Filmes de 1999 [comentários]

Péssimo * Desastroso * ½ Fraco * * Assistível * * ½ Sólido * * * Acima da média * * * ½ Ótimo * * * * Quase lá * * * * ½ Excelente * * * * *

A PREMONIÇÃO
[In Dreams,  EUA, 1999]
Suspense - 98 min
Vez por outra, um grande diretor nos decepciona com um filme inteiramente descartável. Mas quem poderia imaginar que viesse uma bomba doméstica do conceituado diretor de Entrevista com o Vampiro? É, “seu” Jordan, o senhor errou feio ao decidir narrar de maneira altamente delirante a história de Claire, uma mulher atormentada por estranhas visões, que de repente descobre estar mentalmente ligada a um terrível psicopata. O roteiro muito mal estruturado nos leva a uma peregrinação pelas visões da personagem, que sempre tem ligação com o enredo, e suas consequências com a realidade. Uma história tão malfeita que chega a ser besta e previsível, sem nenhuma reviravolta empolgante e nenhum pingo de consistência. Nos sentimos impotentes diante dos acontecimentos, pois sabemos o que vai acontecer logo em seguida e nada podemos fazer; nem nada muda: do mesmo jeitinho que as visões de Claire nos são mostradas, acontece. Dessa forma, ficamos sabemos o final bem antes. Os atores são outra tragédia, parecem que vão rir nas melhores cenas. O filme conta ainda com o maluco beleza Robert Downey Jr, Aidan Quinn e Stephen Rea, como o psiquiatra com cara de peixe morto. Bem, “seu” Jordan, vá conversar com os vampiros. O senhor se dá melhor com eles. [cinema]
 
MATRIX * * * * *
[The Matrix, EUA, 1999]
Ficção – 144 min
Você está diante de duas pílulas, uma azul e uma vermelha. A azul é apenas um sonífero; logo você acordará e seguirá sua vida normalmente. A vermelha, porém, irá fazer você acordar na verdadeira realidade das coisas: descobrirá que sua vida é apenas um mero e confuso faz de conta. Qual pílula você escolheria? Uma questão difícil, hein? O hacker Neo optou por escolher a vermelha, a fonte do conhecimento, e descobrirá que toda a sua existência é nada mais nada menos que uma imensa realidade virtual, ou seja, a Matrix. A partir de então, Neo (Keanu Reeves) saberá que ele é o Predestinado: a pessoa que irá salvar toda a humanidade. Com uma história confusa a princípio, e cheia de citações filosóficas que vão desde “Alice no País das Maravilhas” à Bíblia Sagrada, surge um dos filmes mais espetaculares do fim do milênio. “Matrix” deixa qualquer um à flor da pele, mesmo que essa pessoa tenha se perdido na mirabolante trama. Pode acreditar: você nunca viu nada igual. O filme, ao mesmo tempo cético e dogmático, é um espetáculo visual de encher os olhos. Os efeitos especiais usados aqui nunca foram visto antes. É impossível descrever a sensação de assistir a “Matrix” pela primeira vez. Você tem que vê-lo para acreditar. Se você for daqueles acomodados e não quiser aceitar a premissa do filme, é só botar uma frase na cabeça: “É tudo mentira”. Se não, respire fundo e descubra quão limitada a nossa mente é, comparada aos infinitos mistérios que nos cercam. [maio 1999 – cinema]
 
