo aí o fundo de pensão de todos os funcionários do edifício, conhecido como A Torre. Para o plano sair bem executado, ele pede ajuda do vizinho metido a ladrão, interpretado por Eddie Murphy. É óbvio que o audacioso roubo não sairá exatamente como previam. A ideia do filme partiu do próprio Eddie Murphy, há muito tempo em baixa com comédias que quase ninguém ia ver. Certamente, sua mais importante atuação na última década foi dar voz ao Burro das animações da DreamWorks “Shrek”. O astro das comédias de ação dos anos 1980, como as duas partes de “48 Horas” e o impagável detetive Axel Foley da série “Um Tira da Pesada” [e o qual retornará este ano no formato para a televisão], levou ao produtor Brian Grazer essa espécie de versão afro-americana de “Onze Homens e um Segredo”. Não à toa, o roteiro é co-assinado por Ted Griffin, o mesmo do filme de Steven Soderbergh. Para quem não espera nada, a produção agrada sem maiores problemas, mesmo tomando rumos absurdos. É divertido sem ofender a paciência do espectador, pois o ritmo é ágil e as situações não perdem tempo para se desenrolar. Tem como pano de fundo essa questão econômica sempre em crise nos Estados Unidos, mas sem um comentário mais aprofundado. A princípio, era para Eddie Murphy, não Ben Stiller, protagonizar a produção, e senti falta de uma maior atenção na dinâmica dos dois. É a primeira vez que trabalham juntos e isso teria o dever de render mais. Brett Ratner já transitou do suspense [“Dragão Vermelho”] para a adaptação de quadrinhos [“X-Men: O Confronto Final”], mas é na comédia de ação [série “A Hora do Rush”] que se mostra mais à vontade. Quem sabe, um pouquinho além da conta. [18.02.13]
HAHITHALFUT * * ½
[Idem, ISR/ALE, 2011]
Drama – 94 min
Instigante drama israelense sobre a inusitada tentação de ficarmos fora do contexto, quase como numa realidade paralela, onde as perspectivas são outras e ordem natural pode ser subvertida. É daqueles filmes aptos a interpretações diversas, com o maior jeito para festivais e praticamente nenhum para o mercado exibidor. Oded [Rotem Keinan] é um professor de Física com uma rotina bem cartesiana. Quando, um belo dia, é obrigado a quebrá-la, uma sensação estranha lhe toma. Junto ao vizinho de prédio, Yoav [Dov Navon], descobre uma nova possibilidade de observar as coisas sem obrigatoriamente estar presente. Uma realidade transgressora de si mesma, na qual gritar para ambientes vazios é uma forma de catarse. Só que, óbvio, isso aumentará mais ainda o distanciamento entre ele e a esposa desempregada, Tami [Sharon Tal]. O diretor e roteirista Eran Kolirin lança sobre nós o seu estranhamento do cotidiano, do quanto as pessoas parecem alienadas de si mesmas dentro do contexto. Seu olhar é justamente sobre o que acontece quando o contexto é quebrado, subvertido ou simplesmente ignorado. E é bem aí, no ponto chave de sua premissa original, que Korilin parece não saber o que essa oportunidade narrativa oferece. Permanece até o final na busca por uma história para contar. Ah, mas é um filme de personagem! Sim, claro, e que terminam eles mesmos atrás de si descontextualizados. Quando o protagonista alcança a ausência desejada, ele percebe a câmera o acompanhando e, no momento pérola do filme, tenta se desvencilhar dela. Se Kolirin tivesse prosseguido, teria ampliado a própria metáfora. Já imaginou o quão pós-moderno seria o filme continuar sem seu principal personagem? O título foi traduzido para o inglês como “The Exchance” [“A Troca”]. [06.03.13]
TRABALHAR CANSA * * *
[Idem, BRA, 2011]
Drama – 100 min
