Filmes de 2013 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *
O ÚLTIMO DESAFIO * * ½
[The Last Stand, EUA, 2013]
Ação - 107 min
O retorno de Arnold Schwarzenegger ao cinema de ação se revela até divertido, graças ao humor empregado e à direção competente. O último filme protagonizado pelo austríaco foi “O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas”, em 2003, assim que assumiu o governo da Califórnia, criando o amálgama Governator, que duraria até 2011. Agora, o astro quer reclamar seu posto de herói dos filmes de ação, após oito anos “sem receber salário”, como o próprio afirmou. Sei... Para não arriscar produzir uma bela bomba cinematográfica, chamou o sul-coreano Jee-won Kim [“Os Invencíveis”] para comandar o filme. E, voilá, fizeram uma escolha certeira, a câmera de Kim é criativa e ágil sem apelar para excessos. O mais interessante é que não foi um filme caro para os padrões hollywoodianos [“apenas” 30 milhões de dólares] e o resultado é bem eficiente, com ação elaborada, algumas cenas muito boas. Começa no fim de semana de folga do xerife [Schwazenegger] de uma cidadezinha pacata na fronteira com o México. Ele, ao contrário de seus delegados, toma uma atitude ousada, porém correta, de impedir um criminoso mexicano de ser bem sucedido em sua fuga no volante de um carro estilo “A Super Máquina” [poucos devem se lembrar dessa série de TV dos anos 80]. Há um ligeiro quê de “Matar ou Morrer”, clássico western, enquanto o xerife e sua desengonçada trupe esperam a chegada do tal fugitivo, ao mesmo tempo a brincadeira dos habitantes nem se importarem com o que pode acontecer. Não se levar a sério parece já parte da fórmula dos filmes de ação os quais desejam ser levados a sério, em termos de bom entretenimento. Há humor aqui para todos os gostos e todas as situações, pelos menos dois alívios cômicos – Johnny Knoxville e Luis Guzmán – e muita violência do tipo “que p... é essa?” Violência essa que vem na contramão do que passa os Estados Unidos, com as tragédias e a questão das armas; quem sabe por isso tenha estreado tão mal por lá, não fazendo jus ao filme em si. Na verdade, está uns 20 anos atrasado, fosse a década de 90 estouraria sem problemas. O elenco se beneficia de participações pequenas de grandes atores, além dos dois citados acima, como Harry Dean Stanton, Forest Whitaker, Peter Stormare, Eduardo Noriega e o brasileiro Rodrigo Santoro, num bom personagem que participa ativamente da trama. Mas e Schwazenegger, aguenta o trampo? No auge dos 65 anos, ele se mostra disposto a dar o que o público espera ver, sem deixar de exibir, e sobretudo comentar, o peso da idade. E não pense que o exterminador foge da raia, seu confronto final com o vilão é jiu-jitsu em cima de uma ponte. Como disse um dia que faria, ele voltou. Mas, no fundo, alguém sentiu falta? [23.01.13 - cinema]
JOÃO E MARIA: CAÇADORES DE BRUXAS *
[Hansel & Gretel: Witch Hunters, ALE/EUA, 2013]
Terror - 88 min
A primeira bomba do ano explode em 3D bem na nossa cara. Mas alguém de fato achou que a ideia fosse boa? Ou que ao menos pudesse render algo interessante? Sério, não aprenderam nada com o também fiasco “A Garota da Capa Vermelha”? Se depender dos “produtores” Will Ferrell e Adam McKay, a resposta é não. Aparentemente, o trauma vivido na infância pelos irmãos João e Maria [Hänsel e Gretel no original dos Grimm] os fizeram tornar-se caçadores de bruxas, João ficou diabético de tanto comer doce [!] e Maria guarda um segredo de utilidade para suas inimigas. Está armada a ligeira e tosca narrativa conduzida pelo norueguês Tommy Wirkola. O sujeito parece mais preocupado em atirar tudo o que pode ou não na cara do público [chega a ser extremamente irritante] do que desenvolver o fiapo de enredo com qualquer pingo de talento ou mesmo bom gosto. O conto de fadas coletado oralmente pelos irmãos Grimm e enfeitado para a classe média europeia do século XIX disfarçava o infanticídio cometido pelos próprios pais por não poderem prover os filhos durante a Idade Média. Séculos depois, transforma-se num filme de terror tão estúpido quanto se confiar em migalhas de pão para não perder o caminho de volta para casa. Divertido mesmo só a seriedade dos atores nessa farsa pós-moderna. Incrível perceber como Jeremy Renner, que começou a se destacar tão bem, não parece mais ter critério na escolha de seus personagens. E o que falar da reação da plateia ao descobrir o nome do ogro que ajuda Gret... ops, Maria? Sintomático até a medula, assim como resolver o trauma no local onde o trauma foi gerado. Psicologia mais barata, impossível. Aqui está uma experiência tão ruim quanto andar pelo shopping atrás de cerveja sem álcool e cruzar com uma ex de mão dada com outro. Pensando bem, posso até encarar a tortura em 3D novamente sem sentir tanta dor. [25.01.13 – cinema]
MEU NAMORADO É UM ZUMBI * ½
[Warm Bodies, EUA, 2013]
Romance - 98 min
Esqueça tudo o que aprendeu sobre zumbis e quem sabe você ache algum sentido na ideia mais idiota da década até agora. Sim, a maior parte da crítica fala bem do filme. Sim, a estreia foi ótima de bilheteria nos Estados Unidos. Tristes sintomas do que chamo de “colapso das ideias”: quando um tema é explorado até a exaustão, as aberrações começam a surgir, e – pior – já não sabemos se são de fato aberrações ou upgrades sintonizados com a época. Assim, posso muito bem estar errado, fora de sintonia com meu próprio tempo, perdendo os símbolos otimistas da nova era, a pieguice das histórias nas quais os conflitos dramáticos são tão fakes quanto a beleza andrógina de galãs como Robert Pattinson e Nicholas Hoult. Este último já foi “Um Grande Garoto” em 2002, passou a Fera dos “X-Men” e no momento é o herói estranho a atrair os suspiros femininos. Ao menos, parece ser essa a jogada dos produtores de Hollywood. Aqui, ele é o zumbi-narrador R [Romeu?] num mundo pós-apocalíptico que, mesmo sem atividade mental e comunicação reduzida a grunhidos, articula muitíssimo bem suas não sensações ao público. Na verdade, está mais para um emo entorpecido de Rivotril, cujo efeito começa milagrosamente a passar quando se depara com Julie [Julieta?] e seu coração morto volta a bater. Ah, o amor ressuscita até defunto! Lindo se, sem uma lógica no mínimo consistente, os demais zumbis não fossem também infectados com o mesmo vírus. Para escancarar a intertextualidade shakespeariana, nada melhor do que o pai de Julie ser o líder dos contra-zumbis e a narrativa conter uma rápida encenação da famosa cena na varanda de Julie[ta]. Com origem no vodu afro-caribenho, os zumbis com morte cerebral, estado catatônico e comedores de vivos foram popularizados no cinema por George Romero no clássico de 1968 “A Noite dos Mortos-Vivos”. De lá para cá, viraram caricaturas do que eram antes, uma crítica social ao consumismo desenfreado promovido pelo sistema capitalista. Até onde sei, nunca se havia imaginado uma cura para o zumbinismo, até o escritor Isaac Marion publicar “Sangue Quente” e o amor operar seus milagres na lista refinada de best sellers, ao lado da “Saga Crepúsculo”, “Jogos Vorazes” e adjacências pós-“Harry Potter”. Jonathan Levine, que dirigira o ótimo “50%”, até se esforça de maneira visível, tentando valorizar o clima e o ritmo, além de lançar mão de um excelente repertório na trilha sonora. Contudo, não consegue nos fazer abstrair a bobagem que estamos vendo; a estúpida ideia desses zumbis-emo não nos permite o envolvimento com o inusitado romance. Em outras palavras, não há “suspensão da descrença” incapaz de não me fazer lamentar a morte dos mortos-vivos de George Romero. [08.02.13 – cinema]
DURO DE MATAR – UM BOM DIA PARA MORRER * ½
[A Good Day to Die Hard, EUA, 2013]
Ação - 97 min
Finalmente [no sentido mais sarcástico do termo], eles conseguiram destruir um dos meus heróis de filmes de ação favoritos. E, pior, sem qualquer retribuição por todos os seus anos de serviço prestado. Nessa execrável quinta aventura do detetive John McClane, o popular personagem de Bruce Willis vai a Rússia reatar os laços com o filho em meio a uma trama desinteressante e, sobretudo, ultrapassada. Pela primeira vez, McClane parece mais um coadjuvante de sua própria história; chega a ser sintomático ele repetir o tempo todo estar de férias, pois, pela atuação morta de Willis, o intérprete passa a sensação de realmente ter gravado o filme durante seu descanso das produções barulhentas de Hollywood. Será pelo fato de não ter conseguido trazer de volta à série a atriz Bonnie Bedelia, que fez Holly Gennaro, hoje ex-esposa de McClane, nos dois primeiros filmes? Uma dor de cotovelo projetada ou a crise por não ter prestígio perante seu próprio produto? Não quero crer em tamanha ingenuidade. Mas de fato Willis/McClane parece velho, cansado, sem um pingo de vontade de fazer coisa alguma para a câmera infantil de John Moore. Por falar nisso, alguém pode, por favor, me explicar o que diabos são aqueles chicotes de zoom, in e out, que Moore usa para pontuar sua ação? São irritantemente amadores, como se ele tivesse apertado o botão na câmera sem querer e – olha só, mamãe, o que eu descobri! – adorado o recurso. Está apenas uns 40 anos fora de moda, senhor Moore, só Tarantino pode brincar com os chicotes de zoom hoje em dia. Pior que isso é ver cenas de pai e filho lavando a roupa suja entre um tiroteio e outro ou lidar com vilões rasos, apagados, com as mesmas motivações de 117 anos atrás, quando o cinema surgiu. Sim, o roteiro de Skip Woods [“X-Men Origens: Wolverine”] é uma picaretagem sem estrutura capaz de provocar ódio e sono em proporções bem similares. Depois dessa, a série iniciada em 1988, e que até vinha mantendo um certo nível, despencou sem paraquedas ou colchão de ar. John McClane entregou de vez os pontos; quando solta seu bordão “Yppee-ki-yay”, somos nós os “motherfuckers” da interjeição. [22.02.13 – cinema]
DEZESSEIS LUAS * *
[Beautiful Creatures, EUA, 2013]
Romance - 124 min
Mais um caça-níquel vindo da literatura infanto-juvenil pós-"Crepúsculo". Agora, um romance meloso envolto de bruxaria. Se as “autoras” Kami Garcia e Margaret Stohl aproveitaram a onda das franquias escritas por mulheres para surfar também, o que dizer dos executivos por trás da Alcon Entertainment, que compraram os direitos da quadrilogia? Não me interpretem errado, adoro tudo feito por mulheres – inclusive a dor –, sobretudo na literatura [preciso citar nomes?]; porém, quando sua energia é visivelmente comercial e plagiada elas conseguem se rebaixar ao nível dos homens. O cineasta Richard LaGravanense é o responsável pela adaptação do primeiro livro das Crônicas Caster, publicado em 2009. A história se passa na fictícia cidade de Gatlin, onde se atribuem os raios e outras manifestações sobrenaturais à prática satanista da família Ravenwood, fundadora do local. Ethan Wate é o jovem que vai se apaixonar pela bruxinha Lena Duchannes, uma descendente Caster que, prestes a completar 16 anos, precisa encontrar uma maneira de impedir que uma maldição a leve para o lado negro da forç... ops, da magia. Se você tem pelo menos 16 neurônios funcionando, de imediato entende qual sacrifício a mocinha tem de fazer para a maldição ser desfeita. A única coisa positivamente diferente dessa série são as citações literárias feitas pelos personagens durante o enredo. Boas citações, não se pode negar, como “Matadouro 5”, de Kurt Vonnegut, e Charles Bukowski – como não se interessar por uma menina lendo Bukowski? Mas pesa contra os atores, Alden Ehrenreich e Alice Englert, serem fraquinhos e não carismáticos. Também há a participação de Viola Davis, Jeremy Irons e Emma Thompson, dando certa credibilidade ao filme perante os adultos; pena não ter sido reservado a esses últimos um duelo mais digno de seus nomes. No geral, a narrativa de LaGravenense [de outra insossa adaptação, “Água para Elefantes”] caminha trôpega, sem ação, arrastada no mesmo tom até a última cena, no detalhe sutil do olho da protagonista ao ouvir o berro do amor verdadeiro vencendo seus próprios obstáculos. A melhor parte sempre acontece tarde demais nesses casos. [01.03.13 – cinema]
OZ: MÁGICO E PODEROSO * * ½
[Oz: The Great and Powerful, EUA, 2013]
Comédia - 130 min
A aguardada, e tardia, prequência do clássico de 1939 é visualmente deslumbrante, porém escorrega no tom cômico. Pelo menos para mim, foi um choque de estranhamento que me afastou da narrativa. Sim, eu tinha consciência que o filme teria elementos de humor, mas não imaginava que seria dominado por eles. De fato, demorei a entender que se trata de uma comédia de aventura, não o contrário. Dirigido por Sam Raimi, começa no Kansas em preto e branco e na janela 1.33, exatamente como as produções da década de 1930. O prestidigitador Oscar Diggs [James Franco] beira os limites entre o ilusionismo e a charlatanice num circo itinerante. Pilantra por convicção, suas enroladas o fazem fugir num balão, bem no momento de um tornado se formar na região. Oscar aterrissa na mágica Terra de Oz, quando o colorido toma conta da tela e a razão de aspecto é ampliada para 2.39. Então, os problemas realmente se iniciam. Não por Oz precisar se resolver enquanto fraude para libertar o reino das bruxas más, e sim porque essa jornada é boba, chata e não perde uma única oportunidade de extrair o riso do espectador. As bruxas, em questão, são feitas por Mila Kunis, Rachel Weisz e Michelle Williams, revezando, ao longo da narrativa, quem está enganando quem. O clássico musical inspirado no livro publicado em 1900 por L. Frank Baum e dirigido por Victor Fleming encanta gerações desde seu lançamento, quando Judy Garland eternizou a canção “Over the Rainbow” antes da aventura ao lado do Leão, do Espantalho e do Homem de Lata, todos em busca do Mágico para ter seu desejo atendido. Agora, 74 anos depois de “O Mágico de Oz”, algo se perdeu? Pois a magia já não impressiona tanto quanto o cinismo por trás dela. O novo filme só ecoa o original no desfecho, no ilusionismo inspirado na criação de Thomas Edison – e aqui lhe é transferida a paternidade do cinema, uma rixa entre estadunidenses e franceses que já dura quase 118 anos. James Franco não se sai como a melhor das escolhas para vestir o terno de Oz [imagine se tivesse dado certo com Robert Downey Jr. ou Johnny Depp] e definitivamente a comédia soa deslocada, desproporcional, no roteiro arrastadíssimo assinado por Mitchell Kapner e David Lindsay-Abaire. Com meia hora a menos, teríamos um filme com melhor resultado rítmico. Entre as coisas boas, o design de produção fenomenal para a fotografia em 3D, se lembrarmos que tudo foi filmado em estúdio, e uma personagem especial, a garotinha de porcelana, o grande link emocional do espectador com o filme. Com seu primeiro orçamento alto após a trilogia “Homem-Aranha”, o diretor Sam Raimi se esforça para dar credibilidade às descrições contidas no roteiro e vez por outra ainda consegue quebrar o gesso para inserir sua marca pessoal. Deveria talvez ter inserido o 3D somente quando o protagonista chegasse a Oz, como Joseph Kosinski fez em “Tron: O Legado” [2010], usou o recurso apenas nas sequências dentro do jogo. Contudo deve ter achado que três transformações técnicas de uma só vez seria promover excesso de expectativa num filme que fica muitíssimo a dever à fonte homenageada. [08.03.13 – cinema]
G. I. JOE: RETALIAÇÃO * *
[G. I. Joe: Retaliation, EUA, 2013]
Ação - 110 min
Comparada à bomba do filme de 2009 detonada por [quem mais?] Stephem Sommers, essa sequência é um clássico do cinema de ação – ainda que medíocre. Se você está na beirada dos 30 anos e teve infância, deve/deveria lembrar-se dos bonecos da Hasbro, comercializados no Brasil pela Estrela sob a alcunha Comandos em Ação. Eu mesmo tive vários deles, o quartel-general do Falcon, essa coisa toda. O primeiro live action, quatro anos atrás, é um daqueles filmes que tortura e diverte justamente por ser tão ruim. Agora, o produtor Lorenzo di Bonaventura se esforça para acertar o relógio, mas mesmo assim o fuso horário não bate com todos. Sem negar a existência do antecessor e com lançamento atrasado em quase um ano, traz Duke [Channing Tatum] ainda como líder dos Joe’s até o falso presidente [Jonathan Pryce] ordenar a extinção do comando enquanto o Comandante Cobra é libertado para dar início ao Projeto Zeus. Um dos poucos sobreviventes, Roadblock [Dwayne Johnson] precisa ir atrás do próprio Falcon/Joe original [Bruce Willis] para desarmar o catastrófico plano inimigo de destruição global. Já deu para perceber que, resumindo, é ação sobre ação estruturada por um plot mínimo e bem à moda antiga. Mas não se engane com a presença de Bruce Willis, que só aparece lá pelas tantas e, sinceramente, não faria tanta falta à história. O nome da vez é Dwayne Johnson, o verdadeiro protagonista; e The Rock tem provado, entre altos e baixos, ter mesmo força para segurar um filme de ação sem fazer careta. Na cadeira do diretor, Jon M. Chu, mais conhecido pelo documentário em 3D sobre Justin Bieber. Até que o sujeito faz tudo certinho, nada espetacular, porém os efeitos visuais mais funcionam do que atrapalham. Em relação ao roteiro escrito pela mesma dupla de “Zumbilância”, a melhor parte é mostrada na condução do encontro sobre desarmamento nuclear, cada país com sua maleta de destruição. Óbvio, não poupam piada em cima da Coreia do Norte. Lorenzo di Bonaventura não descarta um crossover no futuro entre “G. I. Joe” e “Transformers” [ambos são da Hasbro e já se cruzaram nos quadrinhos]. Só posso humildemente implorar por um desesperado não. [30.03.13 – cinema]
A HOSPEDEIRA * ½
[The Host, EUA, 2013]
Ficção - 125 min
Dessa vez, o subtexto da “autora” Stephenie Meyer trata do amor versus tesão adolescente numa trama de ficção tão bobinha que cansa. Ela própria declarou que ficou intrigada mais com a possibilidade de desenvolver um curioso triângulo amoroso, no caso é um quadrado, ao invés de aproveitar a ideia para levantar algum debate sobre como o planeta seria mais bem cuidado com os humanos fora do controle dele.Esperar alguma profundidade sem estar relacionada a sexo teen não praticado, mas latente, nas obras de Meyer é o mesmo que pedir a Freud para olhar a própria mãe sem sentir raiva do pai por transar com ela. Se a “Saga Crepúsculo” foi o maior desserviço cultural a já confusa juventude pós-moderna nos últimos anos, o que dizer de uma história que elabora o conflito interior entre duas personalidades femininas no mesmo corpo na hora de beijar dois rapazes diferentes? É como dizer às meninas que elas terão medo a princípio, porém precisam experimentar ir até o fim para colocarem os sentimentos em seus devidos lugares. Posso até estar equivocado, parrudo e antiquado, mas me parece uma mensagem subliminar perigosíssima e estúpida, sem sentido algum. Pondo em contexto, a Terra foi invadida e dominada por alienígenas chamados de Almas, as quais hospedam nos corpos humanos e seguem regras pacifistas. Peregrina é a alma colocada no corpo moribundo da jovem Melanie [Saoirse Ronan] com o objetivo de ajudar os Buscadores a encontrar a ultima resistência humana, escondida nas montanhas. Só que a personalidade de Melanie ainda está viva e termina por envolver a Peregrina com suas lembranças do namorado. Uma vez no seio do grupo humano resistente ao domínio extraterrestre liderado por Jeb [William Hurt], a Peregrina se apaixona por um amigo do namorado da dona do corpo que habita. Precisa dizer mais? Tudo bem. Adaptado e dirigido por Andrew Niccol, o sujeito por trás de “Gattaca – A Experiência Genética” [1997], do brilhante roteiro de “O Show de Truman” [1998] e de “O Senhor das Armas” [2005], aqui em seu pior rendimento cinematográfico, se é que o termo existe. O mesmo pode ser dito dos cineastas que passaram pela “Saga Crepúsculo”, infelizmente. Niccol cria um bom design de produção para os dois principais cenários da trama, o clean das instituições alienígenas e o rústico do esconderijo humano, mas passa um bom tempo sem ter exatamente o que contar. Provavelmente culpa de estar amarrado à péssima estrutura do livro, que precisa criar um perigo de morte no irmão da protagonista para colocar certa energia de volta à narrativa. Fora isso, as atuações beiram o ridículo, e chega mesmo a ser constrangedor ver Saoirse Ronan [ótima em “Hannah”] conversar consigo mesma apenas com o tom de voz diferente. Isso sem mencionar o já mencionado quadrado amoroso [o romance com a Peregrina seria o mais romântico idealista e o com Melanie o da atração física] e os diálogos piegas que os atores são obrigados a proferir sem cair na risada. O desfecho tenta ser bonito e apela ao sacrifício como verdadeira forma de amor, mas nesse ponto quem não está chorando de tristeza está chorando de raiva por testemunhar Stephenie Meyer em sua batalha para rebaixar o nível da literatura e, por infeliz consequência, das adaptações para o cinema. [30.03.13 – cinema]