STAR WARS - EPISÓDIO I: A AMEAÇA FANTASMA * * *
[Star Wars - Episode I: The Phantom Menace, EUA, 1999]
Ficção - 131 min
O jovem Luke Skywalker (Lucas, o Guerreiro Estelar) se une ao cavaleiro Jedi Obi-Wan Kenobi e à princesa Leia contra o temível Darth Vader e o Império. É treinado pelo mestre Yoda para se tornar um Jedi, ao mesmo tempo em que descobre ser filho de seu próprio inimigo e irmão da princesa. Ele então parte para um duelo final contra seu pai para poder conseguir a paz para a Aliança Rebelde e para o próprio universo, o que, finalmente, consegue quando o Imperador do Mal é morto e Darth Vader se redime em seu leito de morte. Ponto final. Será mesmo? A história pode ter sido terminada, mas não está completa. Como tudo começou? Como o pai de Luke, um cavaleiro Jedi do Bem, se torna Darth Vader? São muitas perguntas, fora estas, que merecem respostas. George Lucas é realmente um gênio. Ele imaginou uma história ambiciosa envolvendo uma família e seus conflitos, e viu que era grande demais para ser feita em apenas um único filme. O que ele fez? Dividiu-a em seis partes (originalmente eram nove) e decidiu começar pela menos complicada, assim se ninguém gostasse não era obrigado a fazer as outras. Mas aí o público internacional adorou o seu conceito de ficção científica e ele teve que finalizar a saga do herói Luke Skywalker. Agora, mais de vinte anos depois de ter nos concebido Guerra nas Estrelas (que na verdade seria o episódio IV) o diretor achou que era hora de mostrar ao mundo o início de tudo. Voltamos no tempo trinta anos antes do primeiro filme. Uma organização chamada Federação Comercial, que, na verdade, é apenas uma marionete nas mãos do misterioso Darth Sidious (a tal “ameaça fantasma”), invade o planeta Naboo para obrigar a jovem rainha Amidala (a talentosa Natalie Portman) a assinar um tratado que em nada a beneficia no que diz respeito às rotas de comércio intergaláticas. O cavaleiro Jedi Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e seu aprendiz Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor), que secretamente foram enviados pela República para negociar com a Federação, conseguem salvar a rainha e sua corte, em uma tentativa de alcançar o planeta Coruscant, onde fica a sede da República. No caminho, eles são forçados a pousar no planeta desértico Tatooine para repor algumas peças da nave em que estão. É então que Qui-Gon encontra uma forte convergência da Força no jovem escravo Anakin Skywalker (Jake Lloyd), que anos mais tarde seria seduzido para o Lado Negro tornando-se Darth Vader, e resolve treiná-lo para ser Jedi, ao mesmo tempo em que o garoto será de fundamental importância para resolver o conflito. O que impera absoluto neste filme são os efeitos especiais. Não há uma cena sequer sem que apareça algum monstro ou uma nave. São realmente de encher os olhos. Há criaturas engraçadas, como o divertido Jar Jar Binks, da raça dos Gungans; outros birrentos, como Watto, dono de um ferro-velho em Tatooine, todos com um incrível realismo. Cenas como a corrida de pods ou as guerras terrenas e galácticas são de fato delirantes. Não há quem consiga ficar indiferente diante de cenas como essas, além do mais quando o diretor encena tudo epicamente. Alguns personagens antigos também estão de volta, como o pequeno Mestre Jedi Yoda (Frank Oz), o mais poderoso dos cavaleiros Jedi e é quem sente a raiva em Anakin e teme por seu futuro nos caminhos da Força. O Imperador do Mal também aparece ainda na forma do inescrupuloso senador Palpatine, que se diz disposto a ajudar a rainha a libertar seu povo, só que não é essa a sua verdadeira intenção. No entanto, A Ameaça Fantasma pode ser visto por duas maneiras: como um filme independente dos outros Star Wars ou como uma parte da saga dos Skywalker. Analisando pelo primeiro critério, o filme é bem divertido, vivo, com uma história quase infantil, ou seja, feito especialmente para as crianças. Já pelo segundo critério, é uma ótima maneira de iniciar a série mais popular do cinema, visto que começamos com a infância do herói de toda a história, seja ele bom ou mau. Enfim, a fabulosa saga estelar foi iniciada, agora que venha o resto. [junho 1999 - cinema]

O SEXTO SENTIDO * * * * *
[The Sixth Sense, EUA, 1999]
Suspense - 106 min
Fique certo de uma coisa: você não vai esquecer este filme tão cedo. Malcolm Crowe é um renomado psicólogo infantil que, na mesma noite em que é homenageado pelas autoridades de Filadélfia, recebe a inesperada visita de um ex-paciente, Vincent Gray, seminu e à beira do desespero. “Não quero mais sentir medo”, ele diz, um minuto antes de meter um tiro contra a própria cabeça. Nem um pouco recuperado do incidente, ele conhece Cole, um menino de oito anos aparentemente normal. O fato é que Cole é uma criança retraída e insociável, ou seja, com os mesmos sintomas de Vincent. Crowe resolve ajudar o menino, acreditando ser esta a sua última chance de redenção, ao mesmo tempo em que seu casamento vai de mal a pior. “Eu vejo pessoas mortas”, revela Cole ao psicólogo depois de certo período de entrevistas, e é a partir de então que somos arremessados ao filme mais assustador dos últimos tempos. Num clima de tensão sem fim, vemos e sentimos o sofrimento do garoto, numa trama tão bem amarrada e original que passamos duas horas sem piscar os olhos. É brilhante o modo como o estreante Shyamalan conduz sua obra, centrada na relação entre Cole e Crowe e mostrando os fantasmas a partir da visão do garoto. O diretor conseguiu o incrível feito de contar tudo isso com consistência e sem voar muito. O resultado é filmaço impressionante, que ainda se dar ao luxo de garantir sustos genuínos. Bruce Willis, como o psicólogo, está na melhor atuação de toda a sua carreira, e o garoto Haley Joel Osment (Bogus - Meu Amigo Secreto) é um dos melhores atores-mirim já visto na tela. O Sexto Sentido não cai na estupidez de se transformar em um trilher e nos leva a um final surpreendente. O clímax é tão chocante que nos faz repassar todas as cenas mentalmente para confirmarmos as respostas que sempre estiveram na nossa cara. É um filme de detalhes perfeitamente encaixados que não deixa escapar nada; consegue driblar até mesmo um alucinado fã do suspense. O único problema de O Sexto Sentido é ser apenas um (ótimo) exercício de percepção e medo. Não tem problema, junte um bom dinheiro e torne-se amigo do cobrador do cinema. É o jeito. [outubro 1999 - cinema]

CLUBE DA LUTA * * * * *
[Fight Club, EUA, 1999]
Suspense - 139 min
David Fincher merece aplausos. Depois de uma estréia regular com "Alien 3", este ex-diretor de videoclipes soube se impor no mercado cinematográfico com filmes que dão muito o que falar. Fincher gosta de mexer com nossa cabeça a cada trabalho (ou experiência). Primeiro o final perturbador e totalmente consciente de "Seven - Os Sete Crimes Capitais", depois a brincadeira perigosa de "Vidas em Jogo", que levou Michael Douglas à loucura, e agora ele nos concebe "Clube da Luta", uma experiência polêmica e bastante visceral. Edward Norton (um dos melhores atores surgidos nesta década) é o narrador desta trama que mistura “caos, subversão e sabonete”. No filme, ele é um funcionário de uma grande empresa de automóveis que se vê completamente estressado e com insônia. Depois de tentar tudo quanto é remédio, ele encontra o que faltava indo a reuniões de pessoas com problemas crônicos: câncer nos testículos, tuberculosos à beira da morte, doenças incuráveis. Só assim redescobre o sentimento, sente-se vivo e volta a dormir como um neném. Sua alegria é interrompida com a chegada de Marla Singer (Helena Bonhan Carter), uma viciada em droga com idéia fixa em morte: ela também é um farsante, o que deixa nosso narrador um pouco desconfortável. É quando ele conhece Tyler Durden (Brad Pitt), uma figura estranha que vende sabonetes. Nesse mesmo dia, sua vida dá uma louca reviravolta: seu apartamento, que montava há anos, pega fogo e tudo se perde. Sem maiores explicações, ele passa a morar com Tyler numa mansão isolada e caindo aos pedaços. Para sair um pouco da rotina e deixar de lado as tensões do dia a dia, os dois começam a brigar no meio da rua. Curiosamente, a briga se torna uma espécie de ritual que a cada semana atrai mais e mais adeptos, e logo, no porão de um bar, é batizado o clube da luta. Aos poucos, a coisa vai crescendo e se expandindo para os quatro cantos do país. Tyler se revela um perigoso psicopata e promove vários atos de vandalismo pela cidade; um exército começa a ser formado para dar vida ao “projeto caos”, cujo objetivo só é esclarecido no clímax de "Clube da Luta", quando uma inesperada revelação muda toda a concepção do filme. Com uma narrativa bastante surreal, o diretor promove tira-teimas de cada detalhe que possa parecer insignificante e consegue nos enganar direitinho mostrando somente o ponto de vista de Jack, o narrador. Violento e ousado, com diálogos corrosivos e carregados de humor, o filme pode incomodar muita gente pela sua idéia da queda da atual estrutura social e a proposta de um renascimento em cima dos escombros da sociedade capitalista. Ao fim do filme, a sensação é de ter acabado de sair de um longo delírio de um esquizofrênico perdido no meio de uma geração sem papel algum na História. [10.11.99 - cinema]

JOANA D’ARC * * *
[Idem/The Messenger: The History of Joan of Arc, EUA/FRA, 1999]
Drama - 141 min
A modelo Milla Jovovich ficou bem conhecida depois de interpretar o Quinto Elemento no filme de mesmo nome. Luc Besson gostou da moça e entre outras coisas a escalou de imediato para seu último filme: a famosa história da camponesa que corta os cabelos como um homem para liderar o exército francês contra a dominação inglesa. Com mais detalhes, Joana passa a infância recebendo mensagens de Deus para livrar a França da Inglaterra. O delfim (John Malkovich, convincente) acredita na moça e financia um grande exército para que ela se mande para Orleans, território francês disputado com o inimigo. Vencida a batalha, com muito drama e sacrifício, o rei é coroado e em seguida trai Joana, vendendo-a para os ingleses. Lá, ela é julgada por heresia e termina queimada em uma fogueira. Isso todo mundo já conhece. A visão de Besson dá margem a várias interpretações, muito surrealismo, sangue e lágrimas. É uma versão muito pessoal da trágica heroína francesa, portanto pode não agradar muita gente, uma vez que Deus (ou a própria consciência de Joana para os céticos), interpretado por Dustin Hoffman, nos corrompe contrariando toda a história, e faz de Joana uma mulher confusa e até mesmo egoísta. O filme tem cara de épico, uma estupenda fotografia e grandes cenas de batalha, mas não chega a ser um, talvez pelo fato de sua tamanha pessoalidade na terceira e última parte. O que fica é uma boa diversão histórica, visual e emocional. [cinema]

CRIME VERDADEIRO * *
[True Crime, EUA, 1999]
Drama - 128 min
Clint Eastwood parece estar mesmo velho, pois seus últimos filmes têm sido uma decadência. Como diretor até que leva jeito; o problema são os roteiros que tem escolhido. Aqui ele faz um jornalista mulherengo que, depois que acontece um terrível acidente de carro, fica encarregado de entrevistar um homem no corredor da morte. Até aí tudo bem. É quando ele tem um palpite: o cara é inocente. No mesmo dia, ele descobre coisas que ninguém sacou durante seis anos. É mole? O filme dá mais espaço para os dramas pessoais do que para a própria história, o que prejudica enormemente a diversão, e o que o personagem descobre é tão óbvio que não cola. O faro do jornalista pode estar bem afiado, mas o do diretor não.

TEMPESTADE DO SÉCULO * * *
[Stephen King’s Storm of the Century, EUA, 1999]
Terror - 266 min
O cenário é perfeito para Stephen King narrar sua história de terror: na pequena ilha Little Tall os moradores estão prestes a encarar uma terrível tempestade, o que pode ser um bom motivo para pânico ? mesmo com um abrigo contra a chuva que cabe umas trezentas pessoas. É mesmo? Claro que não. O verdadeiro medo surge com a chegada de um estranho forasteiro, quando começam a acontecer estranhas mortes entre seus poucos habitantes. “Dêem o que eu quero e eu irei embora”, essa é frase com que temos de conviver durante mais de quatro horas de filme, num ritmo ágil que por vezes enrola mais do que o necessário. É bom ter na cabeça para não se decepcionar: o fim deixa um certo rancor. Mas tudo bem. Em se tratando de Stephen King pode ter certeza que ele não nos deixa na mão. Afinal, sustos e muito suspense durante quatro horas não é para qualquer um.

VIVENDO NO LIMITE * * *
[Bringing Out the Dead, EUA, 1999]
Drama – 120 min
Nicholas Cage é um paramédico de emergência, cuja rotina noturna acompanhamos durante três dias/noites pelas ruas de Nova York no início da década de 90. Estressado por nunca mais ter salvado ninguém, passa a ver o rosto de uma garota de 18 anos que morrera em seus braços em cada pessoa que perambula pelas calçadas, ao mesmo tempo em que se apaixona pela filha de um senhor à beira da morte (Patricia Arquette). O diretor Scorsese mostra que tem fôlego de sobra e dirige o roteiro do seu velho amigo Paul Schrader de maneira um tanto atípica e delirante. É um filme não muito convencional; no mínimo é interessante, mas não chega a ser surpreendente, uma vez que não possui um enredo específico. Cage brilha em seu personagem – um homem à beira da paranoia numa realidade para lá de alucinada – e tem como companheiros John Goodman, Ving Rhames e Tom Sizemore. Martin Scorsese já fez melhor, mas tudo bem. Ninguém é perfeito, não é mesmo? [março de 2000]
 
TRÊS REIS * * * *
Three Kings, EUA, 1999]
Aventura – 115 min
O cenário é a Guerra do Golfo, vista sob um ângulo ousado, onde, dias após o presidente George Bush ter assinado o cessar-fogo, alguns soldados americanos da operação Tempestade do Deserto encontram um mapa escondido com um prisioneiro iraquiano. Logo se dão conta de que se trata da exata localização do bunker onde Saddam Hussein havia escondido todo o ouro roubado do Kuwait e a notícia logo se espalha. É aí que entra em ação o capitão Archie Gates, que dribla uma repórter oportunista e passa a liderar a tropa composta por Troy Barlow (Mark Wahlberg), Chief Elgin (Ice Cube) e Conrad Vig (Spike Jonze). Em pleno fim de conflito, os quatro soldados partem em uma verdadeira caça ao tesouro pelo território iraquiano com o lema: “Se Saddam roubou do Kuwait, então nós podemos roubar de Saddam”. O roteiro do próprio diretor nos faz penetrar nos problemas da guerra em busca de uma coisa teoricamente absurda, mas praticamente aceitável e para lá de genial, fazendo desse “o filme de guerra mais original de todos os tempos”. Clichês críticos a parte, “Três Reis” é sem dúvida o filme que estava faltando no gênero, ressuscitando até sua conterrânea – a sátira política. No melhor estilo de um cinema independente de luxo, a câmera afiada de Russell não se perde e nem para de se movimentar, é ação pura. George Clooney está mais que perfeito na pele do cínico capitão, mostrando o ator versátil, e astro, que ele é. E a história não dá trégua a ninguém, cada segundo e cada bala não são à toa, e a cada nova surpresa que nos é apresentada ficamos ainda mais empolgados para ir adiante. Isso tudo sem falar nas mais desconcertantes cenas de “Três Reis”, nas quais uma vaca explode bem na nossa cara e vemos uma bala atravessar internamente o corpo humano (cena essa que o diretor jurou ter feito com um cadáver de verdade e teve que desmentir logo em seguida), e isso é apenas o começo da fita. Nem um pouco original, hein? [março de 2000]
 
O INFORMANTE * * * *
[The Insider, EUA, 1999]
Drama – 160 min
Al Pacino brilha na pele de Lowell Bergman, produtor-investigador do programa 60 Minutes. Ele é o cara que acha a pessoa que daria uma grande história e a convence a conceder uma entrevista ao apresentador Mike Wallace, prometendo isso e aquilo outro. Sua vida termina se cruzando com a de Jeffrey Wigand (Russell Crowe), um alto executivo de uma indústria tabagista que acabara de ser demitido sem nenhuma razão aparente. Com a filha asmática e sofrendo pressões externas, Wigand decide conceder uma entrevista ao programa denunciando a empresa em que trabalhava – alegando que sabiam o tempo todo dos riscos que o cigarro faz à saúde, mas omitiram –, mesmo sabendo que implicaria em quebrar o contrato de sigilo que firmou com a empresa e ter seus benefícios todos anulados. Contundente drama de primeira categoria, baseado na história real de Jeffrey Wigand, o “maior traidor da indústria tabagista”, com um roteiro impecável, mostrando de maneira sólida e realista os bastidores da notícia e a reviravolta louca na vida de um homem comum. O diretor Michael Mann faz aqui a melhor direção de sua carreira, conduzindo a história de maneira brilhante e nos colocando bem no meio dos dramas do filme. Mas quem realmente cativa o expectador é Russell Crowe (indicado ao Oscar de Melhor Ator), brilhantemente perfeito na composição de seu personagem. É ele quem transmite todas as emoções do filme sem parecer um ator, e sim o próprio personagem. “O Informante” se insurge com um dos melhores filmes-denúncia já realizados em muito tempo, e todos os méritos a ele são mais que justos. Filmaço! [abril de 2000]
 
TUDO SOBRE MINHA MÃE * * * *
[Todo Sobre Mi Madre, ESP, 1999]
Drama – 105 min
O diretor Almodóvar não perde nenhuma oportunidade de contar uma boa história com seu toque bizarro e carregado de humor negro. É o caso deste “Tudo Sobre Minha Mãe”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano, onde é bem explorado o mundo da prostituição e das drogas. Personagens estranhos e irreverentes aos nossos olhos se cruzam com a história de Manuela, cujo filho Esteban, aspirante a escritor, sempre teve um grande desejo: saber tudo sobre o pai que não conheceu. No dia do seu aniversário de dezessete anos, o rapaz é atropelado enquanto corria atrás de um autógrafo de uma famosa atriz e termina por morrer. Com o seu mundo completamente destroçado, Manuela volta à Barcelona, dezoito anos após ter de lá partido, à procura do pai de seu filho, a travesti Lola, ao mesmo tempo em que vive novas amizades e procura um motivo para continuar vivendo. Uma produção de primeira, conduzida brilhantemente pelo diretor espanhol, que consegue falar de assuntos delicados sem que seu humor vire piadas machistas. Almodóvar escreveu um roteiro simples, mas sensível e bem bolado, com um belo final. Diálogos autênticos e atuações primordiais fazem de “Todo Sobre Mi Madre” um filme que deve ser visto e apreciado. [abril de 2000]
 
QUERO SER JOHN MALKOVICH * * * *
[Being John Malkovich, EUA, 1999]
Comédia – 112 min
No cinema, hoje em dia, é um pouco difícil assistir a um filme muito bom e original ao mesmo tempo. São um ou dois por ano. Podemos citar “O Show de Truman”, “Clube da Luta”, “Três Reis”, entre algumas raras pérolas que surgem de surpresa para nos tirar da monotonia do cinema norte-americano. “Quero Ser John Malkovich” é com certeza um dessas pérolas. Esquisito, doentio, perturbador (em certos trechos), inimaginável. Faltam adjetivos para essa estreia de Spike Jonze (indicado para Melhor Diretor), que sem dúvida ainda vai desafiar a compreensão de muita gente. John Cusack é um manipulador de marionetes fracassado por causa da modernidade tecnológica. A incessante pedido de sua mulher (Cameron Diaz, feia como nunca), ele arruma um emprego como arquivista no sétimo andar e meio de um enorme edifício. Entre suas tentativas de agradar o chefe de mais de cem anos de idade e conquistar sua colega de trabalho (Catherine Keener, indicada para Melhor Atriz Coadjuvante), acaba descobrindo uma portinhola em sua sala que dá acesso direto a quinze minutos no cérebro de John Malkovich, sendo em seguida arremessado do outro lado da cidade. Você já quis ser outra pessoa? Ver o mundo através de outros olhos? Pensando nisso, o arquivista e sua futura amante põem um anúncio no jornal e passam a alugar o cérebro do ator por duzentos dólares. O roteiro de Charlie Kaufman (outra indicação ao Oscar) era teoricamente “infilmável”, mas praticamente uma grande história, cheio das mais inesperadas surpresas (o que aconteceria se Malkovich entrasse em seu próprio cérebro?). O romance entre as duas mulheres da história através de John Malkovich é simplesmente brilhante. O clima surreal, que acentua a obsessão dos personagens, dá a Spike Jonze a oportunidade perfeita de fazer de sua câmera um personagem dentro da trama, no meio de todo o caos psicológico e toda a loucura que desfilam diante de nossos olhos por quase duas horas consecutivas. Realmente, “Quero Ser John Malkovich” é uma experiência diferente, que vai além da simples diversão de ver um grande filme de arte alternativo. Tomara que essa tendência vire moda, e que mais filmes ousem desafiar as leis físicas, como este fez. [maio de 2000]

TRÊS ESTAÇÕES * * * * *
[Three Seasons, Vietnã/EUA, 1999]
Drama - 102 min
Cada vez mais ficam raros os filmes que praticam a arte pela a arte. “Três Estações” é um deles, aquela coisa aparentemente banal que começamos a assistir sem muito interesse mas que nos cativa de tal maneira que nos entristece por chegar ao final e revelar ser apenas um excelente filme. E que filme! A história singela se passa na atual Saigon, ainda com as cicatrizes da guerra do Vietnã, onde vidas comuns se cruzam umas com as outras como uma dança de balé clássico. Temos o americano desiludido com contas a cerca do passado, o taxista que se apaixona por uma prostituta, a jovem e solitária florista e seu recluso mestre o garotinho vivendo a realidade crua das ruas. Não adianta. Não darei mais detalhes do primoroso roteiro do diretor Tony Bui. Seria um pecado tremendo com quem ainda não descobriu a obra. A beleza das imagens é simplesmente impressionante. O diretor se mostra dono de uma técnica apuradíssima, capaz de fazer veteranos no ramo babar. Sem notar vamos nos deixando guiar por uma história simples e comovente, com muito poucas. Aos poucos nos identificamos com cada situação, uma coisa difícil de acontecer normalmente. Se o expectador se dispuser a baixar a guarda, realmente pode se sentir tocado pelo filme. É uma maravilhosa aula da mais bela poesia visual cinematográfica, contada com sinceridade e uma boa dose de magia. Uma experiência obrigatória. [01.01.01]

DR. MORTE * * *
[Dr. Dead, EUA, 1999]
Documentário - 90 min
Documentário muito bem feito sobre a trajetória de Fred Leuchter, engenheiro norte- americano especializado em métodos de execução, como a cadeira elétrica e a câmara de gás. Relatos e imagens impressionantes, como a eletrocussão de um elefante em 1903, compõem esse trabalho perturbador, que pouco a pouco vai nos dando o perfil completo de Leuchter. O interesse se torna maior na parte em que ele é encarregado de analisar supostas câmaras de execução em Aushwitz e retorna com um polêmico relatório negando o Holocausto. Apesar do tema frio e nem um pouco otimista, é um filme curioso por nos possibilitar conhecer um inusitado personagem da história norte-americana. [05.01.01]

BELA DONNA * *
[Idem, BRA, 1999]
Romance - min
Fábio Barreto, o diretor de “O Quatrilho”, vai à Morro Branco, no Ceará, início da Segunda Guerra Mundial, para contar a história de um engenheiro norte-americano com a missão de encontrar petróleo e que vê sua bela mulher cair nos braços de um pescador da região. A beleza das paisagens mostrada e os contornos deliciosos da atriz principal não conseguem nem um pouco esconder a pobreza e incoerência do roteiro. Apesar do erotismo, que não é lá essas coisas, resulta num filme fraco e desnecessário. É apenas um conselho. [06.01.01]

ORFEU * *
[Idem, BRA, 1999]
Drama - 119 min
A bela e trágica história de amor entre Orfeu da Conceição e Eurídice, saída da peça de Vinícius de Moraes, ganha contornos bem cariocas nessa versão do diretor Carlos Diegues. Num morro dominado por Lucinho, Orfeu se apaixona pela recém-chegada Eurídice e por ela desafia o traficante, enquanto brilha com sua escola de samba no carnaval. Não fosse pelas interpretações do cantor Toni Garrido, que parece levar tudo na brincadeira, e de Patrícia França, que durante todo o filme está bem distante, voando entre outros pensamentos, poderia se afirmar que “Orfeu” é um grande filme. A história é boa, apesar de o roteiro ser um tanto decadente nos diálogos, e a produção também não está ruim. No entanto, que salva definitivamente a obra de Diegues é Murilo Benício e sua notável interpretação como o traficante Lucinho, amigo de infância do personagem-título. Ele realmente sabe o que é atuar e levar bem a sério o papel. Não é de se espantar que brilhe em cada cena que apareça. O resultado parece belo, mas sem dúvida a história podia ser muito bem melhor contada. [10.01.01]

O VERÃO DE SAM * * *
[Summer of Sam, EUA, 1999]
Drama - 142 min
Cheio de estilo, Spike Lee recria um dos mais quentes e paranoicos verões nova-iorquinos do final dos anos 1970. Aterrorizada pelo serial killer que se autointitulava “Filho de Sam”, a comunidade ítalo-americana do bairro Bronx vivia em estado constante de medo e suspeitando até do próprio vizinho. O filme é mais sobre isso, o que faz as sequências voltadas ao assassino soarem desnecessárias. [24.06.14]

 

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