Uma narrativa incômoda, que oscila entre gêneros, aborda o absurdo do mercado de trabalho com um pé no terror fantástico. Helena, protagonista feita por Helena Albergaria, decide abrir um mercadinho bem no momento no qual o marido, Otávio [Marat Descartes] perde o emprego de dez anos. Enquanto ele entra na jornada das entrevistas no setor de recursos humanos, ela enfrenta a dificuldade de sustentar a família e fazer o novo negócio dar certo, mesmo com o sumiço de mercadoria e uma infiltração na parede que esconde um segredo apavorante. Esse primeiro longa metragem da dupla Juliana Rojas e Marco Dutra, do coletivo paulista Filmes do Caixote, tem no currículo o prestígio da estreia no Festival de Cannes, na seção Un Certain Regard, em 2011. Não é um filme fácil, digo logo; o ritmo é lento e cheio de tempos mortos para provocar o distanciamento bretchniano no espectador angustiado pelo curioso entrelaçamento do drama social com o suspense, ainda mais com as atuações beirando, obrigatoriamente, a inexpressividade. Assim, cada contato entre os personagens é terrivelmente tenso, ainda que não esteja acontecendo nada fora do normal. Os diretores, também roteiristas, testam o espectador a manter o controle do início ao fim, quando a narrativa chega a flertar com o terror mesmo, mas sem explicar muita coisa, as lacunas ficam para quem quiser se predispor a preenchê-las. Rojas e Dutra fizeram aqui uma dessas obras para os “verossímeis” baterem cabeça na hora de classificar num gênero específico. Uma fábula subvertida que mostra o quanto o verdadeiro terror opera nas relações trabalhistas, na busca da felicidade numa carteira de trabalho devidamente assinada e no berro catártico do macaco solto na selva de pedra. [25.03.13]
MARTHA MARCY MAY MARLENE * * * ½
[Idem, EUA, 2011]
Drama - 102 min
Elizabeth Olsen estreia como protagonista num papel difícil, mas entrega uma performance já madura. A irmã mais nova das gêmeas chatinhas Mary-Kate e Ashley Olsen [alguém se lembra delas?] logo no seu primeiro papel mostra a que veio, segurando um drama cheio de complexidade. O diretor e roteirista Sean Durkin, também debutando em longas, inspirou-se em Charles Manson e sua “família” para fazer uma reflexão acerca das lembranças traumáticas e como elas são ressignificadas. Memória e fantasia se entrelaçam sutilmente num filme com muito mais potencial do que é mostrado. [18.02.14]
O HOMEM QUE NÃO DORMIA * * ½
[Idem, BRA, 2011]
Drama - 99 min
Só faltou ao baiano Edgard Navarro estruturar melhor sua narrativa junguiana sobre a libertação das ortodoxias. Ou quem sabe eu esteja sendo careta – e definitivamente esse não é um filme para pessoas caretas. Entrevistei Navarro em 2011, se não me engano, quando tentou me passar seu cinema catártico, pessoal e sem meio termo. Tudo isso pode ser visto aqui, inclusive suas inquietações narrativas. O choque é sua arma contra a hipocrisia da arte pós-moderna do politicamente correto. Nas mãos de Navarro, somos voyeurs do excremento humano, do torto, do feio. Os personagens presos a normas e medos percorrem descaminhos para a liberdade em si mesmos. É quase cômico, mas tem seus momentos. A árvore perdendo suas folhas é um deles. O todo pode ser cru, estranho, sim. Trata-se de uma obra restrita a olhos treinados. [20.02.14]
OS BRUTAMONTES * * ½
[Goon, EUA, 2011]
Comédia - 102 min
Provavelmente a melhor atuação de Seann William Scott [o Stifler de “American Pie”], numa comédia dramática que celebra [critica?] a violência do hóquei no gelo. Inspirado na carreira de Doug Smith, cujo livro coescrito com Adam Frattasio serviu de fonte ao roteiro do ator Jay Baruchel e de Evan Goldberg, o filme dirigido por Michael Dowse pode assustar quem espera apenas mais um besteirol. É uma narrativa nada leve – em certos momentos, a violência é gráfica – sobre alguém que se destaca justamente pelo “talento” em brigar. Para refletirmos, sem dúvida. [27.02.14]