JACK, O CAÇADOR DE GIGANTES * * ½
[Jack, the Giant Slayer, EUA, 2013]
Aventura - 114 min
Até Bryan Singer surfa na onda das novas adaptações dos contos de fadas, mas sem "adultificá-las", como ocorreu em “A Garota da Capa Vermelha” e “João e Maria – Caçadores de Bruxas”. Singer mantém o tom de fantasia infanto-juvenil, com um argumento totalmente apoiado no aspecto visual, em detrimento de uma história que pudesse ser menos arroz com feijão. Esse ainda continua a ser o estopim da aventura vivida pelo camponês Jack [o eterno, e estranho, “Um Grande Garoto” Nicholas Hoult] para salvar a princesa Isabelle [Eleanor Tomlinson] dos gigantes que habitam a terra acima das nuvens. Claro, no grupo de resgate há um caricato vilão oportunista, Roderick [Stanley Tucci], o qual serve apenas para deixar os gigantes ainda mais furiosos e fazê-los descer rumo à batalha contra os humanos. Com estrutura ternária muito bem demarcada, o roteiro escrito a seis mãos possui mais referências à história bíblica de Davi e Golias do que ao conto de fadas inglês propriamente dito, colhido da tradição oral por Benjamin Tabart [1807] e popularizado pelo australiano Joseph Jacobs no seu “Contos do Folclore Inglês” [1890]. A princípio, seria dirigido por D. J. Caruso [“Controle Absoluto”], mas Singer o substituiu e trouxe para o projeto o antigo colaborador Christopher McQuarrie, roteirista de “Os Suspeitos” [inclusive, há uma brincadeira com o filme e os gigantes na vinheta da produtora de Singer, a Bad Hat Harry]. Nem isso fez o cineasta esquecer o deslumbre com a câmera Red Epic e dar atenção ao texto. O máximo que consegue é, enquanto autor, uma referência a outro filme seu, “O Aprendiz”, quando Jack crava uma faca nas costas de um gigante asqueroso, que se debate igual ao mendigo feito por Elias Koteas na produção de 1998. Fora isso, trata-se de uma aventura de fantasia absolutamente hollywoodiana, com boa ação e romance, sem fugir do óbvio de uma sessão-família. Pode até possuir aquele clima de história contada na hora de dormir, suscitar esse sentimento gostoso. Porém, onde foi parar o interessante diretor Bryan Singer, com um início promissor, depois tragado pelo mercado das adaptações de quadrinhos? Um dia ele volta, será? [30.03.13 – cinema]
VAI QUE DÁ CERTO * *
[Idem, BRA, 2013]
Comédia - 87 min
No outrora relevante quesito qualidade, a comédia nacional anda bem mal das pernas. Ou foi o público que ficou burro de vez? Por favor, não quero ofender ninguém, mas me espanta o nivelamento por baixo do filão do momento, justamente o humor pastelão migrado da televisão, ser inversamente proporcional à bilheteria arrecadada por essas produções. O que eu estou perdendo? Não tenho o senso de humor brasileiro, pautado por piadas chulas e sem graça relacionadas a um rosto familiar? Não compreendo as gags vazias sobre a estupidez de ser alienado? Por que não peido de tanto rir das cenas imbecis que levam milhões aos cinemas? No caso do novo filme de Maurício Farias [“A Grande Família – o Filme”], o humor se faz das trapalhadas de cinco amigos, antigos ou não, tentando dar um golpe numa seguradora. Claro que só vão meter os pés pelas mãos e a cada movimento complicar mais ainda a situação. Uma clássica comédia de erros com um roteiro sem qualquer talento ou mesmo desenvoltura. O resumo é uma sucessão de gritaria coletiva, na qual se apanha uma ou outra frase compreensível no ar. Farias reúne alguns dos “grandes” nomes do humor televisivo e youtubiano da onda, como Lúcio Mauro Filho, Felipe Abib, Gregório Duviver, Bruno Mazzeo e Fábio Porchat, que colaborou no roteiro. Junto a eles, o pacote traz ainda Danton Mello, rechonchudo, e Natália Lage. Difícil dizer quem está ou não atuando, pois Maurício Farias carrega na caricatura dos trintões inúteis para literalmente nos obrigar a rir. Se eu ri? Claro, estou completando 30 anos, e aqui e acolá a trupe faz cócegas na gente – são pagos para isso. Mas o humor perde a graça a partir da metade da história e resulta num desfecho fraquinho, preocupado mais em garantir a sequência. O melhor do filme é mesmo a participação do veterano Lúcio Mauro, embora apelando para a velha “tática de guerra”. Não me empolguei com as referências geeks sobre games, filmes e heróis, achei-as tolinhas, até sem graça. Como a maior parte do roteiro assinado por seis mãos. Com um humor negro e mais esperto do que pôr a trupe para dever tanto bandido quanto polícia, certamente renderia algo menos “humor brasileiro no piloto automático”. Mas tudo bem; tentem novamente. Vai que dá certo. Na próxima.
OBLIVION * * ½
[Idem, EUA, 2013]
Ficção - 126 min
Toda a suposta pretensão cerebral dessa ficção pós-apocalíptica não ultrapassa o visual arrojado, junto ao roteiro raso e morno. Isto é o que sei: já assisti a esse filme antes, em diversos outros filmes. Adoro ficções científicas, pois é um gênero que pede as duas coisas mais em falta no mercado do entretenimento contemporâneo, ser criativo e original. Não há limites para a imaginação bem trabalhada nesse tipo de produção, mesmo aquelas calcadas em elementos reais ou mesmo em hipóteses não confirmadas. Todavia, no colapso das ideias, o requentado assume caráter épico e é vendido como uma gloriosa reinvenção da roda. E assim nos pegamos seguindo o protagonista estilo Wall.E feito por Tom Cruise, encarregado de fazer a manutenção de drones na Terra semidestruída há 60 anos já. Mesmo possuindo uma companheira na missão terrestre próxima do fim monitorada por uma gigantesca estação espacial, chamada de Tet, ele sonha com outra mulher, de um tempo não mais existente. Como, se suas lembranças foram apagadas no início da missão? Quem seria ela? Quem era ele, no passado? São as questões a nos introduzirem nesse ambiente repaginado de vários outros. Até que Joseph Kosinski, diretor e autor do argumento, demonstra habilidade para criar clima, agarrado ao apelo visual. O filme é esteticamente bonito, não posso negar, sobretudo as sequências acima das nuvens. Antes de migrar ao cinema, a ideia havia sido testada numa graphic novel, a qual justifica todo o apuro das imagens de Claudio Miranda, recentemente oscarizado pela estupenda fotografia de “As Aventuras de Pi”. Infelizmente, o look não resiste à aterrissagem, quando a história perde a força, nunca saindo do lugar comum ou mesmo elaborando melhor os próprios eventos. O máximo que temos é o diálogo expositivo, na cena do jantar, onde Cruise explica à inesperada hóspede [Olga Kurylenko, de “Quantum of Solace”] a mesma historinha já nos contada no início da projeção. Depois disso, os movimentos da trama me parecem insatisfatórios, principalmente com a verdade revelada sobre o próprio protagonista, sem mexer no estômago de ninguém. Prova de que estamos tão acostumados a tal desvio a ponto de isso não nos incomodar mais. Só soa bobo, repetitivo [para quem viu “Lunar”] e muito distante das promessas do começo. Há ação, naturalmente, mas comportada, presa à estrutura do roteiro. Esse fica a dever metade da história, pois boa parte não é bem esclarecida, e um desfecho menos frustrante. Além disso, a produção não sabe usar as presenças de Morgan Freeman e do dinamarquês Nikolaj Coster-Waldau [Jamie Lannister, de “Game of Thrones”], aqui um mero coadjuvante, quase figurante com falas. Kosinski comandou “Tron: o Legado” em 2010 sem fazer feio para uma estreia. Confesso que esperava mais dele nesse segundo projeto, ainda mais pelo fato de ser uma cria sua. Será que os pais de hoje andam mesmo tão desleixados assim?
INVASÃO À CASA BRANCA * * ½
[Olympus Has Fallen, EUA, 2013]
Ação - 120 min
Parece ter saído direto dos anos 1990 esse filme de ação que até diverte, mas não consegue ir muito além disso. Afinal, o que poderíamos esperar de uma produção na qual a trama se passa um dia após o feriado mais patriota do ano [4 de julho] e um único agente do serviço secreto, recuperando-se de um trauma, enfrenta um exército de terroristas que tomaram de assalto a famosa residência presidencial estadunidense? Se à sua mente vieram filmes como um “Duro de Matar” qualquer, “Na Linha de Fogo” e “Independence Day”, isso não é sinal de atividade inconsciente. É da superfície mesmo. Assim como também o é nosso divertimento em relação à paranoia dos Estados Unidos sendo psicanalisada na tela com muita violência e patriotismo. E pode ter certeza que não haverá perdão para os invasores que ousaram subjugar o líder da nação mais poderosa do mundo. A Gerard Butler, no papel de um genérico John McClane-Jason Bourne, só não compete soltar o berro “This is Spaaarta!”, mas todo o resto é permitido para amedrontar aqueles que, por ventura, se inspirarem no ataque fictício para torná-lo real. Nunca entenderei por completo essa lógica. Em relação à estrutura, o roteiro de primeira viagem escrito por Creighton Rothenberger e Katrin Benedikt recicla todos os elementos da supostamente aposentada cartilha do cinema de ação noventista para dar ao espectador uma inusitada experiência saudosista. Até funciona na primeira metade, quando o filme parece uma viagem no tempo a um passado não tão distante, trazendo a mesma conformação da Jornada do Herói. O paradoxo só se torna sentido por nós pela escolha do vilão atual [leia-se: Coreia do Norte] e pela falta de senso de humor na narrativa, deixada para o último diálogo, bem ao estilo de Roland Emmerich [“Independence Day”, “Godzilla”]. Especialista no gênero, o diretor Antoine Fuqua investe energia nas cenas de ação, sobretudo a sequência da tomada da Casa Branca, longa e elaborada como um assalto a um prédio qualquer. Todavia, perde força por não contornar melhor os problemas de construção dos personagens [o agente traidor usa argumentos pateticamente vazios e ainda se arrepende depois] e a própria dinâmica batidíssima entre o herói, o vilão e a cavalaria petrificada do outro lado da linha. Fuqua não soube usar as possibilidades plantadas no início pelo próprio roteiro, que solenemente abandona suas ideias mais promissoras [a questão do filho do presidente é resolvida logo na primeira metade] para encher linguiça com os códigos de ativação das bombas nucleares do país do tio Sam. O pior para mim é não compreender o motivo de presenças de peso como Aaron Eckhart, Melissa Leo, Morgan Freeman, Angela Bassett, Radha Mitchell, Robert Forster e Ashley Judd em papéis que variam da mera caricatura à mera figuração. Você pode responder: “As contas, meu amigo, precisam ser pagas.” Eu me calo perante a verdade cínica por trás da arte, na ingênua torcida para esses mesmos atores estarem apenas salvando dinheiro para projetos futuros dignos dos seus nomes e do nosso tempo.

HOMEM DE FERRO 3 * * * *
[Iron Man 3, EUA, 2013]
Aventura - 130 min
Seria inusitado supor que o ano de 2013 começou justamente com um filme inspirado nos quadrinhos? Seja como for, a terceira produção-solo do herói [muito bem] defendido por Robert Downey Jr. é diversão escapista das boas, diria mesmo certeira. Com temas mais densos, mas sem perder o humor despojado característico da franquia Marvel, se essa for mesmo a anunciada despedida, Tony Stark e seu alter ego saem num ótimo momento, propício a deixar no espectador a lembrança de uma das adaptações para o cinema mais exitosas, não importa a origem. Obviamente, tornaremos a ver Downey Jr. como o Homem de Ferro em “Os Vingadores 2” e nunca podemos subestimar a persuasão dos produtores. Ademais, é difícil imaginar outra persona que venha a casar tão bem à figura a qual interpreta. Assim como Superman sempre será de Christopher Reeve e Wolverine de Hugh Jackman, Homem de Ferro pertence a Robert Downey Jr. Mas por que me adianto nessa questão? Por que exercito o saudosismo se nem há a certeza [afinal, existe alguma certeza na vida?] desse ser de fato o fim? Simples, porque a roupa nunca ficou tão bem acomodada a um corpo. E isso conta. Tão à vontade no personagem como se interpretasse a si mesmo, o ator consegue tornar visível o amadurecimento do protagonista. Ainda abalado com os eventos mostrados em “Os Vingadores”, Tony Stark precisa aprender a lidar com sua paranoica obsessão pelas armaduras e os frequentes ataques de pânico para enfrentar o terrorista Mandarim [Ben Kingsley] e o cientista Aldrich Killian [Guy Pearce]. Revelar mais seria estragar as surpresas de uma trama elaborada como um suspense de aventura divertidíssimo e, o melhor, que não ofende nossa inteligência. Parte disso se deve à acertada escolha de pôr o roteirista da série “Máquina Mortífera”, Shane Black, para comandar o filme no lugar de Jon Favreau. Black demonstra compreender o universo Marvel ao entregar ótimos diálogos e um humor inspiradíssimo, atrelados a sequências de ação que passam longe de decepcionar, como Stark trocando de armadura o tempo inteiro em pleno caos da batalha. Valoriza, dessa forma, os personagens e seus conflitos sem deixar de lado o aspecto visual, rítmico e excitante, indispensável a um filme do Homem de Ferro, ainda que o 3D em nada acrescente. Já Favreau, continua [se] divertindo como nunca na pele do segurança Happy Hogan, o qual também fez nas produções anteriores. Bom saber que nem tudo termina em intrigas em Hollywood. Finalmente, Gwyneth Paltrow tem uma participação mais efetiva como Pepper Potts, chegando mesmo a salvar o herói em duas ocasiões. Gosto da leitura do triângulo amoroso entre Stark, Pepper e as armaduras, reverbera bem no resultado final e inova mais do que seria caso insistissem em Rebecca Hall na condição de pivô. Guy Pearce não transforma Aldrich Killian numa figura memorável; permanece como o vilão comum e eficiente, ensaiando um T-1000 no eletrizante confronto em cima dos andaimes. Quem realmente surpreende é Ben Kingsley, graças à curiosa virada de seu personagem. E, claro, Robert Downey Jr., curtindo a melhor fase da carreira. Só mesmo ele para fazer Tony Stark mostrar-se mais humano e menos egoísta sem perder a habilidade de tirar um sarro de si mesmo. Apenas isso seria suficiente para torná-los, ator e personagem, impagáveis. O bom, para nós, é que ambos vão além. Nota: Quem já conhece o universo Marvel no cinema, sabe o que reserva o término dos créditos. Se eu fosse você, não sairia antes.
SOMOS TÃO JOVENS * * ½
[Idem, BRA, 2013]
Musical - 104 min
Bem acabado, exalta mais ainda o mito Renato Russo numa narrativa careta em relação ao cenário punk de Brasília durante a ditadura militar. Ao escolher como recorte os primeiros passos musicais do cultuado líder da Legião Urbana, a produção acerta no retrato da juventude tanto dos personagens quanto da capital federal, ambos entediados em si mesmos. Em contrapartida, esse retrato é raso, ingênuo e romântico demais. Cabe, sim, num filme com apelo saudosista e intenções de mercado. Se vai além, já não posso afirmar. Quando conheci o trabalho de Russo, ele não mais se encontrava entre os vivos. A AIDS e a depressão o haviam levado. O que não foi nenhum obstáculo para debruçar-me sobre sua obra com toda a empolgação juvenil de quem está descobrindo o mundo. A mesma coisa aconteceu com Raul Seixas e Cazuza. Aliás, devo ter descoberto a tríade na mesma época, somente na metade dos anos 1990. Antes eu era muito ocupado na tentativa de compreender o que era estar vivo. Trinta anos depois, ainda não sei dizer se captei direito a mensagem. Mas nos concentremos no filme, é mais construtivo. Começa quando Renato Russo [Thiago Mendonça] passa meses acamado após uma queda de bicicleta e descobrir ser portador de epifisiólise, doença óssea. Recuperado, rasga as roupas para introduzir o punk vindo da Europa aos jovens da noite brasiliense, cuja diversão é invadir festas grã-finas. Forma a banda Aborto Elétrico junto com os irmãos Fê e Flávio Lemos e o sul-africano André Pretorius. Mas os desentendimentos entre Russo e Fê Lemos levam ao fim do Aborto. Após a fase “Trovador Solitário”, na qual defende o fim do punk como moda, conhece o baterista Marcelo Bonfá. Esse encontro é o pontapé inicial da Legião Urbana, uma das bandas mais queridas do rock nacional. Honestamente, o parágrafo acima não soa como um release do surgimento da Legião? Estou me perguntando agora se não foi assim que recebi o filme dirigido pelo veterano Antônio Carlos da Fontoura com a energia de um adolescente? Numa olhada rápida, é uma produção consistente, correta, com todos os elementos em suas posições. A priori, é um musical cine-biográfico sobre a gênese de Russo e da Legião Urbana. Não ousa desfazer o mito, mas enaltecê-lo, perpetuá-lo, afinal a própria família do protagonista concebeu bênção. E esse é o problema, pois nunca vemos os personagens como pessoas reais, mas representações de si mesmas [basta ver a composição feita de Herbert Vianna, do Paralamas do Sucesso, para sentir isso], igual a um filme institucional apenas dramatizando de maneira convencional certos fatos daquela história. Roteirizado por Marcos Bernstein [“Central do Brasil”, “Faroeste Caboclo”], os diálogos foram os mais atacados pela crítica por soarem teatrais e fazerem referências a futuras letras de Renato Russo. Realmente, forçam a barra em alguns momentos. Mas Bernstein se encontra no espírito de “jovens formando uma banda” e matando o tempo com ideologias, amigos, drogas e sexo, sobretudo pelo contexto da ditadura. Infelizmente, mostra tudo com pudor, sem os excessos comuns à faixa etária. Até a bissexualidade de Russo é velada: ele pode beijar e transar com a melhor amiga Ana [Laila Zaid] numa boa, mas aos homens lhe é permitido apenas o desejo não correspondido e um abraço fraternal. Não parece o filme destoar do contexto libertário das relações pelo qual passa o atual Brasil? Elogiadíssimo pela mimetização alcançada do verdadeiro Renato Russo, incluindo o timbre da voz [sim, ele canta mesmo, não é playback], Thiago Mendonça anda o filme inteiro na corda bamba e não cai, apesar de aqui e ali dar aquela balançada para permanecer com o espectador atento nele. Demora um pouco até nos acostumarmos com a empolgação colocada nos trejeitos de Russo. Não haveria um mínimo exagero ali? Eu não saberia dizer. Sei que compreendi a energia a irradiar nas pessoas à sua volta. Contudo, eu fiquei indeciso entre o líder carismático e o chato convencido. Não sei se conseguiria conviver com Renato Russo por mais de duas horas. Pelo menos, não o do filme. Pelo que pesquisei, a gênese desse filme vem de 1999, com o produtor Luiz Fernando Borges conseguindo autorização da família de Russo para um documentário, que virou ficção com a entrada do diretor Antônio Carlos da Fontoura no projeto. Nada contra a opção, mas me parece, nesse caso, que a realidade saiu na frente, com o filme de Vladimir Carvalho, “Rock Brasília”. O depoimento das reais testemunhas é mais vívido do que a encenação dramática proposta pela ficção. A verdade é que quem assistiu ao documentário não encontrará muitas surpresas aqui, graças à agenda de agradar os fãs com a história que conhecem de cor. Se era para ser assim, seria preferível assumir-se como um episódio de luxo do programa da Rede Globo “Por Toda a Minha Vida”. Nota 1: Um dos pontos altos do filme, a trilha sonora é assinada por Carlos Trilha, produtor musical dos dois álbuns solo de Renato Russo.Nota 2: A montagem de Dirceu Lustosa poderia ter explorado mais os planos em Super-8 feitos por um Fontoura saudosista. Também deveria ter tido mais cuidado no final, no corte para o verdadeiro Renato Russo e desse para os créditos finais.Nota 3: Já corre boato sobre uma possível sequência, focada agora na Legião Urbana. Ainda não sei como devo reagir a isso.

VELOZES & FURIOSOS 6 * * *
[Fast & Furious 6, EUA, 2013]
Ação - 130 min
A fórmula, já testada, envelhecida até, serve apenas como desculpa para divertir-nos com prodigiosas sequências de ação. E a meu ver, é perda de tempo espernear contra as “falhas” da produção, uma vez a mesma sendo uma falha como um todo. Mas uma falha, uma deficiência criativa, assimilada pelo mercado. Por tal motivo, estou escrevendo sobre o sexto episódio da franquia iniciada pelo diretor Rob Cohen [cadê ele?] em 2001. O recorte era o submundo das rachas entre carros turbinados, também alcunhados de bólidos, como descobri. Hoje, tal recorte não passa de uma referência forçada ao início da série, com o carismático Vin Diesel, o fraquinho Paul Walker, a meia brasileira Jordana Brewster e a durona Michelle Rodriguez, o pivô da nova aventura. Após ir ganhando novos integrantes, filme após filme, e perder-se dos eixos aqui e ali, a “família” se reencontra aqui, embora separada pela trama inteira. Os pegas agora são internacionais, seus motivos não fazem muita diferença diante do bom e velho “MacGuffin” de Hitchcock. O ingresso é pago para duas horas de adrenalina, tudo desenfreado, alucinado, com eventuais desacelerações humoradas [até demais] escritas por Chris Morgan, na série desde “Velozes & Furiosos – Desafio em Tóquio”, de 2006. Não há nenhum grande mérito em seu roteiro, além do fato de conceber espaço para Justin Lin, também na direção da franquia desde 2006, explorar seu olho frenético para a ação, extrapolando os limites do crível para dar à audiência o que ela quer ver, não importa o quão exorbitante é a proeza realizada – Vin Diesel e sua equipe vão tirar de letra no “improviso” e salvar... o que quer que precise ser salvo. As desculpas para isso são risíveis, mas quem se importa? O sujeito se lançando no ar para agarrar a namorada desmemoriada é o verdadeiro hype do gênero. Se um carro providencialmente “amortecerá” o impacto dos dois, que a “suspensão da descrença” se vire para fazer nosso cérebro espalhar a emoção pelo resto do corpo. Como eu disse, nesses casos é bobagem ir contra a mentira bem contada do cinemão hollywoodiano. Só recomendo desligar o botão de exigência, soltar o cinto de segurança e permitir-se ser jogado. No mínimo, será divertidíssimo. [24.05.13 – cinema]

ALÉM DA ESCURIDÃO  STAR TREK * * * *
[Star Trek Into Darkness, EUA, 2013]
Ficção - 132 min
Sendo curto e grosso: não sou nenhum entusiasta dos reboots. Justificá-los fazendo uma referência às reencenações teatrais de clássicos para novas plateias não me parece um argumento de todo convincente. Não em relação ao cinema, que, ao contrário do teatro, tem-se a obra registrada, gravada, podendo ser revista a qualquer tempo. Ainda vejo os reboots [mais do que nunca, talvez] como um sintoma do “colapso das ideias” deste início de século. Tanto que já criou particularidades controversas, como uma nova trilogia do “Homem-Aranha” tão próxima à original. Fico imaginando como isso será processado e assimilado no futuro. Todavia, nessa profusão de personagens trocando de rosto, enredos atualizados pela tecnologia e pelo zeitgeist, com ou sem saudosismo, algo pode muito bem funcionar, em termos de cinema, e não cair exatamente no vazio. Assumir o reboot enquanto homenagem, mesmo sendo uma homenagem anabolizada para o mercado, quem sabe seja um subterfúgio interessante para aceitarmos tamanha ausência de originalidade no cinemão comercial. Outro viés, esse radical, seria subverter a fonte primária, ousar extrair algo novo do velho. No atual contexto, dois nomes respondem por essa polarização da problemática dos reboots: J. J. Abrams e Christopher Nolan. Enquanto este subverte, aquele homenageia. Abrams é, em essência, um sujeito que presta homenagens. Isso fica muito claro nos filmes dirigidos por ele, como “Super 8”, no qual reverencia, mesmo de forma singela, o cinema de Steven Spielberg. Ao assumir o reboot de “Jornada nas Estrelas”, série criada por Gene Roddenberry, mostrou ser o nome certo para reavivar o brilho nos olhos dos antigos fãs trekkers e, por que não, converter novos seguidores, órfãos da segunda trilogia “Star Wars”, ávidos por aventuras inteligentes no espaço, a última fronteira. Mesmo se dizendo não fã, entregou um filme que respeita a fonte, como se fosse um colegial querendo impressionar o professor [ou um professor desejando conquistar seus alunos]. “Star Trek”, um dos filmes mais cools de 2009, mostrou como se faz um dever de casa bem feito. Agora, o cineasta repete a lição, numa sequência tão boa quanto seu antecessor. Referências. Palavra-chave do cinema geek de J. J. Abrams. Se você não estiver em dia com os estudos, periga perder a enorme quantidade de referências que ele e o trio de roteiristas-produtores salpicam nas eletrizantes duas horas e dozes minutos de “Além da Escuridão – Star Trek”. O mais impressionante é que elas funcionam dentro da narrativa, ao invés de estarem ali apenas jogadas para testar os cinéfilos e os “academicistas da sétima arte” [vulgo: críticos]. Se toda a questão desse específico reboot está relacionada ao paradoxo espaço-temporal, ideia lançada no filme de 2009, para mim é uma das desculpas esfarrapadas mais espertas que já testemunhei para recomeçar uma franquia do zero sem, necessariamente, ignorar tudo o que foi produzido antes, desde a série para a televisão quanto os filmes para o cinema. Tanto que aceitamos o novo sr. Spock [Zachary Quinto] contracenar com o velho sr. Spock [Leonard Nimoy] sem qualquer risco de não suspender-se a descrença. Afinal, estamos no campo fértil, mas geralmente mal adubado, da ficção-científica – sci-fi, para os íntimos –, no qual tudo se torna possível. Será mesmo? Bem, depende da mentira a ser contada. Felizmente, Abrams possui um invejoso staff de mentirosos com vontade de fazer-nos, espectadores, acreditar na mentira. Sem questionar seus truques? Aí, seria pedir um pouco demais. Mas posso dizer sem medo que “Além da Escuridão” é tão eficiente em seu propósito a ponto de quase ser irrelevante, para a diversão, um ou outro movimento mais óbvio do roteiro de Roberto Orci, Alex Kurtzman e Damon Lindelof. No geral, é uma trama bem elaborada, absorvente, com sequências fantásticas de ação e, o mais importante, nunca perde o foco de seu fator elementar, a relação entre os personagens. Relação essa que é força motriz da narrativa. Se no primeiro filme era interessante observar como cada tripulante da USS Enterprise ia encontrando seu lugar na nave de maneira orgânica, aqui o fascínio é o diálogo das hierarquias, o cruzamento das funções, relacionadas à cor da camisa, e todo o protocolo formal da presença/ausência de determinado capitão, primeiro oficial, engenheiro e por aí vai. Mesmo diante de uma crise, eles perdem permissão para entrar na ponte de comando. Detalhes assim enriquecem a experiência, leva-nos para dentro da Enterprise. A narrativa consegue fazer com que cada um tenha uma função primordial para a produção e resolução dos conflitos, até mesmo quando parece ser um personagem absolutamente descartável, e no fundo não deixa de ser, não está ali à toa. É uma estrutura esquemática? Com certeza, mas Abrams como tirar proveito disso em prol da diversão. E diversão é tudo o que você vai encontrar em “Além da Escuridão – Star Trek”, com um pouco de pastiche, inevitavelmente, porém muita sensação de urgência. A trama põe os heróis para lidar com um terrorista, feito pelo ator britânico do momento, Benedict Cumberbatch. Um vilão dos mais perigosos, tipicamente pós-11 de setembro, o sujeito é daqueles que misturam um intelecto habilmente manipulador com desenvoltura sobre-humana para o combate. Khan – e os verdadeiros fãs sentirão gelar a espinha ao ouvi-lo pronunciar seu nome – é o tipo de desafio que testa de fato o quanto preparados ou não estão os heróis para atingirem o nível da saudosa tripulação original, que incluía, além de Nimoy, William Shatner, DeForest Kelley, James Doohan, George Takei, Walter Koenig e Nichelle Nichols. O lado bom é que Abrams consegue fazer com que nos importemos com a nova tripulação, Chris Pine, Karl Urban, Simon Pegg, John Cho, Anto Yelchin, Zoe Saldanha e o já citado Quinto, ao qual grande parte da ação está reservada. Khan e sua ira [não consegui evitar o trocadilho com o filme de 1982] se revelam os ingredientes ideais para J. J. Abrams conceber um filme escapista que vai além ao oferecer uma experiência rítmica de urgência quase cinestésica, bem ao gosto do cineasta e sua fotografia abundante em flares e precisos movimentos de câmera. A princípio, filmaria em 3D, mas terminou desistindo e obrigado pela Paramount a converter para o formato. Pelo menos, a conversão não chega a atrapalhar o resultado, algo que tem acontecido com frequência. Não sei se comentei no filme anterior sobre a maravilha da música de Michael Giacchino, que cria uma identidade para a nova franquia, substituindo [à altura?] o clássico tema de Jerry Goldsmith. Prova de que Abrams sabe o que está fazendo e, assim como Christopher Nolan, merece nossa confiança. Pelo menos em se tratando de reboots. Se mesmo sem ser fã, revitalizou muitíssimo bem a série “Star Trek” nos cinemas, o que podemos esperar de seu toque na nova trilogia de “Star Wars”, da qual é fã assumido? Que 2015 venha, para ele levar-nos de volta a uma galáxia muito, muito distante... [30.05.13 – pré-estreia cinema/31 de maio de 2013 – 17h30]

SE BEBER, NÃO CASE! PARTE III *
[The Hangover Part III, EUA, 2013]
Comédia - 100 min
No último [espero] filme da franquia, não há o humor politicamente incorreto, grosseiro e/ou escatológico dos anteriores, e mesmo assim é o pior de todos. Ao invés do final épico prometido [leia-se: ir ainda mais longe do que a “Parte II”], o cineasta Todd Phillips e seu Bando de Lobos formado por Bradley Cooper, Ed Helms e Zach Galifianakis [Justin Bartha conta?] entregam uma comédia boba, sem inspiração, focada mais no plot, em detrimento das gags. O primeiro filme, de 2009, usou uma sacada inteligente para desfiar um humor negro bem dosado nas convenções sociais, enquanto o segundo, dois anos depois, extrapolou sem cerimônias todos os limites do bom senso, quando a grande piada era justamente repetir com a maior cara de pau a estrutura narrativa original. O que poderíamos esperar da “Parte III”? Qualquer coisa, mesma essa ridícula decepção. Fico imaginando se isso não foi confabulado entre a equipe para nenhum produtor ou estúdio obrigá-los a reprisar as mesmas funções em cima das mesmas piadas por um século inteiro. Se assim foi, parabéns a Todd Phillips, um sujeito talentoso no gênero, pela mediocridade deslavada. A trama? Uma bobagem, já comentei. Senti-me entediado do início ao fim. Os amigos estão levando Alan, completamente surtado, para uma instituição, quando são abordados no meio da estrada por um traficante [John Goodman], que sequestra Doug [claro] e dá a Phil, Stu e Alan três dias para encontrar Chow [Ken Jeong] e umas barras de ouro roubadas. O resto são desculpas para esticar a história, alguns elaboradas, outras bem estúpidas, mas todas sem um pingo de graça. Com a exceção da cena “romântica” entre Galifianakis e Melissa McCarthy envolvendo um pirulito, o humor aqui não brilha, seja para o bem ou para o mal, não provoca nada, não constrange ninguém. Tudo soa quase como um pedido de desculpas pelo primeiro ser tão bom e o segundo tão nosense. Todas as pontas [e tinham pontas?] são amarradas, numa narrativa em que todos estão sóbrios e chatos. O “hangover” do título original só dá as caras nos créditos finais, apenas para manter-se o nome. Caso o contrário, poderia muito bem ser uma comédia qualquer que, acredito, ninguém daria a mínima. [31.05.13 – cinema]

FAROESTE CABOCLO * * ½
[Idem, BRA, 2013]
Drama – 105 min
Pode até ser uma eficiente adaptação da famosa música de Renato Russo, mas enquanto narrativa cinematográfica não chega a provocar maior impacto. O problema é que o estreante na direção de longas, René Sampaio, está o tempo inteiro a dois passos de alcançar uma perspectiva melhor das cenas extraídas do roteiro esquemático de Victor Atherino e Marcos Bernstein. No primeiro ponto, senti ter faltado ao diretor a bagagem de referências, sobretudo ao western spaghetti [fonte primária da saga do protagonista], para ir além da história a qual está contando. Claro, não posso exigir um Tarantino tupiniquim [ou posso?], porém Sampaio parece contentar-se apenas em seguir o roteiro, ao invés de potencializá-lo – e percebi brechas para isso. Em relação ao roteiro, é estruturalmente careta, apesar de logo de cara mostrar João do Santo Cristo como autêntico anti-herói. As elipses dos primeiros dez minutos são batidíssimas, assim como os flashbacks usados ao longo da narrativa. Tudo bem posicionado, claro, só que sem qualquer arroubo criativo. O roteiro é fiel à música até onde consegue ser, não me incomodaram as alterações, mas sim o tom monocórdio mantido do início ao fim, sem nunca sair da superfície. Os personagens não fogem à caricatura, herança da música, suponho. Dessa forma, o romance entre João [Fabrício Boliveira] e Maria Lúcia [Ísis Valverde] nunca extrapola o campo da representação, por mais esforçadas que sejam as atuações. Antônio Calloni como o policial corrupto e Felipe Abib como o playboy traficante Jeremias me pareceram os mais estereotipados, o clichêzão mesmo de cara lavada. O duelo final na Ceilândia fica muito aquém de um pastiche de faroeste [que fosse]. Melhor na música do que no filme. Todavia, não posso dizer tratar-se de uma experiência ruim; não há atropelos técnicos e a produção acerta em situar a trama na Brasília do final da década de 1970 para começo de 1980, dando destaque à boa trilha sonora de Philippe Seabra [Plebe Rude]. Infelizmente, esquece-se de contextualizar a época da ditadura militar, restando aos personagens apenas seguirem a via crúcis cantada por Russo [de maneira acertada] nos créditos finais, completamente alienados do mundo no qual habitam. De quebra, tem-se a última atuação do também diretor Marcos Paulo, falecido em novembro de 2012. [07.06.13 – cinema]
DEPOIS DA TERRA * *
[After Earth, EUA, 2013]
Ficção - 100 min
M. Night Shyamalan entrega uma ficção-científica boba e formulaica sobre enfrentar o medo, tema reciclado de outro filme seu, “A Vila”. Na verdade, há um diálogo inverso entre os dois filmes: enquanto a produção de 2004 gira em torno da construção do medo, ao menos num nível social, nessa nova empreitada do cineasta indiano o medo é visto como uma escolha a não ser tomada. Mas é difícil definir o pai da criatura quando o argumento é do ator Will Smith e o roteiro é de Gary Whitta, “revisado” por Shyamalan. Apropriação de material alheio credencia alguém como autor, ainda mais quando o suposto autor não passa de um funcionário contratado? O fato é que Shyamalan pela primeira vez não faz um filme a partir de uma ideia original sua, e mesmo assim não sai da má fase [estou sendo eufêmico ou irônico?] iniciada com “A Dama na Água”, de 2006. O prodígio por trás de “O Sexto Sentido” perdeu mesmo seu toque de gênio anunciado. E isso é fato. Smith concebeu a premissa como veículo para a escalada do filho Jaden em Hollywood. Os dois já foram pai e filho no drama “À Procura da Felicidade”. Dessa vez, Will é secundário e Jaden precisa percorrer quilômetros num inóspito planeta Terra para salvar ambos. Parece que Smith pai dirigiu pessoalmente a atuação de Smith filho, outra prova da mão fraca de Shyamalan como operário-padrão. Sim, o filme tem certo ritmo e tensão, embora em cima de situações irrelevantes e nunca fuja do esquemático [o evento traumático que distancia pai e filho] para forçar o espectador a alguma dose de emoção sentimental. Os planos de câmera de Shyamalan têm potencial cinemático, como demonstrado em outros trabalhos, incluindo os piores de sua filmografia descendente. Fora isso, não há nada de novo ou de diferente aqui, decepcionando até como produção em grande escala. Pode até haver o grande, mas numa escala em miniatura. [16.06.13 - cinema]

GUERRA MUNDIAL Z * * ½
[World War Z, EUA/MLT, 2013]
Suspense - 116 min
Não deixa de ser impressionante a constante tensão da narrativa de Marc Forster, embora o epílogo seja tão anticlimático. Baseado no livro de Max Brooks, filho do cineasta Mel Brooks com a atriz Anne Bancroft, a produção teve escala épica, e isso se reflete tanto na tela quanto nas inúmeras dificuldades que o ator-produtor Brad Pitt encontrou durante o processo. O roteiro não perde tempo ao lançar-nos quase de imediato no caos da pandemia zumbi, nem ao menos se preocupa em explicar coisa alguma sobre ela ou os 12 segundos que levam à transformação. Vale-se, quem sabe, da nossa vasta, e saturada, experiência com os mortos-vivos desde 1968, com o clássico de George Romero. Só que os zumbis pós-modernos não mais representam uma crítica social ao individualismo e ao consumismo estadunidenses. Eles estão mais para a ideia de Shyamalan no péssimo “Fim dos Tempos”, a natureza se rebelando contra a humanidade – ou algo parecido. Cabe a Pitt ser o herói dessa guerra mundial, embora o filme não aproveite mais o mundial do título. Ele é um ex-funcionário da ONU obrigado a abandonar a família para acompanhar um cientista em busca de respostas. Isso nos leva a uma sequência fantástica em Israel, na qual os zumbis escalam um muro gigantesco. Em seguida, outra ótima cena dentro de um avião, mostrando a força do eclético Forster [“A Última Ceia”, “Quantum of Solace”] em manter o expectador tenso na poltrona, mesmo sem um enredo forte ou que acrescente algo ao subgênero. Então, entra a parte delicada, digamos assim, da estrutura de um roteiro que não estava pronto durante as filmagens. Sim, toda a sequência no laboratório é genuinamente aterrorizante, assumindo-se como um terror baseado no medo [não há muita coisa explícita ou gráfica no filme, é quase tudo sugerido]. O grande problema é que após tanta tensão num desenvolvimento cheio de falhas, não somos brindados com um desfecho à altura. Pelo contrário, o término da narrativa soa fraco e apressado, tira-nos a catarse essencial a um filme-catástrofe, como se jogasse a melhor parte para a suposta continuação. Nesse momento, eu lembro que é apenas Hollywood administrando à sua maneira o nosso suado dinheiro.

TRUQUE DE MESTRE * * *
[Now You See Me, FRA/EUA, 2013]
Suspense - 115 min
Inegavelmente divertido e absorvente, parece até um truque de mágica a suposta trama engenhosa não surpreender ao final. Não posso dizer que o roteiro, escrito a seis mãos, não arme tudo direitinho. Dentro da lógica da narrativa, obviamente tudo se encaixa, os vieses se entrecruzam para nos impressionar. Mas vamos por partes. O filme traz quatro ilusionistas, feitos por Jesse Eisenberg, Woody Harrelson, Isla Fisher e Dave Franco, desafiando a polícia [Mark Ruffalo e Mélanie Laurent] com números nos quais, em frente à plateia, protagonizam roubos de bancos e de contas, dividindo o dinheiro entre os presentes. Ponto. Essa é a história. Será mesmo? Para quem entende os clichês e as artimanhas narrativas de heist movies, sabe que, em filmes assim, nada é o que parece. Se o macaco tivesse o intelecto humano, ele iria preferir a banana ou uma caixa fechada? Pode soar como uma brincadeira, mas isso explica porque nos envolvemos com plots rasos com a roldana girando veloz. É o francês Louis Leterrier [“O Incrível Hulk”] tentando lembrar-se de quando dirigiu “Carga Explosiva 2”, apenas diversão sem pretensão. A câmera ágil, a narrativa leve, o humor sempre em pauta. Pena o roteiro não seguir os caminhos traçados pelo diretor [até parece paradoxal, não?], sobretudo quando enche o último ato de todo tipo de reviravolta. A pretensão de surpreender cai logo por terra pelo fato de não ter-se trabalhado as pistas corretamente ao longo da produção. São reviravoltas interessantes, sim, mas sem impacto maior, uma vez a narrativa, com medo de ser óbvia demais, não arriscar compartilhar antes nenhum detalhe com o espectador. Então, cabe a Morgan Freeman refazer por nós a verdadeira história. O que nos resta? Apenas engolirmos tudo já mastigado. O elenco caro ainda conta com Michael Caine naquele típico papel de coadjuvante de luxo suspeito desde o início – e não deixa de ser curioso vez por outra nos lembrarmos de “O Grande Truque”, dirigido por Christopher Nolan, também com Caine. Será que por isso traduziram “Now You See Me” como “Truque de Mestre”? Seja como for, Leterrier fez um filme ágil, dinâmico [usou dois fotógrafos, um para as cenas de mágica e outro para as sequências de ação], tão rápido em sua estrutura quanto um truque de ilusionismo que não engana ninguém se visto em câmera lenta.

O HOMEM DE AÇO * * *
[Man of Steel, EUA/GB, 2013]
Aventura - 143 min
Enquanto narrativa simbólica, o mito é fonte abundante para a arte de se contar histórias desde sempre. Os heróis se envolvem de aspectos mitológicos para fazer com que aceitemos o inaceitável. Nesse aspecto, poucos personagens são tão míticos, em sua essência, quanto Superman. Nascido nos quadrinhos em 1938, ele é o Cristo alienígena americanizado. Um homem de aço, tanto física quanto moralmente, concebido exclusivamente para ser um símbolo de esperança perante a fragilidade humana em lidar com ameaças, seja as da própria convivência ou as de fora do planeta. Característica essa tão antiga quanto o protagonista do reboot assinado por Zack Snyder [direção] e Christopher Nolan [produção]. Dessa forma, o que “O Homem de Aço” poderia trazer de novidade, sendo o próprio filme fruto legítimo do “colapso das ideias”? Um upload no visual, certamente é o mínimo a esperar-se numa produção de 225 milhões de dólares. Recheio caprichado para enganar os famintos pela falta de nutrientes já é tática de guerra no cinema contemporâneo. Se o maior artifício tecnológico do “Superman” de 1978 era nos fazer acreditar que o homem podia voar, quase quarenta anos depois isso não nos contenta mais. É preciso romper a barreira do som e levantar-se do chão com certo estardalhaço. O voo do novo Superman é um voo pós-“Matrix”, assim como a kryptonita é um conceito démodé para representar as falhas do herói. Não, senhor, nada de kryptonita aqui. Agora, o grande problema de Clark Kent/Kal-El é não saber habitar um mundo que não está preparado para ele. Literalmente obrigado a “viver no armário” até os 33 anos [idade da crucificação de Jesus Cristo, lógico], o sujeito é bombardeado por dilemas morais sem dó nem piedade, recebendo sermões conscientes do pai adotivo toda vez que é impelido a fazer o bem. Metáfora clara da configuração do nosso mundo no século XXI. Somente quando o General Zod vem ao seu encalço, é que Superman poderá encontrar seu lugar ao sol, não sem antes enfrentar a incompreensão dos humanos aos quais quer ajudar e tomar partido em relação a esses e à sua própria espécie. Conformada a premissa do reboot, por que “O Homem de Aço” polarizou as opiniões, a ponto de passar longe do consenso de ser um filmaço? Não é pelo fato de ser uma releitura, isso eu posso garantir. Já discuti o fato de hoje tudo ser remake do remake – e reciclagem é uma das bases da consciência ecológica em voga. O filme possui obviedades estruturais, falhas de roteiro e redundâncias estéticas. No primeiro ponto, temos a infância de Clark em flashbacks pontuais, e se esse recurso já foi um primor narrativo hoje não passa de uma decisão fácil de roteiristas com preguiça mental. Em seguida, as falhas de roteiro, como os cortes elípticos quase jogados de tão convenientes [como Clark vai parar no Ártico justo no momento de encontrar a nova Fortaleza da Solidão?] e movimentos frouxos apenas para facilitar o desenlace do conflito [por que Zod faz questão de levar Lois Lane para sua nave se nem a conhece? Ela embarca apenas para descobrir como derrotá-lo]. Quanto às redundâncias estéticas, quem acompanha Zack Snyder sabe que ele gosta de repetir seus exageros, no caso aqui zoom in e zoom out em toda sequência de ação e fast motion nos golpes de luta. Fora isso, não faz nada pelo qual possamos chamá-lo de visionário. Em relação ao elenco, basta dizer que quem mais convence e nos toca é Kevin Costner em suas poucas cenas na pele de Jonathan Kent, o pai/mentor do protagonista. Soa de forma surpreendente, eu sei, mas o resto parece apenas cumprir suas funções dentro da jornada do herói. Henry Cavill, o primeiro britânico a vestir o uniforme [ao menos agora Superman usa a cueca no lugar certo], é neutro e inexpressivo, mas serve aos propósitos da trama rasa, calcada na ação física. Já o General Zod do geralmente ótimo Michael Shannon tem a teatralidade da interpretação acentuada, como um cachorro que late sem morder. Amy Adams personifica Lois Lane como o clichê da intrépida jornalista, não mais do que isso, e seu romance com Superman é bem fraquinho para provocar algum suspiro. Ah, quase me esqueço de Russell Crowe no papel que já foi de Marlon Brando, o do pai biológico Jor-El, com o peso certo no começo do filme, depois transformado em outro mero recurso do roteiro. Todavia, o mais chocante dessa nova versão é a falta de humor da narrativa. Assinado por David S. Goyer, o roteiro parece obrigar-se a manter o tom sério durante as quase duas horas e meia de projeção. Praticamente, não há espaço para piadas, gags ou mesmo alívios cômicos. Seria Nolan tentando alastrar o universo sombrio de Batman ao de Superman? Além do tom, a própria fotografia sugere isso, essa pretensão de trazer a fantasia para o mundo real, como se fosse isso o principal leitmotiv da produção. Até mesmo o nome Superman é usado numa única cena, próxima aos incríveis quarenta minutos finais, quando o duelo mano a mano entre o herói e seu antagonista é devastador o suficiente para que esqueçamos todas as eventuais falhas anteriores. Trata-se de destruição em larga escala, boa de fazer inveja a qualquer disaster movie pós-anos 90. Imagine uma versão anabolizada e menos escura do confronto final entre Neo e Smith em “Matrix Revolutions”. Difícil segurar-se na poltrona do cinema. Uma pena os anabolizantes nunca atingirem a meta sem terríveis efeitos colaterais.

WOLVERINE – IMORTAL * * *
[The Wolverine, EUA, 2013]
Ficção - 126 min
Felizmente, ignora o fraco primeiro filme-solo de 2009, sendo uma sequência direta da série "X-Men", só que sem o mesmo brilho. Confesso que não tinha grandes expectativas em relação a essa segunda incursão do mutante Wolverine, interpretado já seis vezes pelo australiano Hugh Jackman, como protagonista. Em parte por ser da ala que prefere o personagem como coadjuvante ladrão de cena da equipe formada pelo professor Xavier. Noutra, pelo trailer sem graça ao qual assistia há quase um ano, ora em versão legendada, ora dublada, ora nas duas ao mesmo tempo [acredite, essas coisas acontecem nos “nossos cinemas”]. Para a alegria dos fãs de Wolverine, contudo, o filme comandado pelo versátil James Mangold, que já havia trabalhado com Jackman em “Kate & Leopold”, passa longe do desastre [por mim] esperado. Passando-se após os eventos mostrados em “X-Men: O Confronto Final”, o enredo mostra Logan abandonando o nome de guerra e vivendo agora como um pária de si mesmo, em cavernas, ocasionalmente assombrado pelo fantasma de Jean Grey. Um convite para ir a Tóquio visitar um velho moribundo que deseja agradecer por ter-lhe salvado a vida na Segunda Guerra Mundial colocará Logan entre a Yakuza, máfia japonesa, e a mutante Víbora. Detalhe: sem seu fator de cura funcionando direito. O roteiro, livremente inspirado na minissérie de 1982 de Frank Miller e Chris Claremont, tem influência de diversos filmes noir, mas nunca se mostra digno do gênero. Até subestima a atenção do espectador, como ao repetir duas vezes o que significa ser um ronin. Aproveitando a deixa, apesar de alguns cartazes trazê-lo com a espada samurai, Wolverine só a usa uma única vez, no duelo final contra o gigante Samurai de Prata, que merecia mais destaque, a meu ver, e, sobretudo, uma maior dificuldade para ser derrotado. As sequências de ação não chegam a ser memoráveis, assim como as aparições de Jean Grey e seu decote terminam soando como um recurso de distração à trama, essa já sem grandes qualidades narrativas. Sim, visto em sua totalidade, passa longe de ser ruim, assim como longe de ser um filmaço. Apenas esquenta a lenha para “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”, principalmente pela cena durante os créditos finais. E nunca é um bom sinal o filme melhorar somente depois que ele termina.

RED 2 – APOSENTADOS E AINDA MAIS PERIGOSOS * * ½
[Red 2, EUA/FRA/CAN, 2013]
Ação - 116 min
Assim como o primeiro filme, acerta por ser uma comédia de ação que não se leva a sério, apesar do roteiro bobo e esquemático. Basicamente, possui a mesma premissa da produção anterior, baseada na graphic novel de Warren Ellis e Cully Hammer, aqui requentada pela mesma dupla de roteiristas, Jon e Erich Hoeber. Ou seja, os “retired, extremely dangerous” da sigla do título são mais uma vez caçados, agora por causa do seu envolvimento com o projeto uma bomba nuclear durante a Guerra Fria. Dirigido por Dean Parisot, que não fazia nada voltado ao cinema desde “As Loucuras de Dick e Jane” [com Jim Carrey, em 2005], até consegue manobrar bem entre as sequências de ação e o pastiche, sendo aquele tipo de filme no qual o humor é o leitmotiv. Porém, algumas coisas soam forçadas – algo difícil de se evitar nessa abordagem –, e existem mais alívios cômicos do que ameaças propriamente ditas. É só se arriscar a contar quantas caretas John Malkovich faz durante toda a projeção ou como Mary-Louise Parker está exageradamente tonta. Enfim, são estereótipos de si mesmos usados com intenções humorísticas, e não compreender tal recurso é impedir de se deixar pelo filme e suas qualidades de entretenimento. Já que mencionei dois do elenco, sim, todos estão de volta, como Helen Mirren, que brinca com o fato de ter interpretado a rainha da Inglaterra em outros filmes, e Bruce Willis... bem, no piloto automático  Bruce Willis que aprendemos a gostar. O queridíssimo Ernest Borgnine reprisaria sua participação, porém sua morte em julho de 2012, poucos meses antes das filmagens, impediu-o de realizar seu pedido aos produtores de usar uma arma dessa vez. E olha que haja bala voando para todos os lados. Fosse em 3D, nem nós escaparíamos de levar um tiro. De certo que baleado mesmo é o roteiro, o qual se agrada no tom peca pela trama fraca na velha estrutura de um ponto leva a outro. Nem a presença de Anthony Hopkins, divertindo-se na pele de um cientista surtado, levanta muito a moral desse pastelão pós-moderno sem outra intenção a não ser divertir quem não é exigente demais para relaxar por duas horas.

CÍRCULO DE FOGO * * *
[Pacific Rim, EUA, 2013]
Ficção - 131 min
Guillermo del Toro homenageia o gênero japonês "kaiju eiga" e impressiona mais pela escala épica do que pelo desenvolvimento da história em si. Eu não sei até que ponto seu longo envolvimento com “O Hobbit”, do qual pulou fora antes da MGM resolver seus problemas financeiros, teve influência na questão do roteiro. O que posso dizer é que o talentoso cineasta viu no argumento de Travis Beacham a op0rtunidade de matar a vontade de dirigir, algo que não fazia desde 2008, quando lançou “Hellboy II: O Exército Dourado”. Se o tratamento feito em cima do roteiro de Beachman não pode ser considerado seu trabalho mais cuidadoso, ao menos permite que exercite uma visão ambiciosa à catástrofe pedida pela produção. E põe catástrofe nisso! O quebra pau entre os robôs gigantes Jeagers e os monstros marinhos Kaiju deve ter deixado Roland Emmerich com vergonha de seus filmes. Imaginativo e detalhista ao extremo, del Toro nunca perde a chance de mostrar com qual escala está lidando, seja na brincadeira de desenterrar um boneco na praia segundos antes de um Jeager desabar ali ou na pancadaria que destrói boa parte de uma cidade – algo potencializado tanto pelo desenho de som quanto pelo frame rate. Em outras palavras, os gigantes nunca perdem seu peso, mesmo no fundo do oceano. Visualmente impressionante, o filme, com péssima tradução brasileira do título original [até a de Portugal, “Batalha do Pacífico”, é menos sem graça], eleva os “disaster movies” a um novo patamar, com uma decupagem precisa e efeitos visuais de tremer a poltrona do cinema. Não, ainda não estamos falando em 4D, apesar de o 3D aqui ser o convertido na pós-produção. Curiosamente, del Toro afirma gostar mais da versão em 3D, o que me leva a pedi-lo para filmar em 3D da próxima vez, ao invés de apenas retocar a maquiagem. À parte o brilhantismo técnico, a produção deixa a desejar na questão de fazer nos importar com seus personagens humanos, apelando para esquemas emocionais batidíssimos nas relações entre eles, além de um texto que se vangloria de ter um diálogo com a frase “Hoje cancelaremos o apocalipse”. Por outro lado, traz boas referências e nunca perde o senso de humor. Além disso, é interessante ser uma dupla interconectada por pontes neurais para, em sintonia, controlar o robô e não colocar apenas os Estados Unidos como heróis, embora o foco maior seja em personagens estadunidenses. De maneira corajosa, não traz nenhuma celebridade em seu elenco e nem promove romances forçados à la Hollywood. Até arrisca ser um filmaço, mas creio que certos detalhes ficaram esquecidos no fundo do Pacífico.

O ATAQUE * *
[White House Down, EUA, 2013]
Ação - 131 min
O cineasta Roland Emmerich se joga na ação escapista de um roteiro bem formulaico e pautado pelos clichês mais USA possíveis. Ah, sei... E onde está o valor-notícia? No insólito fato de tratar-se de um dos roteiros mais bem pagos da história do cinemão hollywoodiano. Você não leu errado e eu não estou ficando louco [pelo menos, não nesse sentido]. Escrito por James Vanderbilt [“Zodíaco”], o encontro redundante de “Duro de Matar” com “Força Aérea Um” foi vendido para a Sony por uma bagatela de 3 milhões de dólares. E a narrativa vale tudo isso? Leia novamente a primeira frase desta resenha que você terá a resposta. Pela segunda vez no ano, a Casa Branca é invadida. Em “Invasão à Casa Branca” foi pela Coreia do Norte, inimigo do momento [agora é a Síria?], enquanto aqui o Olimpo do tio Sam é tomado pelos próprios militares – e não vale nem a pena refletir sobre os motivos: são apenas desculpas rasas da cartilha dos vilões para Vanderbilt trocar de mansão. Channing Tatum é o John McClane no lugar certo na hora certa, ou o contrário, e Jamie Fox é o presidente que todo estadunidense gostaria de ter, sem falhas de caráter e ainda por cima herói. Ou seja, não espere qualquer sensação de frescor em pleno “colapso das ideias”. No máximo, o que salva a produção é a impetuosa personagem da filha do protagonista, feita por Joey King, e a nostalgia do cinema-catástrofe dos anos 1990. Ir ao cinema virou um passeio no museu da repaginação, pelo visto. Emmerich não se esforça muito em reciclar a própria bagagem, estendendo muito a ação em alguns momentos, ignorando as obviedades da premissa e até mesmo se autorreferenciando [ele já havia destruído a Casa Branca em “Independence Day”]. Voltando ao roteiro – porra, foram 3 milhões! –, Vanderbilt se apoia na justificativa de um tratamento realista à situação-conflito. Certo que só mesmo alguém de dentro poderia ter êxito na tomada da Casa Branca e que não se esperaria muito para o vice-presidente ser oficialmente promovido ou a patente imediata após ele. Mas nada que no final não se conserte sem a burocracia anterior. Além do mais, para que tanta insistência em alívios cômicos entre as sequências de ação? Piada demais perde a graça. O humor empregado por Vanderbilt parece saído direto de um sitcom; só faltaram as risadas da falsa plateia. Patriotismo? Está em cada frame, não adianta nem querer torcer o nariz. É um filme de ação divertidíssimo para quem vai ao cinema fuçar os peitos da namorada, ou outra coisa parecida, só que não precisavam pagar tanto para alguém escrever tão pouco.

INVOCAÇÃO DO MAL * * * ½
[The Conjuring, EUA, 2013]
Terror - 112 min
Com atmosfera do terror dos anos 1970, o diretor James Wan constrói muito bem o clima e aplica sustos genuínos. Para quem não sabe, Wan comandou o primeiro, e único digno de nota, “Jogos Mortais”, em 2004. Em seguida, especializou-se no gênero terror e agora está rodando o sétimo filme da franquia “Velozes & Furiosos”. O cineasta foi corajoso ao assumir o filão da casa mal assombrada [e existe casa bem assombrada?] à moda antiga após o upgrade narrativo da série “Atividade Paranormal”. Ainda há espaço para um tema tão batido, reinventado, desgastado como o sobrenatural? Pelo visto, sim, e aqui temos um filme para provar isso. Baseado na real história da fazenda Harrisville e no tormento experimentado pela família Perron na década de 70, o gênero requentado assume um gosto comestível nas mãos de James Wan. Escrito pelos gêmeos Chad e Carey Hayes, o roteiro começa com o famoso caso da boneca Annabelle para introduzir o casal Ed e Lorraine Warren, os mais consagrados caçadores de fantasmas/demônios dos Estados Unidos. Tomados pela vontade de ajudar a pobre família, os Warren se envolvem no que afirmam ter sido o caso mais intenso e perigoso de suas carreiras. Será mesmo? A produção ganha ponto ao se apegar o máximo que pode numa narrativa realista, mostrando que nem toda assombração é uma de fato – nossos sentidos pregam peças o tempo todo. O clima se inicia apenas sugestivo, como a recusa do cachorro a adentrar a casa, e evolui organicamente até as pessoas serem arremessadas por algo invisível. Nesse ínterim, desenvolvem-se as situações que nos guiarão a sustos bem construídos, como as palmas na brincadeira do esconde-esconde das filhas Perron, e as fortalezas e fragilidades de cada personagem, o abalo de Lorraine por conta da experiência anterior e o fato das crianças não serem batizadas. Chamou minha atenção a inteligente escolha do elenco adulto: Patrick Wilson interpreta Ed resguardado pelo papel do fanático religioso em “A Tentação” [pode ser um link inconsciente, mas está lá], enquanto Lili Taylor, que faz Carolyn Perron, é quase especialista em mulheres fragilizadas. Vera Farmiga está fazendo agora a mãe de Norman Bates na série de TV “Bates Motel” e o que sua Lorraine Warren vê aqui poderia muito bem ecoar lá. De um modo geral, o que temos aqui é um filme de gênero muitíssimo eficiente e bem conduzido, amparado pelo “inspirado em eventos reais”. A verdadeira Lorraine serviu como consultora, com a ajuda de Carolyn, para deixar tudo o mais próximo possível daquela traumática década. O “happy end”, no entanto, não condiz com o verdadeiro desfecho. Para Hollywood, os traumas – naturais ou sobrenaturais – não podem perdurar.

ELYSIUM * * *
[Idem, EUA, 2013]
Ficção - 109 min
Estranhamente, o resultado geral não se equipara às boas ideias do sul-africano Neil Blomkamp para sua sci fi com crítica social. Numa checada pela superfície, até engana como um filme empolgante, cheio de ação e com uma pegada narrativa já com cara de assinatura. Se você assistiu a “Distrito 9”, début do cineasta e grande surpresa de 2009, de imediato reconhecerá o universo segregado dos personagens de Blomkamp, ele próprio filho do apartheid. Aqui, a Terra de 2154 não passa de um lixão terceiro-mundista povoado pela escória indigente que trabalha para manter a vida boa dos ricos na estação especial do título. Ecos da “Metrópolis” de Fritz Lang?  Matt Damon é o protagonista, espécie de ex-delinquente que sonha com uma passagem para o paraíso. O sonho se transforma em urgente necessidade quando ele sofre um acidente radioativo e lhe restam apenas cinco dias de vida. O detalhe é que em Elysium toda casa possui uma máquina capaz de curar qualquer doença em questão de segundos [não me pergunte como é possível]. Quem irá ajudá-lo é Wagner Moura, estreando muito bem em outra língua como um chefão do submundo, numa caracterização bem diferente da qual estamos acostumados. Ainda temos Alice Braga humanizando a trama e Jodie Foster como a vilã esquemática. Se Blomkamp sabe distinguir esteticamente o visual empoeirado da Terra com o clean de Elysium, quase sem contraste e muito brilho, deixa a desejar com os personagens rasos, apenas posicionados de maneira correta para servir ao roteiro, que prefere a ação ao invés de explorar as questões lançadas. Nunca chegamos a compreender melhor a vida em Elysium, se é uma colônia de férias ou se as pessoas trabalham. Assim como as motivações dos personagens são básicas, cada um quer uma coisa e pronto. Não bastasse isso, há furos na lógica da trama e até mesmo falhas de roteiro. Como é possível reconstruir a cabeça destroçada de alguém e nada poder-se fazer quanto a um ferimento no pescoço? As soluções narrativas encontradas por Neil Blomkamp não fazem jus ao prometido. Ele apela ao fácil, ao absorvente, para ganhar o público desacostumado com as reflexões seminais de obras-primas do gênero como “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Lança sua crítica de um mundo desigual, mas espera que nos contentemos com uma fotografia tirada de longe. No fim das contas, está mais para um ensaio sociológico de um aluno promissor do primeiro período da graduação do que de alguém com plenas condições de já estar no mestrado.

R.I.P.D. – AGENTES DO ALÉM * ½
[R.I.P.D., EUA, 2013]
Comédia - 96 min
Grandíssima bobagem, essa comédia de ação sem muita graça que mais parece uma versão bem genérica de “MIB – Homens de Preto". Confesso que nem queria me debruçar sobre essa cara [custou mais de 100 milhões de dólares] adaptação dos quadrinhos de Peter M. Lenkov para a editora Dark House Comic, mas são os ossos ensebados do ofício. O vesgo Ryan Reynolds interpreta um policial de Boston que aos cinco minutos do primeiro tempo é traído e morto pelo parceiro feito por Kevin Bacon. Em mais cinco, ele já está trabalhando para o R.I.P.D. [Rest in Peace Departament] com um novo parceiro, papel de Jeff Bridges, e a missão de investigar e prender os “desmortos”, que seriam mortos se passando por vivos [!]. Eles se revelam com um questionário envolvendo carros e também com comida tailandesa [!!]. Para nossa surpresa [ironia, certo?], a trama leva ao personagem de Bacon, que está tentando montar um enorme cedro de ouro capaz de trazer de volta à Terra todas as assombrações vistas em “Os Caça-Fantasmas” [sério]. Bridges, oscarizado em 2010 por “Coração Louco”, faz um ex-xerife do Velho Oeste de fala embolada cujo avatar [como é visto pelos vivos] é uma loira que provoca slow motion sempre ao som Marvin Gaye, “Let’s Get On”. Já o de Reynolds é um velhinho chinês, ator de filmes como “Os Aventureiros do Bairro Proibido” e “Vice-Versa”. Acredite, é a melhor gag da produção, o que não quer dizer que não perca a graça logo após se repetir três vezes. O diretor é o alemão Robert Schwentke, que depois da estreia em inglês com o suspense “Plano de Voo”, em 2005, só realizou um trabalho acima da média, o pessimamente traduzido “Te Amarei para Sempre” [2009]. Schwentke já tinha se lançado às adaptações de HQ com o primeiro “Red – Aposentados e Perigosos” – coincidentemente o título original também é uma sigla para Retired, Extremely Dangerous. Pelo visto, esse não é um casamento feliz. Aqui, ele se entrega à indulgência total, insistindo em irritantes zoom ins e outs em cada sequência de ação, abusando de uma computação gráfica primária que nem o 3D de enfeite ajuda. Ainda passa por cima de um roteiro cheio de furos e com uma estrutura tão boba que esquece a gravidade da própria premissa. Com tantos policiais do além fazendo figuração, o apocalipse conta apenas com os dois protagonistas para ser impedido. Isso sem mencionar o momento “Ghost” requentado. É sempre assim: ou você deixa o cérebro em casa ou não consegue engolir a sessão “Teletubbies para Adultos”. Por mais que eu tente, o meu cérebro não sai da minha caixa craniana. E até que eu gostaria disso vez por outra.

GRAVIDADE * * * * *
[Gravity, EUA/GB, 2013]
Ficção – 91 min
Alfonso Cuarón redefine o conceito de tensão no espaço nessa realização cinematográfica em 3D de cortar o fôlego. Literalmente. Enquanto Sandra Bullock tem dificuldade para diminuir a respiração em meio ao desespero de estar à deriva no espaço, nós esquecemos que precisamos respirar de vez em quando para chegar ao fim do filme. E que filme! Digo logo, não espere questões profundas ou filosóficas na enxuta narrativa roteirizada por Cuarón e seu filho Jonás. Trata-se de uma história muito simples: os personagens de Bullock e George Clooney estão consertando um satélite quando são atingidos por destroços de outro satélite destruído pelos russos. Ficam sozinhos, incomunicáveis, flutuando na imensidão espacial. O oxigênio a cada instante se esvai. Eles precisam alcançar a estação mais próxima, onde há um módulo capaz de adentrar a atmosfera terrestre. Isso antes de uma nova rajada de destroços. Por trás da premissa simplíssima, porém, o mexicano Alfonso Cuáron orquestra uma experiência cinestésica absolutamente brilhante do ponto de vista técnico e narrativo. Para começar, o conceito da câmera “flutuando” junto com os personagens, somado ao 3D, realmente nos passa a sensação de estarmos lá com eles. Fora isso, a câmera não é obrigada a prender-se à regra do eixo ou outras convenções técnicas; ela participa ativamente da ação, sofre a mesma falta de gravidade. Cuarón adora planos-sequências e os usa aqui com inteligência, mudando até mesmo para os pontos de vista dos personagens sem cortar. Incrível como a edição de som é alterada para manter a lógica física da situação e, assim, nos convence e nos mantém no enredo. São detalhes técnicos preciosos que fazem a narrativa transcender o mero exercício de estilo exibicionista. Pelo contrário, aqui se cria um estilo de conceber dramas espaciais, como se Cuáron reinventasse o Kubrick de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, mas tudo em função da história. Obviamente, ainda fico com a obra-prima de 1968, mas devo reconhecer que a vista do planeta nunca foi tão fantástica. Sem dúvida, uma grande sessão imersiva em terceira dimensão, com um fabuloso diálogo entre o som e o silêncio. O filme possui picos de tensão inquietantes, bem construídos, fácil de pôr um terror contemporâneo no chinelo. Mesmo assim, há momentos de pura poesia visual, como o que traz Sandra Bullock em posição fetal ou suas lágrimas flutuando à nossa frente. Por falar em Bullock, a atriz faz um trabalho fenomenal com a respiração da personagem, dificílimo, pontuando sensações. Seu drama encerra em si a metáfora do filme: desconectada do mundo, ela precisa voltar-se a si mesma a fim de dar vazão ao instinto humano de sobrevivência. Já Clooney surpreende por deixar a colega brilhar. Adoro quando grandes atores possuem esse tipo de entendimento e escondem o ego em prol da obra. Uma hora e meia da melhor tensão que a tecnologia empregada ao cinema pode promover. Tudo bem que a gag no final com as algas marinhas poderia ter sido evitada, mas logo em seguida o filme triunfa com poder na última cena, no último plano a fechar a jornada, quando a própria câmera sucumbe ao “peso” da gravidade, assistindo nossa heroína dar seus passos de recém-nascida. Só então Alfonso Cuáron nos permite recuperar o fôlego com um longo, e bem-vindo, suspiro.

MATO SEM CACHORRO * * ½
[Idem, BRA, 2013]
Comédia romântica - 113 min
No geral, essa comédia romântica de espírito moderno é uma boa surpresa; todavia, derrapa em lugares fáceis de serem evitados. Embora seja distribuído pela Globo Filmes, escapa do humor televisivo da maioria das comédias nacionais com expressão no mercado. Em seus aspectos formalistas, podemos perceber uma câmera mais descolada, leve, que não se prende a closes para esconder o cenário e supervalorizar atuações médias – isso quando vão além de recitar o texto. Texto esse que amarga um zero no quesito originalidade [e o que é mesmo original hoje?], mas ao menos dialoga sem problemas com o público. Afinal, um filme sobre a boa e velha fossa com Radiohead na trilha sonora merece o mínimo da nossa atenção. Os 10 primeiros minutos são uma mistura de “Marley e Eu” com “Alta Fidelidade” ao trazer um cachorro narcoléptico [a melhor gag], que une o casal feito por Bruno Gagliasso e Leandra Leal, junto ao fato do rapaz ter um curioso timing musical [a melhor sacada] sem necessariamente a motivação para ganhar dinheiro com isso. Na verdade, ele faz é perder, como o processo movido pela cantora Sandy por um vídeo mixado como um clipe dela bêbada. Nesse ponto, gostei do desprendimento de Sandy em brincar com a própria imagem. Sem dúvida, soma ao filme dirigido por Pedro Amorim, estreando em longas. A premissa do roteiro de André Pereira é o sequestro do cachorro pelo personagem de Gagliasso com a ajuda do primo porra-louca feito pelo humorista Danilo Gentili, injetando o humor grosseiro que força o riso constrangido. E o que tinha tudo para ser uma comédia romântica de plot, apela ao humor grosseirão, meio “Se Beber, Não Case!” com um pouco de “Penetras Bons de Bico”. Nisso, a narrativa se arrasta mais do que deveria, talvez por empolgação do roteirista com as “gracinhas” da história ou pelas colaborações do próprio Amorim e de sua esposa, por sinal produtora, ao lado do cunhado Vicente Amorim [“O Caminho das Nuvens”]. Felizmente, Pedro Amorim não deixa a peteca cair [eu sei, chavões são uma merda] e se apoia nos bons elementos à sua disposição, como a desconstrução da família perfeita e as referências pops [leia-se: o desenho “Caverna do Dragão”]. Fora o carisma do[s] cachorro[s] e a ousadia de mixar John Lennon com Michel Teló. Só por isso já merece uma expiada sem compromisso, mesmo que ninguém mereça ver Enrique Diaz com cueca de cachorrinho.

ROTA DE FUGA * * ½
[Escape Plan, EUA, 2013]
Ação - 115 min
Stallone e Schwarzenegger juntos como protagonistas pela primeira vez. Se você não esperar muito, é bem capaz de se divertir. Quem é das décadas de 80 e/ou 90 alguma vez já sentiu vontade, mesmo sem assumir para ninguém, de ver como seria ter esses dois ícones do cinema de ação [vulgo “macho movie”] na mesma trama, trocando uns socos e pontapés. Até eles, amigos e sócios, juntos com Bruce Willis, da rede de restaurantes Planet Hollywood, tinham esse desejo há 30 anos, mas nunca encontravam o projeto certo. Bem, o inevitável momento chegou, embora tenham dividido algumas cenas na franquia “Os Mercenários”. É uma pena que não faça jus à carreira de ambos. Se à época teria a equivalência de colocar Jason Vorhees para encarar Freddy Krueger [opa, isso já aconteceu, não?], agora não passam de velhos colegas literalmente vivendo do passado, dos dias de glória, para se manterem no presente. Ao menos eles trocam mais diálogos do que socos desenfreados. Sly  interpreta um mestre em fugas de presídios que aceita testar o mais difícil e isolado deles. Lá, torna-se chapa de Arnie e sem perder muito tempo se unem para descobrir as brechas da moderna instituição comandada pelo cruel Jim Caviezel. Sim, como o título entrega, trata-se de um t-pico produto de gênero, no caso fuga de uma prisão de segurança máxima. Quantos filmes semelhantes não devo ter assistido desde “Alcatraz – Fuga Impossível”, com Clint Eastwood? Não arrisco chutar [e nem o de Clint foi o primeiro]. Não importa, se é para desopilar está valendo. Até que o roteiro assinado por Miles Chapman e Jason Keller cria as dificuldades necessárias para sustentar o mínimo interesse pela trama cheia de buracos, clichês e psicologia barata. A questão mais interessante em relação ao personagem de Stallone [o que levaria alguém a escolher passa mais tempo dentro de prisões] tem uma resposta chula, como se poderia esperar. A montagem paralela entre os dois brutamontes arquitetando uma saída e os colegas de um deles tentando descobrir seu paradeiro ajuda na dinâmica da narrativa, ainda que seja preciso apelar para uma reviravolta final de forçar a amizade. Dirigido pelo sueco Mikael Hafström, que oscila trabalhos medianos com fracos, o filme tem bom fôlego e ação à moda antiga [só para mim que isso é um extra bem-vindo?], apesar da penitenciária ter um design de produção arrojado. Poderia ter apostado no pastiche da interação entre os dois ilustres protagonistas. Senti que Hafström tenta segurar o humor, mas há momentos nos quais Sly e Arnie não deixam. Ignore o desfecho fraquinho, a nova tentativa de bordão para o eterno Exterminador [“Tenha um lindo dia... idiota.”] e a canastrice habitual do “garanhão italiano” e aproveite a melhor coisa do encontro dessas duas potências da testosterona pura: duas horas sem precisar usar o cérebro.

THOR: O MUNDO SOMBRIO * * * ½
[Thor: The Dark World, EUA, 2013]
Aventura - 120 min
Para quem achou o filme de 2011, dirigido por Kenneth Branagh, fraco, Alan Taylor entrega uma aventura bem mais resolvida e, por que não, interessante. Mas quem diabos é Alan Taylor? Simplesmente um dos melhores diretores que passaram pela série “Game of Thrones”. Segundo ele, os seis episódios comandados nas duas primeiras temporadas foram um “aquecimento”. Falta de modéstia à parte, alguns críticos consideram essa segunda incursão solo do deus do trovão um dos grandes filmes da “era Marvel” e dispensam superlativos para descrever a experiência. Prefiro me conter um pouco [por causa da ressaca] e confirmar que a produção cumpre bem seus objetivos, mas não é nenhum clássico contemporâneo. A trama coloca Jane Foster [Natalie Portman] infectada pelo Éter enquanto Thor [Chris Hemsworth] precisa impedir o vilão Malekith [Christopher Eccleston] de destruir Asgard. Para isso, ele é forçado a pedir ajuda ao seu problemático meio-irmão Loki [Tom Hiddleston]. Em outras palavras, trata-se de um filme que segue a regra de dar o que o público quer. Nesse sentido, a narrativa impessoal de Alan Taylor conserta os pecados do primeiro “Thor” e oferece mais ação, além de saber explorar a dinâmica entre os personagens. Mas não tem jeito, duas coisas permanecem como certas: o romance de Thor e Jane é bobo e não emociona e o Loki do britânico Hiddleston é o ladrão de cenas da Marvel, é o vilão que amamos odiar. Tanto que o próprio Joss Whedon, diretor de “Os Vingadores” e sua continuação, deu uma mãozinha a Taylor gravando cenas adicionais com o personagem. O filme ficou pronto em cima da estreia, porém a opção foi acertada e de fato acredito que teríamos um filme com menos graça se não fosse a ambiguidade de Loki. Uma das sacadas da narrativa é justamente não sabermos quando ele está ajudando o herói ou esquematizando contra o irmão e o pai, Odin [Anthony Hopkins]. Infelizmente, Taylor não aposta mais nas intrigas palacianas, ao contrário de “Game of Thrones”; seu foco é no ritmo e no tom épico do universo abordado. Nisso, o cineasta se sai muito bem, sobretudo nas cenas em grande escala. As cenas na Terra [Midgard] ficaram menores e, por isso, menos prejudiciais do que foram no filme anterior, embora o conflito se resolva em Greenwich, Londres, com uso interessante da locação. Dessa vez, ninguém da S.H.I.E.L.D. dá as caras, não sei até onde o filme empurra o universo Marvel para “Os Vingadores: A Era de Ultron”, apesar da aparição surpresa de outro herói. Parece que a preocupação mais imediata é com “Guardiões da Galáxia”. Até porque, pelo o que sei, os Avengers estão em boas mãos.

BLUE JASMINE * * * *
[Idem, EUA, 2013]
Drama - 98 min
Woody Allen realiza um astuto – e tragicômico – estudo de personagem, amparado por uma brilhante Cate Blanchett. Desta vez, ele investe numa comédia dramática para contar a história de uma mulher rica que surta depois do marido ser preso e ela ir à falência. Sua nova condição financeira a leva a São Francisco, para a casa da meia-irmã pobretona feita por Sally Hawkins, a fim de passar um tempo enquanto se adapta, com muita pose e dificuldade, à situação. A estadia, é claro, mexe com a vida de todos ao redor. A qualidade da narrativa de Allen é notável a ponto de nos fazer esquecer que estamos na [segunda] era do 3D, dos efeitos visuais com CGI, dos espetáculos caríssimos pelos quais o cinema deixou de ser uma ferramenta para contar histórias e virou um fim em si mesmo. O hype é ver ao invés de sentir. Quando nos tornamos tão vazios? Quando esquecemos que, no fundo, tudo deveria girar em torno de uma boa história? Sem firulas pós-modernas, o sujeito por trás de “Annie Hall” e “Manhattan” [por mim, eu listaria cada filme, inclusive os mais fraquinhos] nos lembra da verdadeira essência da sétima arte. Jasmine, a personagem-título, é uma Fênix ao contrário. Se todos os seus defeitos de caráter terminam por terem charme, é graças à atuação de Blanchett, sem justificar nem estereotipar o tipo que defende. Ela vai da vítima das circunstâncias à alpinista social com uma naturalidade divertida de observar. E aí reside melhor do cineasta, quando se encontra disposto, essa cínica observação do ser humano tentando retornar ao ponto de equilíbrio, mesmo que seja desajeitadamente. Mesmo com uma protagonista tão interessante, Woody Allen não cai na armadilha de engessar sua câmera nela. O roteiro enxuto dá espaço para a irmã atravessar seu próprio arco dramático, com suas carências amorosas e baixa autoestima. Nesse sentido, gosto muito de como a britânica Sally Hawkins foi escalada e como sua história não é um mero adereço da narrativa principal. Atuações femininas extraordinárias, num filme que trafega pelo tempo sem cerimônia para descascar essa cebola chamada Jasmine. Aqui, o humor é dosado, cínico, maduro, surge no momento certo e diz mais sobre nós, espectadores, do que aquelas na tela. Estamos diante de um Woody Allen cruel? Não importa, contanto que esteja em seus melhores dias, ser criticado por ele é um imensurável prazer.

CAPITÃO PHILLIPS * * * *
[Captain Phillips, EUA, 2013]
Suspense - 134 min
Um filme tenso, pulsante, não alienado, com excelente direção de Paul Greengrass nos transferindo toda a angústia de Tom Hanks. Aos desavisados, trata-se da história real de como o norte-americano Richard Phillips viu o cargueiro que comandava, o MV Maersk Alabama, ficar a mercê de piratas somálios em abril de 2009. Baseado no livro "A Captain's Duty: Somali Pirates, Navy SEALS, and Dangerous Days at Sea", escrito por Philips junto com Stephan Talty, o roteiro de Billy Ray [“Quebra de Confiança”, “Intrigas de Estado”] já começa interessante ao alternar a apresentação do capitão com a de seus futuros sequestradores. Assim, evita-se o maniqueísmo confortável às produções hollywoodianas, pois vemos as motivações do outro lado e, mesmo sem concordar com elas, uma ligação é criada com os personagens, o que será primordial no decorrer da narrativa. Também é uma escolha corajosa, pois a produção não se furta de fazer críticas pontuais aos Estados Unidos, quase como se aquela situação fosse consequência da política imperialista do tio Sam. Na primeira parte do filme, o que temos é um astuto jogo de estratégias entre o protagonista e os piratas, no qual a narrativa nos permite acompanhar o movimento de ambas as partes com igual interesse. Além do mais, estabelece a dinâmica que será crucial na segunda parte, quando Philllips se deixará ser sequestrado, com a ação se concentrando dentro de um baleeiro. A partir daí, o que experimentamos é o aumento gradativo de uma tensão que chegará à beira do insuportável. O responsável por isso é o britânico Paul Greengrass, que fizera algo parecido em “Voo United 93” e caiu nas graças do público com “A Supremacia Bourne” e “O Ultimato Bourne” e da crítica com “Domingo Sangrento”. Definitivamente, é um nome com pedigree, e aqui não ousa decepcionar. Sua câmera documental e sempre na altura dos personagens nos coloca em cena, no centro do conflito, como se estivéssemos ali, o que torna difícil ficarmos quietos na poltrona. Fora a habilidade que possui em trabalhar plano/contraplano e a montagem para dilatar a tensão ao máximo. É o que faz nos minutos mais angustiantes no baleeiro, e não por acaso compreendemos quando o capitão implora aos membros da SEALS [a tropa de elite da Marinha dos EUA] para acabarem com aquilo de qualquer jeito. Muitos estão elogiando a atuação de Tom Hans; de fato, ele sai do piloto automático e entrega uma de suas performances mais “vivas” em anos. Sempre sério e linha dura com a tripulação, basta uma sutil mudança em sua feição para temermos o que está por vir. Sua cena final é absolutamente comovente, a qual fica ainda melhor pelo fato de ter sido improvisada. Assim como a nossa aparente calma durante os créditos finais.

O HOBBIT: A DESOLAÇÃO DE SMAUG * * *
[The Hobbit: The Desolation of Smaug, EUA/NZE, 2013]
Aventura - 161 min
É difícil imaginar alguém se cansando de visitar a Terra-Média de J. R. R. Tolkien, sobretudo depois dela ter sido tão bem apresentada pelo neozelandês Peter Jackson em sua já clássica adaptação de “O Senhor dos Anéis”. No entanto, quando um livro infantil de 300 páginas é convertido em três filmes com três horas cada, algo sai terrivelmente errado. Não tem como não sair. A indulgência narrativa termina sendo leitmotiv e isso, sim, cansa o belo e dilui a magia. Digo isso como leitor [quase] contumaz de Tolkien e fã da realização de Jackson em cima do mundo imaginado pelas palavras. Então, estou triste. O dinheiro, como sabemos, é o padrinho da arte, e nessa relação é a afilhada a ser negligenciada. Não posso afirmar que “O Hobbit: A Desolação de Smaug” é um filme ruim. Na verdade, ele é até melhor que “Uma Jornada Inesperada”, primeiro filme dessa nova trilogia forçada. O problema é a sensação de estarmos diante de um produto. Um produto para gerar uma renda inflada. Um produto que toca a superfície da arte apenas como efeito colateral. Vamos ao produto, então. Com 161 minutos de duração, “A Desolação de Smaug” é um filme recheado de sequências longas com o objetivo de engordar ao máximo a narrativa. Divertidas? Sim. Bem realizadas? Não tenha dúvida. Mas, assim como os vários minutos reservados à guerra de trovões no filme anterior eram apenas três linhas no livro, muitos obstáculos vencidos pela Companhia não trariam prejuízo dramático algum à história caso fossem enxugados ou, quem sabe, cortados. Mas para Jackson e sua trupe cada vírgula de Tolkien é uma longuíssima pausa para festejar as possibilidades tecnológicas. Isso num filme concebido a 48 frames por segundo que pouquíssimos podem assistir e com um dos usos mais fracos do recurso da moda: o 3D. Com a profundidade de campo quase sempre reduzida, no máximo há um estranhamento entre figura e fundo, assim como o bombardeio de ferro e fogo cuspido sobre nós. Sim, temos o dragão Smaug, imponente e articulado, sua presença enche a tela e provoca um frio na espinha. Pena que o frio só dure alguns minutos. Com a ação confinada na Montanha Solitária, o máximo que temos de Smaug é, como apontou um amigo, ser feito de besta pelos anões. Ironias à parte, é sintomático do roteiro raso não sabermos a essa altura quem é quem dentre os anões, embora dividir a Companhia por causa de um ferido arrisque dar-nos uma colher de chá. O jeito mesmo é torcer pelo carismático Bilbo de Martin Freeman e lamentar não ter mais cenas com Gandalf. Sir. Ian McKellen rouba todas nas quais aparece. Assim como em “Uma Jornada Inesperada”, a fraqueza de “A Desolação de Smaug” talvez seja seu trunfo: estar à sombra de “O Senhor dos Anéis” é o que confere magia aos novos filmes, por mais paradoxal que soe. Isso explica a “necessidade” de pôr Legolas na história, a tirar sarro do então bebê Gimli, ou a maior sacada visual ser a pupila do olho em chamas com a forma de Sauron. Ao encerrar de maneira abrupta numa típica frase de efeito pré-climática, joga a Batalha dos Cinco Exércitos e tudo o mais para a conclusão, “Lá e de Volta Outra Vez”, no qual Peter Jackson terá a sua última chance de provar que fazer uma visita a Terra-Média ainda pode ter a magia perdida na nossa própria desolação. [13.12.13 – cinema]

AZUL É A COR MAIS QUENTE * * * *
[La Vie d'Adèle – Chapitre 1 & 2, FRA/BEL/ESP, 2013]
Romance - 173 min
Duas performances extraordinárias de Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux, sob a direção realista de Abdellatif Kechiche, resultam numa obra arrebatadora sobre a descoberta da paixão e o crescimento provocado por sua dor. Inspirada na graphic novel de Julie Maroh, ganhou a Palma de Ouro em Cannes e foi um dos filmes mais comentados do ano – como sempre, pelas razões erradas. [12.12.13]

12 ANOS DE ESCRAVIDÃO * * * *
[12 Years a Slave, EUA/GB, 2013]
Drama - 134 min
O talentoso cineasta Steve McQueen ["Fome", "Shame"] pega um viés novo do tema e concebe um filme sólido e visceral o tempo inteiro, com atuações irretocáveis de Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender e a pouco conhecida Lupita Nyong'o. Uma experiência forte. [26.12.13]

NEBRASKA * * * *
[Idem, EUA, 2013]
Drama - 115 min
O roteiro simples – mas pontuado por detalhes preciosos – de Bob Nelson se transforma num filme lindo graças à direção madura de Alexander Payne e as atuações marcantes de Bruce Dern e June Squibb. O tema do pai e filho numa viagem de aproximação é recorrente, contudo há um frescor no modo como é lidada. Além disso, Payne é ótimo para equilibrar drama e humor, vide seus trabalhos anteriores. O resultado comove sem qualquer traço de melodrama. [06.02.14]

PHILOMENA * * * *
[Idem, GB/EUA/FRA, 2013]
Drama - 98 min
Judi Dench está ótima no papel-título dessa narrativa enxuta, humana e surpreendentemente bem humorada, mesmo com um tema tão delicado. É baseado no livro do jornalista Martin Sixsmith, interpretado por Steve Coogan, produtor e coautor do roteiro. Stephen Frears dirige no tom certo para evitar o melodrama, e é incrível como funciona bem, apesar de abordar religião, sexualidade, culpa. A história é real e o filme, imperdível. [09.02.14]

OLDBOY – DIAS DE VINGANÇA * *
[Oldboy, EUA, 2013]
Suspense - 104 min
Até é possível perceber um esforço de Spike Lee em dialogar com o filme original de Chon-Wook Park. Ele tenta brincar um pouco com as expectativas de quem conhece a trama, além de ganhar ponto por manter a violência – agora mais gráfica. Não dá para dizer que o elenco seja ruim; Josh Brolin tenta e Elizabeth Olsen continua sua escalada ao primeiro time de Hollywood. O roteiro de Mark Protosevich arquiteta pequenas mudanças em cima do que já vimos ser extraído do mangá de Tsuchiya e Minegishi, mas nada que faça tanta diferença. No fim das contas, é apenas mais um remake que cai no vazio.  [12.02.14]
THE TRUTH ABOUT EMANUEL * * * ½
[Idem, EUA, 2013]
Drama - 96 min
A italana Francesca Gregorini realiza um drama independente bem escrito, um pouco inusitado em certos momentos, que só derrapa mesmo na resolução. Na arte, questões complexas podem ser resolvidas num evento simbólico. A tal liberdade poética que em cinema ainda é difícil de aceitar. Aqui, temos dois traumas que, supostamente, serão ressignificados na última – e mais artificial – cena. A menina se culpa pela mãe ter morrido no parto, enquanto a vizinha acredita que seu bebê é real, quando não passa de um boneco. Entre as duas, f0rma-se uma curiosa ligação. Gosto do tom e do clima do filme de Gregorini. A protagonista é fascinante, feita pela bela Kaya Scodelario [guarde esse nome, é filha de mãe brasileira], e não reconheci Jessica Biel como a nova, e misteriosa, vizinha. O elenco de apoio é muito bom, com Alfred Molina, Frances O’Connor, Aneurin Bernard e Jimi Simpson. Além disso, o roteiro joga com nossas expectativas, sempre um aperitivo extra bem vindo. Seleção oficial de Sundance, merece ser descoberto. [23.02.14]
VERSOS DE UM CRIME * * *
[Kill Your Darlings, EUA, 2013]
Drama - 102 min
Antes de serem beats, Allen Ginsberg [“Uivo”], William Burroughs [“Almoço Nu”] e Jack Kerouac [“On the Road”] foram cúmplices de um assassinato. O longa de estreia de John Krokidas se encarrega de recriar o berço do que viria a ser a geração beat em meio a essa história real. O pivô é Lucien Carr, o elo que juntou os outros três e aqui é interpretado pelo talentoso Dane DeHaan. Daniel Radcliffe até se esforça no papel de Ginsberg: as fãs de Harry Potter sem dúvida ficarão chocadas com algumas cenas bem ousadas. Não deixa de ser interessante encontrarmos ilustres personagens da [melhor?] literatura estadunidense ainda às vésperas de se tornarem as personas que os imortalizaram. Ben Foster faz Burroughs enquanto Jack Huston, outro que chama a atenção, dá vida ao inquieto Kerouac. Completando o elenco, Michael C. Hall e Elizabeth Olsen. Junto a “Uivo”, de 2010, com James Franco, e “Na Estrada”, 2012, de Walter Salles, resulta num diálogo que mostra como o cinema, ao retratá-la, ainda passa longe da pulsação de uma turma cujo legado de ruptura dos padrões ecoa até hoje. Mesmo que pareça um eco cada vez mais distante. [04.03.12]
NINFOMANÍACA: VOLUME 1 * * *
[Nymphomaniac: Vol. I, DIN/ALE/FRA/BEL/GB, 2013]
Drama - 118 min
Lars von Trier psicologiza a vida sexual da protagonista com metáforas inusitadas, ao mesmo tempo em que satiriza o próprio ato de narrar. Estaria mesmo o dinamarquês tirando sarro das pessoas que o destratam como alguns críticos interpretaram? O fato desse filme dividido em dois por meras questões comerciais ter sido concebido após ele ser persona non grata em Cannes 2011 pode dar uma pista. Uma pista falsa? Vá saber as reais intenções do controverso cineasta, sempre disposto a criar polêmicas vazias. Esse primeiro volume é marcado pelas divagações pontuais de Seligman, feito por Stellan Skarsgard, em cima da história contada pela ninfomaníaca Joe de Charlotte Gainsbourg. Até os peixes são usados para analisar o comportamento “agressivo” da moça. Mas quem se destaca aqui é a estreante Stacy Martin, defendendo com sangue no olho a jovem Joe. Isso quando Uma Thurman não brilha em uma participação pequena, porém de tirar o fôlego. Como se trata de alguém com uma frieza perturbadora na maior parte da narrativa, von Trier usa Christian Slater como ponte afetiva para a personagem principal, e o ator de filmes de ação surpreende numa atuação humana e desapegada. Quem espera por um filme digno do título, certamente irá frustrar-se com as pouquíssimas, mas orgânicas, cenas realmente explícitas [se bem que há uma versão sem cortes]. O interesse do cineasta é nesse provocador estudo de personagem. Escrava de uma necessidade quase fora de controle, Joe divide características com o Brandon de Michael Fassbender em “Shame”. Ambos não estão em busca do prazer sexual propriamente dito, e sim do alivio gerado pelo gozo. Alívio de si mesmos. [08.03.14 – madrugada]

NINFOMANÍACA: VOLUME 2 * * *
[Nymphomaniac: Vol. II, DIN/ALE/FRA/BEL/GB, 2013]
Drama - 123 min
Revela-se bem mais sombrio e pesado que a primeira parte, assim como narrativamente mais indulgente. Mantendo o mesmo tom episódico em capítulos, uma das marcas de sua filmografia, Lar von Trier toma alguns caminhos que prejudicam tudo o que vinha aparentemente construindo. Logo no começo, há uma revelação acerca de Seligman, o ouvinte/terapeuta/crítico, que soa apenas esquemática dentro do contexto da trama e, de certa forma, antecipa o desfecho. Stacy Martin sai de cena nos primeiros 30 minutos e Charlotte Gainsbourg por fim assume seu papel central, quando Joe desce fundo em suas próprias obsessões. Disso temos algumas cenas antológicas, para bem ou para mal, como os africanos que ficam discutindo quem vai penetrar o quê enquanto a protagonista se veste e sai do quarto sem ser notada. Ou então toda a sequência sadomasoquista entre ela e o personagem de Jamie Bell. Creio que duas podem incomodar mais crítica e público: a autorreferência a “Anticristo”, de 2009, na qual von Trier deixar claro seu poder de manipulação sobre o espectador, seu próprio espírito pretensioso e sua autoindulgência na piada elaborada; e colocar Jean-Marc Barr, que trabalhou com ele em “Europa”, de 1991, tendo uma ereção ao ouvir de Joe um relato pedófilo, para em seguida ser agraciado com um “boquete condescendente”. E o que dizer da relação lésbica que parece “resolver”, pelo menos em certo nível, a ninfomania? A única coisa que eu ainda não entendi foi o motivo de Shia LaBeouf ter sido trocado por outro ator para o personagem parecer mais velho se a própria Charlotte Gainsbourg tem cenas com ele, LaBeouf, antes e permanece até o final. Final que, como já mencionei, possui a piada cruel antecipada no início desse volume. O que pode ser sofisticado para alguns também pode não passar de provocação vazia para outros, como o “movimento” da vagina se transformando num olho abrindo, ou o discurso sobre Bach, ou seja lá qual metáfora Lars von Trier usa para dizer que um gênio está ali atrás da câmera. Encerrando a Trilogia da Depressão, composta também por “Anticristo” e “Melancolia” [2011], continua sendo um estudo inusitadíssimo da sexualidade feminina, mas apenas da personagem em questão. [08.03.14 – madrugada]

IN FEAR * * ½
[Idem, GB, 2013]
Suspense - 85 min
Como o título já antecipa, trata-se de uma intensa experiência de medo. Não convence de todo, mas se sustenta muito bem. Jeremy Lovering estreia na direção de um longa para cinema após uma bem sucedida carreira na televisão britânica. A ideia de um casal perdido dentro de um carro no interior da Irlanda partiu dele, mas curiosamente não existe crédito de roteiro. Não importa, pois a história não passa de uma desculpa para testar tanto a natureza instintiva dos personagens quanto, por que não, do espectador. E Lovering usa com esperteza os elementos narrativos, sobretudo o som e alguns enquadramentos de câmera, para driblar o baixo orçamento. Guia os sentidos para as reações prometidas, criando o clima a cada escalada da trama. Entrega alguns sustos genuínos, mas principalmente tensão. Lá pelas tantas, o filme se lança sem freios na escuridão e prende o espectador até o desfecho. Chega a ser desesperador o modo como põe seus três personagens no limite, embora não desenvolva as relações entre eles de modo satisfatório. Ficam buracos no “roteiro” que fazem a obra não ir além de um exercício narrativo sobre o quão covarde e mesquinho é o instinto humano de sobrevivência. [24.03.14 – madrugada]
SHORT TERM 12 * * * * ½
[Idem, EUA, 2013]
Drama - 97 min
Narrativa absurdamente humanista, fluída, com elenco espetacular, encarando temas dolorosos, mas muito reais. Infelizmente. Esse filme independente nos insere no cotidiano de um lar temporário para jovens problemáticos e/ou vítimas de abuso. Confesso que me veio de volta todas as mesmas sensações de quando, por um ano, atuei como psicólogo no CREAS – Centro de Referência Especializada de Assistência Social e vi de perto casos como alguns retratados na produção. Assim, assisti-la não foi de longe uma experiência fácil. Destin Daniel Cretton é o diretor/roteirista, aqui expandindo com sensibilidade e segurança seu premiadíssimo curta metragem de mesmo nome lançado em 2008. Cabe a Brie Larson [de “Scott Pilgrim Contra o Mundo”] ser o grande destaque como a protagonista, embora todos estejam muito bem dirigidos. O mais notável é que Cretton consegue evitar o melodrama, apoiado na sobriedade de sua própria narrativa e em pitadas pontuais de humor. Desde já, um filme obrigatório, triste, mas com uma dose de otimismo na resolução de suas questões dramáticas. Otimismo esse o qual nos faz lembrar o quanto a ficção enxerga mais esperança do que a realidade. [25.03.14]
EXPRESSO DO AMANHÃ * * * ½
[Snowpiercer, CS/EUA/FRA/RTC, 2013]
Ficção - 126 min
O sul-coreano Joon-ho Bong assina uma ficção distópica estranha, com momentos surreais, mas muito excitante. Por trás de pérolas como “O Hospedeiro” [2006] e “Mother – A Busca pela Verdade” [2009], Bong realiza aqui seu primeiro filme falado em inglês sem se perder [tanto] na tradução. Adaptada de “Le Transperceneige”, graphic novel francesa de Jean-Marc Rochette e Jacques Loeb, a trama se passa inteiramente dentro de um trem que por 17 anos dá a volta pelo mundo pós-derretimento das calotas polares. Como se não bastasse, esses últimos sobreviventes estão distribuídos por classes, o que alimenta a insurreição liderada por Chris Evans. O diretor orquestra uma experiência visual magnífica, violenta e reflexiva. Embora transcorra num único ambiente fechado, cada vagão é um universo particular, alguns bem bizarros, quase como se fosse fases de um jogo de videogame. A história possui seus furos, nem precisa de um olhar atento, e nos conduz a um final meio “O Mágico de Oz”. Apesar disso, a narrativa conta com um fôlego admirável e ajuda a renovar um gênero abusado demais. [26.03.14]
A PELE DE VÊNUS * * *
[La Vênus à la Fourrure, FRA/POL, 2013]
Drama - 96 min
Roman Polanski experimenta um instigante jogo teatral de submissão/dominação de gênero. Ótimas performances de Emmanuelle Seigner, esposa do diretor, e Mathieu Amalric. Ambos já haviam atuados juntos em “O Escafandro e a Borboleta”, de 2007, e aqui seguram o filme inteiro – sozinhos. A ação se passa num teatro antigo onde o personagem dele testa ela para uma peça adaptada do polêmico livro que Leopold von Sacher-Masoch publicou em 1870, “A Vênus de Peles”, transposta para o palco por David Ives, coautor do roteiro ao lado de Polanski. O livro aborda a questão de dominante e dominado na relação entre homem e mulher, no qual o homem se permite ser escravo da amada. O termo masoquismo, criado pelo psiquiatra Richard von Krafft-Ebing e popularizado por Freud, deriva do nome de Sacher-Masoch justamente por causa do livro. Embora tenha apenas um único cenário e dois personagens, não chega a ser um filme cansativo, muito pela câmera dinâmica e atenciosa de Polanski, que vai além da temática principal ao tentar compreender o próprio processo dramatúrgico do teatro, ampliado pontualmente pela sonoplastia dos elementos cênicos invisíveis. O texto encoraja a confusão do espectador entre ficção e realidade, ponto no qual os detalhes de atuação se tornam importantíssimos. Em “Deus da Carnificina” [2011], o cineasta polonês já brincava com o confinamento geográfico e a pegada mais teatral. Quem sabe por isso se sinta tão à vontade transformando o palco no único universo físico disponível. Universo esse cheio das mais surpreendentes possibilidades. [01.04.14]

SOB A PELE * * * ½
[Under the Skin, GB/EUA/CHE, 2013]
Ficção - 108 miin
Scarlett Johansson, numa performance surpreendente, segura até o desfecho perturbador essa instigante narrativa. E não pela tão alardeada nudez, embora some muito ao filme, é pela própria contenção ao vestir a “roupa” de Scarlett Johansson. No papel de um alien predador, ela parece não sentir em si o disfarce, limitando-se a observar e interagir com as vítimas com a sociabilidade de um psicopata. O peso disso só aparece quando se humaniza, cede ao toque, e como recompensa de caçadora se converte em caça. Dá medo pensar que metáfora o cineasta Jonathan Glazer, ao adaptar o livro de Michel Faber, está fazendo com a natureza humana. Sua direção alterna técnicas e estilos, pede do espectador paciência perante sua abordagem particular de administrar tempo e espaço do quadro. Arrisca nas sutilezas, nos não ditos, para construir pouco a pouco sua reflexão, seu próprio olhar de alienígena. Se erra aqui ou acerta ali, entrega uma obra que não passa batida. Provoca, sob a pele “extraterrestre” de Scarlett Johansson. [25.06.14]

AMANTES ETERNOS * * *
[Only Lovers Left Alive, GB/ALE/GRC, 2013]
Drama - 123 min
No cinema de Jim Jarmusch, até os vampiros são melancolicamente apaixonados enquanto lidam com o tédio da própria imortalidade. O cineasta transfere a sensação dos personagens feitos por Tilda Swinton e Tom Hiddleston para a narrativa lenta, que só sai do marasmo quando entra Mia Wasikowska. Mas de longe é algo ruim, pelo contrário. Em tempos de vampiros emos, Jarmusch propõe uma experiência diferente, cinestésica, quase uma crítica à maneira como essas criaturas estão sendo retratadas. Além disso, nos leva a refletir sobre a solidão como sobrevivência até mesmo para o amor e como a arte é destruída pela cultura pop. Um trabalho belo e triste. [17.08.14]

INEVITÁVEL * *
[Inevtable, ARG/ ESP, 2013]
Drama - 98 min
Até começa bem, mas o desenrolar fica aquém das expectativas, resultando numa narrativa de crise existencial agridoce. O espanhol Jorge Algora adapta a peça do argentino Mario Diament com elenco de primeira, formado por Darío Grandinetti [“Fale com Ela”, 2002], Antonella Costa [“Hoje e Amanhã”, 2003], Carolina Pelleritti [“XXY”, 2007], Mabel Rivera [“O Orfanato”, 2007] e Frederico Luppi [“O Labirinto do Fauno”, 2006]. O quinteto se reveza sem problemas numa história que poderia ter oferecido muito mais. Ao ver o colega de trabalho morrer, o personagem de Grandinetti revê as prioridades e se apaixona por uma jovem artista, papel de Costa. Enquanto isso, sua esposa psicóloga [Pelleritti] também entra em crise com as frustrações da paciente interpretada por Rivera. Tudo parece caminhar na linha, até o texto insistir nas coincidências como forma de empurrar a trama. O foco na obsessão do protagonista pela amante também é algo que enfraquece uma experiência que parecia ser sobre o despertar para a vida, mas que passa longe disso. O filme termina sendo acerca da inevitabilidade das paixões e o reencontro dos velhos amores, porém tudo muito forçado, sem trazer nada novo ou mais interessante a respeito [repete-se muito o título]. As melhores cenas ficam por conta dos diálogos, num banquinho de praça, entre Grandinetti e o veterano Luppi, aqui como um escritor cego. [31.08.14]

A UM PASSO DO ESTRELATO * * * ½
[20 Feet from Stardom, EUA, 2013]
Documentário - 91 min
Saboroso documentário musical que lança os holofotes sobre as backing vocals, talentos [quase] ignorados em cima do palco. Felizmente, quem gosta mesmo de música sabe o quanto elas [ou eles] são importantes para a magia da canção. O filme de Morgan Neville faz um resgate histórico desse elemento sonoro, quando as backing vocals brancas e chapadas foram substituídas pelas negras e talentosas, muitas advindas dos coros das igrejas. Além de pincelar o painel dessa verdadeira evolução, embasadas por depoimentos de astros como Bruce Springsteen, Mick Jagger, Sting e Bette Midler, Neville conduz o espectador pelo recorte mais evidente da narrativa: as que conseguiram se lançar como cantoras solistas. Como é o caso de Darlene Love, que atingiu o reconhecimento como intérprete após uma relação conturbada com o produtor musical Phil Spector. Escolhida em 2010 para o “Rock and Roll Hall of Fame”, Darlene também é conhecida no cinema por fazer a esposa do personagem de Danny Glover nos quatro filmes da série “Máquina Mortífera”. Contudo, há aquelas cuja essa ambição não faz parte dos planos; sentem-se realizadas apenas por serem parte daquele universo. Esse estudo de ego é um detalhe fascinante, o qual poderia ter sido mais trabalhado por Morgan Neville, assim como outros temas/curiosidades inerentes ao contexto. Nada se aborda em relação aos flertes entre os astros e suas backing vocals ou mesmo se havia grande rivalidade no meio dessas últimas. Mesmo assim, o documentário fez muito sucesso nos Estados Unidos, passando de três para 89 salas de exibição em apenas três semanas. O Oscar carimbou o êxito dessa celebração ao instrumento de arte mais puro do ser humano: a voz. Para assistir sem cera nos ouvidos. [17.09.14]

MESMO SE NADA DER CERTO * * *
[Begin Again, EUA, 2013]
Musical - 104 min
Assim como em "Apenas uma Vez" [2006], o irlandês John Carney faz da música a verdadeira protagonista da história. A fórmula é requentada, traz dois personagens perdedores se unindo para dar a volta por cima. Um Mark Ruffalo muito à vontade como o decadente produtor musical que enxerga na cantora/compositora interpretada por Keira Knightley a chance de reaver seu emprego. Os dois resolvem gravar um álbum independente ao ar livre, tendo Nova York e todos os seus ruídos como fundo. Durante o processo, eles vão se apaixonar? Quem espera mais uma comédia romântica deve se surpreender com os meandros do roteiro de Carney. Trata-se de um filme sobre vê a vida por uma perspectiva mais leve, assim como o papel desempenhado pela música nesse sentido. A maioria das canções é original, tal qual no filme de 2006, com aquele momento inesquecível do casal se apaixonando enquanto canta o sugestivo título “Falling Slowly”, a qual ganhou o Oscar de canção. Aqui não há o frescor daquele filme, mas a atmosfera criada por equipe e elenco o torna uma sessão saborosa. Gosto do final contrariando as expectativas e, mais ainda, da crítica ao mercado fonográfico. [26.09.14]

O LOBO ATRÁS DA PORTA * * * ½
[Idem, BRA, 2013]
Suspense - 97 min
Fernando Coimbra usa uma magnífica Leandra Leal para mostrar o quanto vingativa pode ser a natureza humana. Bem como um acertado Milhem Cortaz para mostrar o quanto mesquinha e patética ela é. Essa é a segunda versão cinematográfica do famoso caso da Fera da Penha, ocorrido em junho de 1960. A primeira, “Crime de Amor”, foi dirigida por Rex Endsleigh em 1965, tendo como base a peça de Edgard da Rocha Miranda. Estreando como realizador de longas metragens, Coimbra constrói uma trama de suspense policial que vai descascando as camadas mais sórdidas de seus personagens. Leal interpreta Rosa, a amante suspeita de sequestrar a filha de seis de Bernardo [Cortaz] e Sylvia [Fabiula Nascimento, também ótima]. A estrutura narrativa não é das mais originais, apoiada em três longos flashbacks, os dois primeiros com pistas falsas e o último mostrando o que aconteceu de fato. Contudo, o que interessa é o estudo de personagens feito pelo cineasta, a transformação de Leandra Leal ao longo do filme, a atitude covarde de Milhem Cortaz que desencadeia todas as terríveis consequências reveladas nos minutos finais. É como se Coimbra dissesse, com certa razão, que existe perversidade escondida no sorriso espontâneo de cada pessoa, apenas esperando uma desculpa para aflorar. Somos todos potencialmente bons e maus. O lado a se manifestar só depende do contexto. Outro ponto alto é a atmosfera criada, como o zoom in no orelhão logo no início e o uso da trilha incidental com baixos e guitarras distorcidas, como se antecipando o tempo todo o pior. Não posso esquecer os enquadramentos dos personagens por trás de grades e algumas composições sugestivas, as quais tiram a surpresa do whodunit, mas por outro lado captam essa natureza obscura de forma sagaz. Juliano Cazarré e Thalita Carauta fecham um elenco que consegue quebrar o clichê dos personagens, num mundo no qual todos são guiados por aquilo que não conseguem conter. [27.09.14]

SERÁ QUE? * * ½
[The F Word/What If, IRL/CAN, 2013]
Comédia romântica - 98 min
Simpática comédia romântica que se debruça sobre a eterna pergunta: "É possível homens e mulheres serem apenas amigos?" Sim, eu sei. Ecoa “Harry e Sally – Feitos um para o Outro” [1989], substituindo os diálogos afinados de Nora Ephron por conversas sobre fezes e outras anedotas contemporâneas. O casal que só se entenderá depois de 90 minutos é feito por Zoe Kazan e Daniel Radcliffe. Ela é neta do controverso  cineasta Elia Kazan e foi a namorada perfeita “Ruby Sparks” [2012]. Já ele... Bem, ele precisa se acostumar a viver no mundo dos trouxas. O filme, dirigido pelo canadense Michael Dowse [“Os Brutamontes”, 2011], possui um roteiro que tenta ser esperto, escrito por Elan Mastai e baseado na peça “Pasta de Dente e Cigarros”, da dupla T. J. Dawe e Michael Rinaldi. O que pode diferenciar essa de outras comédias românticas é o peso moral conferido à traição, algo que o cinema estadunidense não costuma marcar tanto, apesar de ninguém gostar de ser traído. Mas isso não se passa em Hollywood; o personagem de Radcliffe carrega a questão como um trauma de infância e é o que embola o romance, pois a moça tem namorado. Apesar de como coloquei, a narrativa é leve, bem trilhada, com umas sacadas de animação que interagem com o público feminino. Quanto à pergunta do início, não chegamos a ser brindados com uma resposta diferente e menos cínica. Fazer o quê? [10.11.14]

COHERENCE * * * ½
[Idem, EUA/GB, 2013]
Ficção - 88 min
Engenhoso thriller sci-fi, cujos twists à base de singularidades quânticas prendem a atenção e desafiam o raciocínio. Não que seja difícil acompanhar a trama que coloca oito personagens numa situação à la “gato de Schrödinger”, com uma infinidade de realidades paralelas coexistindo durante a passagem de um cometa pela Terra. O mais interessante é a produção ter tido um custo quase zero, inteiramente filmada em cinco noites na própria casa do diretor e roteirista James Ward Byrkit, estreando em longas. Fez sucesso fora do circuito comercial, ganhando diversos prêmios de melhor roteiro em festivais de cinema. Curiosamente, não havia um roteiro fechado nas filmagens, e sim muita improvisação do elenco seguindo o quebra-cabeças proposto por Byrkit e o coautor do argumento Alex Manugian, também fazendo um personagem. Embora o foco nos relacionamentos impeça um viés tão ambicioso quanto a temática e tenha seus esquemas fáceis, há momentos de verdadeiros nós mentais, de colocar mesmo os neurônios preguiçosos para trabalhar. Nada que depois não se torne compreensível, até demais, com alguns diálogos expositivos acerca de estados quânticos. Pelo menos o filme não apela para um desfecho careta. Perguntas ficarão no ar. Para um primeiro trabalho, Byrkit realizou um exercício intrigante. [17.11.14]

TRISTEZA E ALEGRIA * * *
[Sorg og Glæde, DIN, 2013]
Drama - 107 min
O dinamarquês Nils Malmros cutuca a própria ferida, ainda aberta, para mostrar como lidou com uma tragédia pessoal ocorrida 30 anos antes. Ele usa seu alter ego Johannes [Jakob Cedergren] para narrar o inferno vivido quando sua esposa maníaco-depressiva [Helle Fagralid] degolou a filha de apenas nove meses do casal. Alguns espectadores de certo tendem a estranhar o distanciamento emocional da narrativa, que traz um esforço sobre-humano de racionalização não só do evento em si [não mostrado, claro] mas tanto dos desdobramentos quanto o que levou até ele. É pelo diálogo com o cínico psiquiatra forense que Johannes puxa os flashbacks de seu relacionamento e seu trabalho na época. Na vida real, Malmros estava lançando “Skonheden og Udyeret” [1983], sobre uma relação meio incestuosa entre pai e filha, aqui recriado, quando tudo aconteceu. Os personagens são secos, analíticos, embora explodam de dor ocasionalmente. Sim, é um filme doloroso, desconcertante. O que sente pela esposa o faz defendê-la durante o processo judicial. O amor é resiliente, assim como a arte. Continuam casados até hoje, porém ele afirma que esse é seu último filme. Exorcizado esse trauma, nada há mais a ser contado. Entendo perfeitamente o que Nils Malmros quis dizer. Já experimentei tais sentimentos, em proporções bem menores. Mas será? [24.11.14 – madrugada]

AMALDIÇOADO * *
[Horns, EUA/CAN, 2013]
Comédia - 120 min
Não consegui entrar no clima dessa estranhíssima fábula sobrenatural que mistura gêneros e traz um Daniel Radcliffe chifrudo. Ele faz um sujeito acusado por todos de assassinar a namorada de longa data. Após uma noite de bebedeira, sexo e alguns sacrilégios, chifres começam a crescer em sua testa. O monstro da pequena cidade estaria se transformando no próprio diabo? A terrível ironia o leva a usar seu novo dom – fazer as pessoas porem para fora seus pensamentos e desejos mais obscuros – para encontrar o verdadeiro assassino. Primeira adaptação para o cinema de um livro escrito por Joe Hill, filho de, veja só, Stephen King, de certo possui apelo e sacadas interessantes, como essa de trazer à tona o pior do ser humano. Ou melhor, seu lado mais honesto. Porém, não vai muito além disso. O roteiro de Keith Bunin não consegue fugir dos intrometidos, e longos, flashbacks para costurar a trama, embora seja fácil adivinhar quem matou a garota. A direção de Alexandre Aja trabalha esse "terrir" de humor negro com pretensa seriedade, além de não dar conta de enxugar a duração. O eterno Harry Potter tem se arriscado para se afastar da sombra do bruxo que interpretou durante toda a adolescência. Pelo visto, precisará de mais esforço. [16.12.14 – madrugada]

STARRED UP * * *
[Idem, GB, 2013]
Drama - 106 min
A difícil relação pai e filho inserida na dinâmica da prisão rende um drama forte sobre conter [ou não] a natureza violenta. Baseado nas experiências do roteirista, Jonathan Asser, com terapia de grupo junto aos presos, tem direção assinada por David Mckenzie, do interessante “Sentidos do Amor” [2011]. Mckenzie adota uma mise-en-scène realista, às vezes sem poupar o espectador, usando planos-sequências para fazê-lo interagir com o ambiente prisional. O filme retrata de perto as relações de poder entre os penitenciários e entre estes e os guardas. As cortesias e as trocas de favores que mantém a ordem num lugar onde a tensão é constante, até mesmo entre amigos. O não uso da trilha sonora só aumenta essa sensação de realismo documentado. Do elenco, os destaques são Jack O’Connell, Ben Mendelsohn e Rupert Friend, interpretando o alter ego de Asser. Apesar de recair em certos clichês por ter como espinha dorsal a reaproximação do filho com pai, traz um frescor para a temática. Frescor esse, eu diria, quase brutal. [21.12.14]

VIDA DE ADULTO * * ½
[Adult World, EUA, 2013]
Comédia - 93 min
Comédia dramática indie sobre crescer e amadurecer o talento. Embora rasa, trata-se de uma experiência simpática. Emma Roberts [sobrinha de Julia] faz uma aspirante à poetisa que vai trabalhar numa locadora de vídeos pornôs e aprender que viver um pouco é essencial para qualquer escritor. Basicamente, um filme de rito de passagem tardio – ou como ter 22 anos lidando com as próprias frustrações vocacionais. Difícil não se identificar. [08.01.15]

MISS VIOLENCE * * *
[Idem, GRE, 2013]
Drama - 99 min
A crise econômica na Grécia serve como pano de fundo para uma narrativa incômoda envolvendo abuso doméstico físico, sexual e psicológico. Não como justificativa ou mesmo mera alegoria da atual situação do país, como defendem alguns críticos numa análise claramente superficial e simplista. Além de soar cruel e irresponsável por parte do cineasta Alexandros Avranas, em seu segundo longa, seria desconsiderar as [poucas] informações oferecidas pela história. Estamos diante de algo que, infelizmente, acontece em qualquer parte do mundo. O monstro muitíssimo bem feito por Themis Panou pode ser aquele tio insuspeito – ou, no caso aqui, o avô lutando para manter a família unida. A abordagem de Avranas é crua, não poupa o espectador do que decide manter no quadro ou, pior ainda, fora dele. Sim, é preciso estômago para encarar a atmosfera opressora, a qual não chega ao choque gráfico, mas inquieta como se assim fosse. [19.01.15]

PALO ALTO * * ½
[Idem, EUA, 2013]
Drama - 100 min
Gia Coppola, neta de Francis “Godfather” Ford, estreia na narrativa de longas com esse retrato dos desencontros adolescentes no término da high school. Baseado nos contos escritos pelo ator James Franco, que participa do filme, trata-se de uma produção muito local, no sentido deles, os estadunidenses, perceberem melhor o eco propagado pelo próprio reflexo. A nós, a impressão é de que, na fase retratada, os jovens de lá ou caminham no vazio ou são babacas esforçados. Felizmente, o talento parece mesmo correr nas veias da família Coppola. Gia não passa a mão na cabeça de seus personagens, deixa-os à deriva. Em algum lugar, vão se encontrar, claro. Porém, é uma deixa tão sutil que serve como comentário, extra filme, do motivo de existirem tantos adolescentes tardios nas produções hollywoodianas. [21.01.15]

TANGERINAS * * *
[Mandariinid, EST/GEO, 2013]
Drama/Guerra - 83 min
Mostra o quanto a empatia pode se sobrepor a diferenças étnicas-religiosas. Sem dúvida, uma bela narrativa antiguerra. A história se passa durante a Guerra na Abecásia entre 1992 e 1993 e põe um mercenário checheno [Giorgi Nakashidze] sob o mesmo teto com um soldado georgiano [Misha Meskhi] enquanto ambos os inimigos se recuperam de um confronto. O diretor e roteirista Zaza Urushadze, georgiano, demonstra interesse na dinâmica desses dois personagens, sempre se provocando, mas claramente caminhando para a compreensão e o respeito mútuo. Não deixa de ser utópico, e quem sabe precisasse de mais tempo para desenvolver melhor essa insuspeita amizade. Mesmo assim, é tocante a simplicidade com a qual Urushadze expressa sua boa intenção, bem amarrada no desfecho agridoce. O destaque, entretanto, fica por conta de outra relação de amizade, entre o anfitrião Ivo [Lembit Ulfsak] e seu vizinho Margus [Elmo Nügamen], um vendedor de tangerinas. Em determinado momento, Ivo diz que o cinema é uma grande fraude. Bem, garanto que esse filme não é. [20.02.15]

SEDUCED AND ABANDONED * * ½
[Idem, EUA, 2013]
Documentário - 98 min
O cineasta independente James Toback e o ator Alec Baldwin percorrem o tortuoso caminho para conseguir financiamento para um suposto filme da dupla durante o Festival de Cannes. Entre colher depoimentos de diretores do naipe de Scorsese, Coppola, Polanski, Bertolucci e potenciais empresários/investidores, além de atores e atrizes como Ryan Gosling, Neve Campbell [ótima, mas sem valor de mercado, segundo um produtor], James Caan, Jessica Chastain, eles traçam um painel agridoce da faceta da indústria cinematográfica que não vemos na tela. Para os fracos de paixão e persistência, pode ser uma experiência triste e desmotivadora. Para todos os outros, apenas uma dura constatação do que passam os realizadores. [20.05.15 – Cinemax, madrugada]

FREQUENCIES * * *
[Idem/OXV: The Manual, AUS/GB, 2013]
Ficção - 105 min
Instigante discussão sobre destino versus livre arbítrio [eu sei, mais uma], com uma embalagem curiosa e original. O britânico Darren Paul Fisher escreve, dirige e produz esse “Romeu e Julieta” metafísico, no qual as emoções e os relacionamentos são pré-determinados pelas frequências de cada pessoa. No terço final, a viagem toma proporções um tanto absurdas. Porém Paul Fisher até que consegue voltar para a linha atmosférica da história com uma fascinante teoria envolvendo música, em particular a de Mozart. Longe de ser arrebatadora, é uma produção pequena, bem realizada, cheia de ambição junto com referências científicas e filosóficas. Deixa a gente pensando em algumas coisas, sem dúvida. [01.07.15]


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