OPERAÇÃO INVASÃO * * *
[Serbuan Maut, IDN/EUA/FRA, 2011]
Ação - 101 min
O galês Gareth Evans ressuscita o John Woo dos anos 1990 nesse filme de ação indonésio para testosterona nenhuma baixar o nível. É macho movie daqueles nos quais os corpos fazem fila no chão após muita luta [o pencak silat, um estilo de luta característico do país] e chuva de tiros. Lembra o primeiro “Duro de Matar” [1988] e “Assalto à 13ª DP” [1976], e quem estava com saudade de algo à la “Fervura Máxima” [1992] certamente vai se esbaldar aqui. A trama é bem simples, mas Evans consegue explorar seus elementos disponíveis e entregar uma experiência que mantém a tensão constante. Violentíssimo, fez muito sucesso quando lançado e ganhou uma continuação. [16.08.14]

AS CANÇÕES * * * * *
[Idem, BRA, 2011]
Documentário - 92 min
O mestre Eduardo Coutinho trabalha o minimalismo narrativo para enquadrar a comovente memória afetiva musical. Parente direto, em termos estruturais, do também brilhante “Jogo de Cena” [2007], parte de uma premissa simplíssima – qual música marcou sua vida? –, extraindo não só depoimentos espontâneos mas performances das canções carregadas do mais profundo sentimento. O estilo alcançado pelo documentarista ultrapassa o cru de uma construção cinematográfica, é o mais direto possível na abordagem do tema e dos entrevistados. Talvez seja a abordagem mais humanista de lidar com pessoas no formato audiovisual. Sem nada que distraia o espectador dos únicos protagonistas. Sem sentimentalismo, caro ou barato. Mesmo assim, Coutinho não se anula, está presente fora do quadro o tempo inteiro, quase canta junto, sem nunca roubar a atenção para si. Gênio. [03.02.15]

VIRGÍNIA * *
[Twixt, EUA, 2011]
Terror - 88 min
Coppola abre mão do talento em prol da liberdade criativa, num terror gótico que emula, com relativo sucesso, a literatura barata praticada por seu protagonista. É como se o gênio por trás de “O Poderoso Chefão” [1972] e “Apocalipse Now” [1979] desse um “foda-se” para os críticos e quisesse apenas exercitar um cinema B que já teve seu auge no esquema de Hollywood. Sim, a sessão é absolutamente sofrível – a “noite americana”, por exemplo, é usada descaradamente para dar o tom dos sonhos. Em contrapartida, tenho minhas dúvidas se o “padrinho” estava realmente se importando com isso ao conceber essa pérola conscientemente medíocre. Ou, quem sabe, muito além do seu tempo. Nesse caso, estaria ele criticando os moldes que o tornaram, com poucos filmes, um dos grandes cineastas do século XX? [27.02.15]

AS HIPER MULHERES * * *
[Itão Kuegü, BRA, 2011]
Documentário - 80 min
Fascinante como a narrativa entremeia ficção e realidade, de modo a não sabermos onde um começa e o outro termina. Realizado com e por uma tribo indígena do Alto Xingu [MT], a obra dirigida por Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, este último nativo, gira em torno do Jamurikumalu, o maior ritual feminino da região. A desenvoltura dos índios-atores traz algo muito especial para experiência de imersão singular. [08.05.15]

SHUFFLE * *
[Idem, EUA, 2011]
Drama - 81 min
Poderia muito bem ser um interessante quebra-cabeça narrativo; pena o conjunto das peças não formar nenhuma figura convincente. A premissa não é tão original assim – homem fica acordando em momentos aleatórios da própria vida – e ainda comete alguns furos na lógica estabelecida. Mesmo assim, eu esperava pelo menos bons questionamentos levantados, ou algo menos batido sobre estar atento aos sinais, e uma finalização que não ficasse com cara de telefilme. O cineasta Kurt Kuenne [olha esse nome] é um Steven Soderbergh/Robert Rodriguez antes da fama: escreve, dirige, edita, opera a câmera e ainda compõe o score da produção. Só faltou mesmo a ele canalizar melhor seus dotes para entregar uma obra de ficção [é dele o documentário “Dear Zachary: A Letter to a Son About His Father”, de 2008] digna de ser apreciada. [15.05.15 – Netflix]
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário